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25 junho 2024

Meu Nome é Ninguém – O Regresso (Volume II)

Grande parte dos comentários que li sobre “O Regresso” – segundo e último volume da duologia “Meu Nome é Ninguém” – diziam que o autor Valerio Massimo Manfredi aumentou a história desnecessariamente quebrando toda a magia que envolve a saga de Ulisses ou Odisseu. Concordo em gênero, número e grau. Vou mais além e afirmo que o autor escreveu mais do que devia e se enrolou todo no final. Quando acabei de ler o livro disse para Lulu que Manfredi foi guloso; comeu mais do que devia, se empanturrou e depois, passou mal.

A maioria daqueles que leram as versões romanceadas de a “Odisseia” de Homero ou então, assistiram aos filmes baseados na obra sabem que a saga de Ulisses termina tão logo após o seu retorno a Ítaca quando ele, juntamente com o seu filho Telêmaco e alguns aliados, exterminam todos os guerreiros que haviam invadido o seu palácio com a intenção de desposar a sua esposa Penélope, acreditando que o herói havia morrido.

O que Manfredi fez? Ele quis ir mais a fundo e narrar o que aconteceu depois disso; e foi aí que ele se embananou todo. Antes desse acréscimo na saga, por parte do autor, a narrativa estava fluida e agradável capaz de prender a atenção do leitor. Como escrevi na resenha de “O Juramento” (primeiro volume da duologia Meu Nome é Ninguém) ler todos os acontecimentos envolvendo a Guerra de Tróia e o retorno de Ulisses a sua Terra Natal narrados em primeira pessoa pelo próprio herói torna a história muito mais palatável e saborosa fazendo com os leitores devorem as páginas.

Acredito que ao autor ao escrever essa duologia, tinha como proposta narrar fatos desconhecidos sobre a vida do herói da mitologia grega, ou seja, fatos além daqueles que conhecemos lendo o poema de Homero ou então, as suas versões romanceadas. Dessa maneira, no primeiro volume conhecemos curiosidades interessantes sobre a infância de Odisseu; como ele conheceu o seu avô; a origem de seu nome; como ele se tornou um guerreiro e, também; como ele conheceu Penélope e como por pouco, Helena de Tróia não o desposou; além de muitos outros detalhes, posso ‘dizer’... “indédito” da conhecida saga.

Esta proposta de Manfredi caiu como uma luva em toda a narrativa de “O Juramento”, mas por outro lado, apenas em parte de “O Regresso”. Na minha opinião, se o autor tivesse encerrado a narrativa logo após a sua vingança contra os pretendentes de Penélope, a duologia seria encerrada , com chave de ouro, mas o problema foi que ele quis mais e com isso, acabou estragando o encerramento da história.

Comentei com algumas pessoas que também leram a duologia que tudo o que deveria ser acresentado a mais na saga de Odisseu foi feito em “O juramento”, restando muito pouco ou quase nada a ser acrescentado em “O Regresso”. Esse pouco foi acrescentado nos trechos envolvendo as interações de Ulisses com Calipso, Circe e a princesa Nausicaam, filha do rei Alcino que o ajudou o herói a regressar a Ítaca. Bastavam esses acrescimentos no enredo para deixa-lo agradável porque já tínhamos a deliciosa narrativa de Ulisses em primeira pessoa.

Mas o autor não entendeu dessa maneira e optou por incluir uma nova viagem para Odisseu após o seu retorno a Ítaca. Nesta nova peripécia, ele deveria ir até uma terra muito distante onde cumpriria uma promessa para acalmar Poseidon, deus dos mares e pai do ciclope Polifemo, morto çpelo herói. E foi aí que o caldou engrossou demais ou ficou ralo de mais, como queiram. Achei essa segunda aventura de Ulisses muito chata, insípida e muito metafórica. Resumindo: chata e confusa.

Se quiserem um conselho, leiam “O Regresso” até o capítulo em que Odisseu mata os usurpadores de seu palácio que pretendiam desposar Penélope e esqueçam a última viagem, sem sentido, do herói. Já aqueles que quiserem encará-la, desejo boa sorte.

12 novembro 2023

Meu Nome é Ninguém – O Juramento (Volume I)

Tão bom quanto “Circe” de Madeline Miller. Esta é a melhor definição para o livro do escritor, jornalista e arqueólogo italiano Valério Massimo Manfredi. Aliás, deixe-me fazer uma pequena mudança nessa definição: sai o “bom” e entra o “ótimo”. Portanto, Meu Nome é Ninguém – O Juramento é tão ótimo quanto Circe.

Adorei o livro logo de cara porque gosto de narrativas em primeira pessoa, ou seja, quando o protagonista da história assume o controle total do enredo como se dissesse para o escritor: “Se manda que agora eu assumo daqui para frente”. Somado a isso, eu também adoro mitologia grega. Quer mais? Amo esses dois personagens da mitologia: Circe, a Feiticeira e Ulisses. Sendo assim, para gostar do livro só faltava ele ser bem escrito; e diga-se, Meu Nome é Ninguém - O Juramento é tão bem escrito quanto a obra magnífica de Miller. Resultado: amei, amei e amei a história de Massimo.

