“Em Busca de Um Novo Amanhã” e “Um Amanhã de Vingança”: duas obras que esculhambaram Tracy Whitney

23 agosto 2020

Existem personagens sagrados que devem ser deixados quietos no seu canto. Eles conseguiram revolucionar o sentimento de tantos leitores que se tornaram verdadeiros ícones da literatura ficcional. Resumindo: eles cumpriram o seu papel, de maneira brilhante, sem a necessidade de uma saga ou série, mas apenas um livro para contar a sua história.
Infelizmente existem familiares de escritores que na ânsia de ganhar mais dinheiro com o espolio do morto famoso concordam em deixar que outros autores mexam em sua obra e com isso cometam o sacrilégio de criar novos enredos para personagens emblemáticos que já tinham fechado o seu círculo de aventuras com chave de ouro, sem a necessidade de nenhuma continuação. Resultado: a imagem, antes irrepreensível, desse personagem acaba ficando maculada e muitas vezes, ele acaba caindo no ridículo.
Foi assim com vários deles: Scarlett O’Hara que levou duas verdadeiras pancadas, a primeira desferida por Alexandra Ripley que expôs a personagem de maneira cruel em Scarlett, e o segundo golpe fatal no bagaço literário O Clã de Rhett Butler – suposta continuação da obra prima E O Vento Levou de Margaret Mitchell – onde Scarlett ganha uma meia irmã que resolve contar os segredinhos apimentados da heroína jogando o seu nome na lama. Michael Corleone, por sua vez, sofreu nas mãos de Mark Winegardner e do seu ‘terrible’ A Volta do Poderoso Chefão. O mesmo destino teve Holden Caufield, aquele adolescente rebelde e desbocado que desprezava as características da vida adulta em “O Apanhador do Campo de Centeio” de J.D. Salinger e que graças a uma continuação não autorizada e mal sucedida escrita pelo sueco Fredrick Colting, transformou-se numa versão idosa, chata e arrogante.
Pois é, e agora uma nova personagem vem se juntar a essa galeria. Trata-se de inteligente, sedutora e carismática Tracy Whitney do delicioso Se Houver Amanhã de Sidney Sheldon, escrito em 1985 e que agora foi jogada na lama em duas continuações: Em Busca de Um Novo Amanhã e Um Amanhã de Vingança.
Acredito que o maior erro dos herdeiros de Sheldon foi ter deixado que uma nova autora assumisse o seu legado depois de sua morte, e pior... ter dado autorização para que ela alterasse o destino de personagens considerados verdadeiros emblemas criados pelo famoso autor. Tilly Bagshawe não é uma má autora, pelo contrário, tem bons livros publicados – apesar de poucos conhecidos por aqui – entre eles Fama (2013) que recebeu muitos elogios da crítica americana. Repito que o erro da autora foi querer sequenciar enredos que já tinham cumprido o seu ciclo nas mãos de Sheldon. Tudo bem, ela poderia até mesmo escrever novas histórias seguindo o estilo de Sheldon com fez com AViúva Silenciosa, Depois da Escuridão e Sombras de Um Verão que agradaram os leitores do autor. Mas a partir do momento em que ela decidiu dar sequência em obras que não precisavam de uma continuação por terem tido início, meio e fim perfeitos, a ‘coisa’ complicou. Exemplo disso foram os decepcionantes A Senhora do Jogo continuação de O Reverso da Medalha e agora, mais recentemente, em Um Novo Amanhã e Um Amanhã de Vingança, sequencias de Se Houver Amanhã.
Sinto dizer, mas a autora moeu Tracy Whitney. A personagem forte, marcante e sedutora de Se Houver um Amanhã se transformou numa protagonista apagada e sem personalidade nesses dois livros. Muito, mas muito sem graça.
Vi uma Tracy ingênua e boba, que me fez parar a leitura várias vezes e perguntar a mim mesmo: “Caráculas, essa a Tracy que vi em Se Houver Amanhã?
Nestas duas sequencias, Tracy enfrenta uma organização radical de hackers chamada Grupo 99 que tem por objetivo atacar os grandes monopólios comerciais. Eles invadem sistemas de agências governamentais e grandes empresas, provocando um verdadeiro caos, prejudicando muitas pessoas. Um dia, eles decidem radicalizar ao extremo e então, sequestram uma vítima influente, o matam com um tiro na cabeça e divulgam o vídeo na internet.
As agências de inteligência americanas e europeias se unem para caçar essa organização criminosa. Tracy é convidada a ajudar nessa caçada, mas a princípio recusa, pois a sua única intenção é viver tranquilamente, longe de confusões, ao lado de seu filhos; até que algo inesperado acontece, obrigando a protagonista a mudar os seus planos. Este é um breve resumo da duologia escrita por Bagshawe e que descaracterizou inteiramente uma das personagens mais famosas e emblemáticas já criadas por Sheldon.
Uma pena.

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