Cara, imagine só, Ulisses, um dos personagens mais famosos da mitologia grega – tão famoso que ganhou de Homero um poema só seu no evento mais célebre de toda a mitologia: a Guerra de Tróia – contando de viva voz toda a sua história; desde o seu nascimento até a sua participação na guerra causada pela mulher mais bonita do planeta.

Como arqueólogo que é, além de escritor, Massimo cavucou à fundo as origens do personagem, desenterrando informações inéditas que nunca haviam sido reveladas em nenhum livro sobre o tema. Como foi o nascimento de Ulisses ou Odisseu, porque ele ganhou esse nome e quem lhe deu esse nome, como foi o início de seu treinamento e como ele aprendeu a desenvolver as suas habilidades de persuasão, a importância e a influência do avô de Ulisses em seu crescimento, além de muitos outros detalhes até outrora, desconhecidos sobre a infância e adolescência do herói.

Passando pela sua fase adulta, os leitores descobrirão como o herói conheceu Penélope, como eles se apaixonaram e como foi o seu casamento; como Odisseu conheceu Aquiles, outro herói famoso da Guerra de Tróia, e como foi o desenvolvimento dessa amizade – vale lembrar que Ulisses foi, de fato, o único herói que Aquiles, verdadeiramente respeitou.

Meu Nome é Ninguém – O Juramento, explica minuciosamente a origem da Guerra de Tróia, um evento que começou após a quebra de um juramento idealizado por Ulisses. As vitórias, derrotas, conflitos, alegrias, tristezas; enfim, como era o dia a dia dos heróis gregos em seu acampamento ao redor das muralhas de Tróia. Tudo isso narrado por Ulisses.

Massimo ainda encontrou espaço em sua obra para contar outras passagens importantes da mitologia grega envolvendo Hércules e o famoso argonauta Jasão que tiveram um envolvimento, mesmo que indireto com Ulisses.

O autor também explora em seu livro, a lenda grega de Admeto e Alceste. Na tragédia, Admeto é condenado a morte e sua esposa Alceste aceita dar sua vida em troca da dele. Ele então, vai até o Hades e consegue trazê-la de volta à vida. A questão é que quando ela retorna... – acredite, essa lenda também tem relação com Ulisses, mesmo que de maneira indireta.

Outra curiosidade revelada pelo escritor em Meu Nome é Ninguém - O Juramento que eu não sabia e também, com certeza, a maioria de vocês desconheciam era o envolvimento entre Helena de Tróia e Ulisses. Não conto mais detalhes para não revelar spoillers, mas adianto que por muito pouco, Ulisses quase foi o escolhido de Helena. Fico imaginando como seria vê-lo no lugar de Menelau.

Enfim galera, um livro que pode ser chamado de “livraço”. Agora, pretendo ler a segunda e última parte da duologia de Mássimo (Meu Nome é Ninguém - O Regresso) que narra a viagem tumultuada e cheia de perigos que Ulisses/Odisseu realizou em seu retorno à Ítaca após os 10 anos de guerra contra os troianos. Agora, some esses 10 anos com outros 17 – que foi o tempo que durou a viagem de Ulisses. Viu só o resultado? Pois é, temos 27 anos! Este foi o período de tempo que o famoso herói grego ficou longe de sua amada Penélope e de seu filho Telêmaco, na época recém-nascido.

Inté!

08 outubro 2023

Circe: Feiticeira, Bruxa, entre o castigo dos deuses e o amor dos homens

Para aqueles que leram a postagem anterior e estão curiosos com relação a saga da minha Consul. Eu respondo: “Sim; ela continua escancaradamente escancarada e... quebrada. Parece que os “doutores” estão divergindo, e muito, sobre a sua “doença”. Sério: estou fortemente propenso a comprar uma nova geladeira. Não sei, se Consul, novamente (rs). Mas vamos ao que interessa, chega de divagações.

Galera, li recentemente Circe: Feiticeira, Bruxa, entre o castigo dos deuses e o amor dos homens e amei! Madeline Miller que livro você escreveu! Uma justa homenagem para uma das personagens mais icônicas da mitologia grega, mas que foi injustamente explorada neste gênero literário. Que eu saiba, ela aparece em A Odisseia de Homero e em poucas linhas, num trecho muito curto. Neste clássico da literatura mundial, ela é retratada apenas como uma deusa feiticeira que transforma homens em porcos e acaba se apaixonando por Ulisses e por isso decide utilizar alguns de seus artifícios para prendê-lo na ilha de Eana. A Odisseia como sabemos, tem todos os seus holofotes direcionados para o herói grego Ulisses e suas aventuras visando o seu retorno a Ítaca, a pós a Guerra de Tróia.

Quando li a obra de Homero, Circe me fisgou logo de cara, mesmo aparecendo muito pouco na trama. Sua inteligência, personalidade e sagacidade me conquistaram tanto que acabei ficando frustrado por ela ter sido apenas uma mera coadjuvante nos versos ou prosa de A Odisseia. Por isso, há algum tempo, quando Madeline Miller anunciou que escreveria um livro contando a história de Circe desde o seu nascimento até a fase adulta, comemorei muito.

E esta comemoração foi ainda maior quando soube que a autora construiu a história após ter lido muitas pesquisas, incluindo a própria A Odisseia em grego antigo, além de muitos estudos sobre o texto de Homero. Fiquei sabendo, após algumas pesquisas, que foram dez anos dedicados ao aprofundamento no mundo da mitologia grega. Vale lembrar que Miller é professora de latim e grego e atuou no departamento de dramaturgia da Yale School of Drama, onde fazia adaptações dos textos clássicos para a linguagem atual.

Madeline Miller

Cara, com todas essas referências o meu termômetro de expectativa com relação ao lançamento da obra ultrapassou os 40 graus. Assim, não pestanejei nenhum segundo para comprar Circe: Feiticeira, Bruxa, entre o castigo dos deuses e o amor dos homens.

Como já ‘disse’, a autora escreveu um livraço onde temos a oportunidade de conhecer em detalhes essa personagem marcante da mitologia grega. E o melhor: tudo narrado em primeira pessoa, ou seja, por ela, Circe. Fiquei sabendo que a famosa feiticeira da mitologia é filha de Hélio, o Sol, e por ser considerada uma divindade menor, além de filha menos interessante em comparação com os seus outros dois irmãos - Eeetes, rei da Cólquida, guardião do velo de ouro, e de Pasífae, mulher de Minos – acaba sendo renegada. Ainda jovem, ao conversar com Prometeu – às vésperas de sua punição por ceder o fogo à humanidade –, Circe sente-se inexplicavelmente atraída pelos mortais.

É a partir dessa rejeição pelos deuses que tem início o crescimento de Circe e o seu interesse pelos seres humanos. O seu empoderamento começar a dar os primeiros passos depois da atitude tomada pelos seus pais e apoiada pela poderosos deuses do Olimpo. Aos poucos, ela vai descobrindo seus feitiços, um novo tipo de poder temido por titãs e olimpianos, e é banida para uma ilha deserta chamada Eana. Nesta nova fase de sua vida, a personagem vai crescendo, crescendo até se tornar uma deusa temida pelos poderosos olimpianos, capaz de enfrentar até mesmo Atena, filha de Zeus, considerada uma das deusas mais poderosas do Olimpo.

Representação de Circe transformando homens em porcos

Mais do que ser uma obra sobre o empoderamento feminino, Circe: Feiticeira, Bruxa, entre o castigo dos deuses e o amor dos homens esmiuça várias passagens e histórias marcantes da mitologia grega, as quais os leitores tem apenas um conhecimento básico ou superficial. Por exemplo, o mito de Cilla, monstro marinho que em A Odisseia devorou seis dos companheiros de Ulisses. Na mitologia, Cila é uma criatura sobrenatural, com 12 pés e 6 cabeças de longos pescoços, cada cabeça tinha uma fileira de afiados dentes triplos, enquanto que os seus lombos foram cingidos com as cabeças de cães latindo. Ela faz sons horríveis e devora qualquer marinheiro que se aproximar o suficiente para que ela coloque seus pescoços para fora e agarrá-los.

A autora conta toda a origem de Cilla que antes de se tornar esse terrível monstro era um ser humano normal que se relacionava com Circe, mas algo nesse relacionamento acabou mudando para sempre o destino de Cilla.

Miller seleciona ainda alguns outros mitos e costura-os em uma narrativa coesa de modo a construir uma personalidade consistente para Circe, justificando alguns de seus atos mais cruéis, como seu péssimo hábito de transformar marinheiros em porcos, bem descrito no 10º canto da Odisseia. E confesso que após ter conhecimento dos motivos que levavam Circe a ter essa atitude, não tirei um grama de sua razão; se quer saber... até vibrei.

O encontro de Circe e Ulisses na ilha de Eana também é desmistificado pela autora que narra essa icônica passagem de A Odisseia sob a visão da feiticeira. Neste trecho da obra passamos a conhecer um outro lado da personalidade de Ulisses e que talvez possa chocar alguns leitores que o veem apenas como um dos grandes heróis guerreiros de Ilíada e A Odisseia.

Temos também a oportunidade de presenciar novas passagens que nunca foram retratadas em outras histórias da mitologia como o encontro de Circe com o Minotauro ou como ela conheceu Dédalo, outro importante personagem da mitologia grega.

O livro confere profundidade a Circe, desmistificando sua tirania – tão arraigada na cultura ocidental.  Que livro! Que personagem! Valeu muito a leitura.

 

25 agosto 2023

Livros que retratam a vida e as aventuras de seis heróis e divindades da mitologia grega

Não é novidade para todos aqueles que acompanham o blog que sou fã de carteirinha de mitologia grega. Não importa se filmes, documentários ou livros; tudo bem, confesso que prefiro os livros, mas o que cair na minha frente sobre o assunto, eu devoro (rs). Prova disso são os vários posts sobre o tema que vocês encontrarão no “Livros e Opinião”. 

No dia de ontem, conversando com Lulu, comentei que a maioria dos livros conhecidos do gênero são coletâneas de histórias sobre os mitos gregos. Prova disso são os excelentes O Livro de Ouro da Mitologia Grega de Thomas Bulfinch e As 100 Melhores Histórias da Mitologia de A.S. Franchini e Carmen Seganfredo. Quanto aos livros que optam por abordar as chamadas histórias “solo” de heróis e divindades gregas são poucos ou desconhecidos da maioria dos leitores. Por isso, na postagem de hoje resolvi indicar algumas obras sobre mitologia grega, mas com um diferencial: elas não formam uma coletânea de narrativas envolvendo vários heróis, divindades ou eventos. Estes livros são dedicados inteiramente à um único personagem e as suas façanhas ou tragédias, já que a maioria das histórias desses heróis ou divindades acabam em tragédia. Já repararam nisso?

Mas vamos ao que interessa. Espero que gostem dessas obras. No meu caso, li grande parte delas e gostei bastante. Anotem aí.

01 – Aquiles

Quando lemos Ilíada de Homero – em verso ou prosa, os dois primeiros heróis que vem a nossa mente são Aquiles e Ulisses. Sem dúvida, eles são os grandes protagonistas de a Guerra de Tróia e por isso merecem uma história só deles. Ulisses ganhou a sua pelas mãos do próprio Homero no clássico Odisséia, mas e quanto a Aquiles? Pois é, são poucos os livros sobre esse importante personagem da mitologia grega. Eles aparecem, geralmente nas coletâneas envolvendo outras histórias e heróis. Ainda me lembro que em 2011, nos primórdios do blog li um livro muito bom chamado Os Combates de Aquiles. 

A obra faz parte da coleção Histórias Sombrias da Mitologia Grega que como o próprio título diz aborda a vida de personagens da mitologia que tiveram uma vida um tanto sombria ou trágica. O outro livro foi lançado mais recentemente, em 2021, onde a escritora Madeline Miller – a mesma do elogiado Circe: Feiticeira. Bruxa. Entre o Castigo dos Deuses e o Amor dos Homens – faz uma releitura romanceada da vida do herói. Vamos às obras:

Livro 01: Histórias Sombrias da Mitologia Grega: Os Combates de Aquiles (Mano Gentil)

A obra escrita por Mano Gentil explica detalhadamente o episódio em que a mãe de Aquiles o mergulha, ainda recém-nascido, no fogo para torná-lo invulnerável, mas como ela o segurou pelo calcanhar, aquele ponto do corpo do menino deixou de ser banhado tornando-se vulnerável.

Após um minucioso trabalho de pesquisa, o autor conseguiu explorar um assunto que nunca vi ser tratado em outros livros sobre mitologia: os primeiros amores de Aquiles e como eles influenciaram a sua vida. O leitor vai descobrir também que o herói lutou outras batalhas, além de Tróia, tornando-se um guerreiro temido e respeitado.

À exemplo dos outros volumes da série, o livro Os Combates de Aquiles traz um glossário explicando vários termos encontrados na história, além de informações importantes sobre a origem do herói.

Li, quer dizer, destrinchei as 120 páginas sobre o mito Aquiles em apenas um dia.

Livro 02: A Canção de Aquiles (Madeline Miller)

Como já “disse” acima, o livro de Madeline Miller é mais recente, foi lançado há aproximadamente dois anos. A Canção de Aquiles é um romance LGBT onde a autora faz uma releitura os eventos antes, durante e depois da Guerra de Tróia com o foco direcionado para o relacionamento entre o guerreiro Aquiles e o seu fiel escudeiro Pátroclo. Podemos classificar o livro de Miller como uma releitura gay sobre a Guerra de Tróia.

A cada releitura de Ilíada - que seria seu objeto de estudo na faculdade, antes de se tornar escritora - Miller descobria detalhes que se perdiam nas traduções, mas nunca chegava à resposta para o que mais interessava a ela —se Aquiles e Pátroclo eram um casal. Em dúvida, ela decidiu escrever sua própria versão do poema de Homero, a quem é atribuída a autoria da Ilíada.

A visão de Miller é parecida com a do professor André Malta, da Universidade de São Paulo, que se especializou nos poemas de Homero. Como ele disse ao jornal Folha de S.Paulo em 2021: “A interpretação depende do leitor, mas os gregos os viam como um casal, principalmente em locais onde havia liberdade sexual, como Atenas. ​

Para evitar assincronias, Miller decidiu não alterar o que havia sido contado por Homero nem tentar criar paralelos com o mundo contemporâneo, como fez Rick Riordan com “Percy Jackson”. O que ela fez foi preencher lacunas que o poeta não havia explorado. Seu ponto de partida, portanto, não foi a Guerra de Troia, mas a infância e a adolescência dos personagens, quando eles se apaixonam.

02 – Ulisses

Se Aquiles foi músculo, Ulisses foi astúcia. Estas duas qualidades foram indispensáveis para os gregos vencerem os troianos numa guerra antológica que durou dez anos. 

Ulisses, ou Odisseu, foi e é um dos heróis mais cantados em todos os tempos. Imortalizada por Homero, sua trajetória pela história dos aqueus, desde a Guerra de Troia até sua longa volta a Ítaca e reecontro com a mulher Penélope, encanta e inspira poetas e prosadores, e todos aqueles que veem nesse personagem um relato do humano em profundidade e riqueza.

Foi dele a ideia de construir um cavalo de madeira para presentear o rei de Troia e, assim, selarem a paz, mas dentro desse cavalo estava guardada uma surpresa que significaria a derrocada dos troianos. Ou será que vocês não conhecem a famosa história do “cavalo de Tróia”?

À esse importante personagem da mitologia grega, Homero dedicou um poema em especial e que ficou conhecido como A Odisseia. O poema, a exemplo de Ilíada – que retrata os eventos da guerra entre gregos e troianos se tornou um clássico da literatura mundial. Nesta top list indico também a mesma A Odisseia, mas em prosa, além de uma duologia muito elogiada sobre o herói. Vamos lá.

Livro 01: A Odisseia (Homero)

Um dos principais poemas épicos da Grécia Antiga, a obra A Odisseia é a sequência de Ilíada e retrata o retorno do rei Ulisses ou Odisseu, que durante dez anos enfrentou perigos na terra e no mar até conseguir chegar ao reino de Ítaca. Herói da Guerra de Troia, Ulisses ficou preso em uma ilha durante anos, até finalmente partir com seus doze navios e homens, em uma espetacular jornada repleta de obstáculos, para encontrar a mulher Penélope e o filho Telêmaco. A batalha contra o Ciclope, o sedutor canto das sereias e a fúria de Netuno, deus dos mares, são alguns dos episódios fabulosos dessa obra, retratados em versos ao mesmo tempo dramáticos e poéticos. A Odisseia pode ser considerada a história do herói de mil estratagemas que tanto vagueou, depois de ter destruído a cidadela sagrada de Troia, que viu cidades e conheceu costumes de muitos homens e que no mar padeceu mil tormentos, enquanto lutava pela vida e pelo regresso dos seus companheiros.

Por ser um poema épico escrito no século VIII a.C., a linguagem rebuscada pode acabar dificultando um pouco a leitura, por isso o ideal é encontrar um livro com uma boa tradução e de preferência atualizada. A publicação da editora Penguin lançada em 2011 com tradução de Frederico Lourenço é muito elogiada pelos leitores. Há também uma publicação mais recente (2020) da editora Principis com texto integral. A editora não aponta quem fez a tradução, mas alguns comentários que li, reclamaram da linguagem erudita e muito difícil de compreender.

Livro 02: A Odisseia (Menelaos Stephanides)

Se você quer um texto simples em prosa que fuja do eruditismo do texto poético, a obra do escritor grego Menelaos Stephanides é a indicação perfeita. Trata-se de uma leitura leve e de fácil compreensão. Na minha opinião, tanto Ilíada como A Odisseia escritos por Stephanides tem uma narrativa leve e sedutora feita exclusivamente para os leitores embarcarem na história e viajarem.

Stephanides é um historiador grego especialista na mitologia helênica. O autor conseguiu o feito de reescrever as histórias da mitologia grega de forma agradável e fiel aos textos da Antiguidade. A narrativa em prosa de Stephanides permite ao público se aventurar em uma primeira incursão na literatura clássica.

Livro 03: Duologia “Menu Nome é  Ninguém” (Valério Massimo Manfredi)

Os dois livros – O Juramento e O Regresso – que compõem a saga Meu Nome é Ninguém lançados pela editora Rocco em 2014 continuam recebendo rasgados elogios tanto da crítica quantos dos leitores. Fiquei tão interessado que acabei comprando a duologia. Os livros foram escritos na forma de romance numa narrativa fluida que prende os leitores da primeira à última página; pelo menos foi o que vi na maioria dos comentários nas redes sociais.

No primeiro volume chamado O Juramento, Valério Massimo Manfredi conta a história da infância e juventude de Odisseu, antes de se tornar rei de Ítaca e ter participado da Guerra de Troia. O autor mostra toda a trajetória do menino Odisseu: as viagens com o pai, passando pelo seu reinado; chegando às muralhas de Tróia; o casamento com sua amada Penélope; as suas esperanças, glorias e frustrações até sua brilhante participação na guerra onde teve a ideia de construir um cavalo de madeira que venceu os troianos, resultando no término do conflito.

No segundo volume, O Regresso, Manfredi narra as aventuras do herói em seu retorno à Ítaca enfrentando a ira dos deuses, além de inúmeros perigos. O herói e seus companheiros encaram façanhas pavorosas, provas sobre-humanas, inimigos extremamente insidiosos, tais como o ciclope Polifemo e os comedores de lótus, a feiticeira que transforma os homens em porcos, os monstros do Estreito, as Sereias de canto maravilhoso e assassino.

03 - Orfeu

Um dos mitos mais populares é o de Orfeu. Ele teria sido o mais talentoso dentre todos os músicos. Orfeu era filho da musa Calíope e, segundo alguns, do deus Apolo, que presenteou o filho com uma lira. Quando Orfeu a tocava, os pássaros paravam para escutar, os animais selvagens perdiam o medo e as árvores se curvavam para pegar os sons que o vento trazia. Orfeu se apaixonou pela bela Eurídice e se casaram. Ela era tão bonita que despertou o interesse de outro homem, Aristeu. Depois de recusar Aristeu, este passa, contudo, a persegui-la. Durante a fuga, Eurídice tropeça em uma serpente. O animal pica Eurídice - e, sob o efeito do veneno, a jovem morre. Desesperado e sofrendo, Orfeu foi até o mundo dos mortos com sua lira para tentar resgatar Eurídice. 

A partir daí começa a epopeia de Orfeu e Eurídice que logicamente não irei contar para não estragar a surpresa daqueles que ainda não conhecem esse mito.

Para os leitores que quiserem se inteirar sobre a história de Orfeu indico mais um livro da coleção Histórias Sombrias da Mitologia Grega.

Livro 01: Histórias Sombrias da Mitologia Grega: Orfeu, o encantador (Guy Gimenez)

Eu conhecia a história do mito Orfeu de forma superficial, mas o livro de Guy Jimenez pertencente à série Histórias Sombrias da Mitologia Grega me deu todos os subsídios necessários para se aprofundar na vida dramática do herói.

No livro ficamos sabendo que Orfeu, ainda menino, foi presenteado com uma lira pelos deuses. Desse instrumento, o pequeno Orfeu passou a tirar notas melodiosas e mágicas vindo a se transformar num músico célebre em todo mundo antigo. Tão famoso que chegou a ser convidado para integrar o “time” dos principais heróis gregos que embarcaram no navio Argos em busca do velocino de ouro na Cólquida. Estes heróis ficaram conhecidos na mitologia grega como os argonautas, tendo à frente o valente Jasão do qual “falarei” na sequência.

04 – Jasão

Meu primeiro contato com o herói da Tessália foi através do filme “Jasão e os Argonautas” de 1963. A partir desse clássico do cinema e também dos efeitos visuais da época, Jasão passou a ser um dos meus personagens favoritos da mitologia grega. O filme é um clássico absoluto e marcou a minha infância nos anos 70. Os efeitos especiais em stop motion criados pelo “mago” Ray Harryhausen eram fodásticos e para ser sincero, continuam sendo fodástucos nos dias de hoje. Vale lembrar que naquela época ainda não existiam computadores. Quanto a Inteligência Artificial, bem... melhor nem pensar.  

Quando descobri que o escritor grego Menelaos Stephanides tinha publicado um livro sobre as aventuras de Jasão, não pensei duas vezes em compra-lo. Jasão e os Argonautas lançado em 2004 pela Odysseus é fantástico. Adorei e devorei a narrativa.

Livro 01: Jasão e os Argonautas (Menelaos Stephanides)

Trata-se de um livraço de apenas 172 páginas para serem devoradas numa tacada só. Enganam-se aqueles – geralmente, as pessoas que assistiram apenas ao filme – que a história de Jasão e os Argonautas é basicamente um livro de aventuras e só. As páginas finais da obra que retrata de maneira completa o relacionamento de Jasão e Medéia - a feiticeira que ajudou o herói a roubar o famoso velo de ouro na distante Cólquida, após enganar um feroz dragão, considerado o guardião do precioso tesouro –  obrigam o leitor a parar a leitura para tomar um fôlego. Stephanides narra em detalhes o plano diabólico da poderosa feiticeira que se apaixonou por Jasão mas acabou sem do traída pelo herói. 

Acredito que a história de Jasão e Medéia, juntamente com a dos argonautas é uma das mais trágicas da mitologia grega. E Stephanides expõe, sem nenhuma reserva, toda essa tragicidade aos seus leitores.

05 – Hércules

Foram publicados muitos livros sobre esse herói grego, incluindo Os 12 Trabalhos de Hercules de Monteiro Lobato e que marcou a infância de muitas pessoas. 

Uma prova da maneira como essa obra marcou a minha vida de leitor é que mesmo após cinco décadas ainda me lembro do meu encontro com os dois volumes de “Hércules” na biblioteca municipal da minha cidade; biblioteca que já mudou de lugar uma “pancada” de vezes. Tinha os meus 12 anos quando me encontrei com Hércules pela primeira vez; herói que foi apresentado para mim por ninguém menos que Monteiro Lobato. Por isso, não poderia deixar de incluir essa obra incrível na lista.

Livro 01: Os 12 Trabalhos de Hércules (Monteiro Lobato)

A obra foi publicada originalmente no ano de 1944 em dois volumes. Ao longo de décadas ganhou várias edições. Na narrativa de Lobato, após visitar a Grécia Antiga em O Minotauro, e testemunhar a morte da Hidra de Lerna, Pedrinho fica obcecado com Hércules e decide retornar com Emília e Visconde para presenciar os outros onze trabalhos do grande herói grego. Chegando à Neméia, o trio sobe em uma árvore para evitar o Leão da Nemeia, e vêem quando Hércules chega e falha nas tentativas de matar a fera com flechas e clava, já que o animal é invulnerável. Sabendo como a história termina, eles o ajudam, gritando "sufoque-o, senhor Hércules!", o que lhes rende a amizade do herói.

Através das viagens que os personagens do sítio empreendem com Hércules, Lobato não conta só os doze trabalhos, como também os principais e mais belos trechos da mitologia grega, em uma linguagem apropriada para crianças e com uma riqueza de detalhes raramente encontrada em outros livros, mesmo para adultos.

Livro 02: Hércules (Menelaos Stephanides)

Olha Menelaos Stephanides novamente aí. O escritor e historiador grego não se esqueceu do famoso herói grego e também dedicou um livro só para ele. 

A obra não é um romance onde o autor narra com tons dramáticos a vida de um herói, distorcendo a história com o intuito de dar fluidez a trama visando unicamente prender a atenção. Hércules na narrativa de Stephanides é um misto de biografia com coletânea de contos.

Neste livro, ele apresenta a vida de Hércules do contexto de seu nascimento até a sua morte, passando pelos seus famosos 12 trabalhos e outros momentos que o tornaram o herói mais popular da Grécia Antiga.

06 – Circe

Na mitologia grega, Circe foi considerada a feiticeira mais famosa de todas. 

Segundo os relatos mitológicos, ela dominava a alquimia e a produção de venenos e poções. No entanto, sua principal habilidade consistia em transformar seus alvos em animais, por meio de feitiçaria – a tripulação de Ulisses que o diga (rs).

Na Odisseia de Ulisses, Circe desponta como uma das principais personagens e obstáculos da jornada. Durante uma parada na ilha de Ea, onde a feiticeira construíra seu castelo, o herói enviou seus tripulantes para verificarem o terreno local. Durante o desembarque, eles acabaram sendo recebidos pelas feras de Circe – que, na verdade, eram homens enfeitiçados – e levados a seu palácio. A princípio, ela mostrou-se uma ótima anfitriã, oferecendo conforto e alimento aos homens. Durante a noite, eles foram transformados em porcos, mas ainda com suas consciências humanas.

Madeline Miller, a mesma de A Canção de Aquiles escreveu em 2019 um livro muito elogiado sobre essa feiticeira onde reconta a sua história. É essa obra que indicamos nessa lista.

Livro 01: Circe - Feiticeira. Bruxa. Entre o castigo dos deuses e o amor dos homens (Madeline Miller)


Madeline Miller inicia seu livro narrando o nascimento de Circe na casa do grande Hélio, divindade do Sol. Circe é uma garotinha estranha: não parece ter herdado uma fração sequer do enorme poder de seu pai, muito menos da beleza estonteante de sua mãe, a ninfa Perseis.

Deslocada entre deuses e seus pares, os titãs, Circe procura companhia no mundo dos homens, onde enfim descobre possuir o poder da feitiçaria, sendo capaz de transformar seus rivais em monstros e de aterrorizar os próprios deuses.

Sentindo-se ameaçado, Zeus decide bani-la a uma ilha deserta, onde Circe aprimora suas habilidades de bruxa, domando perigosas feras e cruzando caminho com as mais famosas figuras de toda a mitologia grega: o engenhoso Dédalo e Ícaro, seu filho imprudente, a sanguinária Medeia, o terrível Minotauro e, é claro, Odisseu.

Os leitores acompanham a sua saga de descoberta de poderes, seu exílio e como ela acaba se tornando muito melhor sozinha do que procurando a aprovação e companhia dos outros.

O livro é considerado um dos campeões do Tik Tok, além de ocupar os primeiros lugares na lista de obras mais vendidas na Amazon.

Taí galera amantes da mitologia grega, espero ter ajudado na seleção de algumas leituras.

Inté!

16 junho 2023

As Melhores Histórias da Mitologia Nórdica

Enroscou, enganchou, pegou de rosca, broxou; entenda como quiser, mas a verdade é que a leitura de As Melhores Histórias da Mitologia Nórdica de A.S. Framnchini e Carmen Seganfredo travou. Cara, não ia, não tinha jeito. Acho que nem foi culpa dos autores que, por sinal, escrevem muito bem, prova disso é o excelente As 100 Melhores Histórias da Mitologia. Na verdade, acho que os contos e personagens da mitologia nórdica ou escandinava não me atraíram da mesma forma que as histórias deliciosas e inebriantes da mitologia grega,

O livro de Franchini e Seganfredo é dividido em duas partes: na primeira, como o próprio título diz, os autores nos apresentam as “melhores” histórias da mitologia nórdica. Neste capítulo foram publicados 25 contos curtos que fazem parte dos mitos escandinavos. Na segunda parte, ao invés de mais contos, os autores optaram por uma versão romanceada da famosa ópera de Richard Wagner chamada “O Anel dos Nibelungos”.

Confesso que fui com muita sede ao pote. Como havia lido e amado dois livros fantásticos sobre mitologia grega - As 100 Melhores Histórias da Mitologia (A.S. Framnchini e Carmen Seganfredo) e O livrode ouro da mitologia: Histórias de deuses e heróis (Thomas Bulfinch) – fiquei empolgado para conhecer de perto alguma coisa sobre a mitologia nórdica. Imaginei que as histórias tivessem a mesma variedade de personagens e o mais importante: que esses personagens e suas sagas fossem tão interessantes quanto; mas, pelo menos para mim, não foi.

O primeiro obstáculo que encontrei na obra foram os poucos personagens que fazem parte do enredo. Quase todos os contos giram em torno de Odin, Thor e Loki. Quanto aos outros deuses nórdicos não passam de coadjuvantes ou pano de fundo para os enredos envolvendo a chamada “trindade nórdica” como aprendi a definir esses três deuses. Quando Tyr, Freyr, Balder, Frigga e outras divindades menores surgem em suas histórias solos, o enredo se torna ainda mais desinteressante. Ao passo que na mitologia grega temos uma infinidade de personagens carismáticos capazes de segurar um enredo sozinhos. Basta lembrarmos de Ulisses, Teseu, Perseu, Jasão, Aquiles, Hércules, Zeus, além de outros; sem contar as sereias, centauros, sátiros e por aí afora.

Aliás, nem precisamos de deuses e heróis do chamado primeiro escalão para proporcionar histórias interessantes. O contexto da mitologia grega é tão abrangente que podemos recorrer a heróis menos conhecidos para essa finalidade (como mostro aqui). Eles conseguem protagonizar enredos fantásticos.

O segundo obstáculo que surgiu na minha leitura foi a simplicidade das histórias, incluindo alguns finais bem... como posso ‘dizer’: “sem graça” ou simplório demais.

Por esses fatores, confesso, que não tive uma boa experiência com a primeira parte de As Melhores Histórias da Mitologia Nórdica. Quando percebia que a leitura travava apelava para uma leitura dinâmica o que significa “leitura rápida”; e assim foi indo até o final. Quando cheguei na segunda parte do livro, a versão romanceada de O Anel dos Nibelungos serviu para mudar o panorama. A história é muito interessante e foi um bálsamo que amenizou a leitura maçante dos contos nórdicos. O enredo tem elementos muito parecidos com O Senhor dos Anéis, aliás, algumas fontes literárias afirmam que J.R.R. Tolkien inspirou a construção de sua obra-prima na ópera de Wagner.

A famosa ópera – com elementos das mitologias nórdicas e escandinavas - que levou cerca de 26 anos para ser composta (de 1848 a 1874) é baseada na famosa e lendária canção de Nibelungo. Trata-se de uma jornada épica dividida em 4 atos (O ouro do Reno, A Valquíria, Siegfried e O Crepúsculo dos Deuses), com duração de quinze horas. O espetáculo é aclamado pela crítica especializada desde que foi tocado pela primeira vez (ainda incompleto) em 1869 em Munique. É uma das óperas mais importantes já compostas e uma das maiores contribuições para a história da música clássica.

Após ter concluído a leitura bateu em mim uma ponta de tristeza e um iceberg de decepção porque acabei descobrindo que Franchini e Seganfredo também lançaram um livro somente com a versão romanceada de O Anel dos Nibelungos. Pois é, se soubesse que os contos da mitologia nórdica fossem tão desinteressantes, teria comprado apenas a obra com a versão romanceada. Aliás, é o que recomendo a vocês.

Inté!

01 maio 2023

O Ragnarök e Thor despertaram o meu interesse pela mitologia nórdica

Aqueles que acompanham, já há algum tempo, o “Livros e Opinião” sabem o quanto sou fissurado em mitologia grega. Amo as aventuras daqueles heróis que cruzavam mares desconhecidos, enfrentando vários perigos ou simplesmente pelo prazer de participar de uma guerra sonhando com a conquista de um reino. Foi assim com Aquiles, Ulisses, Agamenon e tantos outros heróis em a Guerra de Troia como também foi assim com Jasão na busca pelo Velocino de Ouro.

Não há como ficar indiferente àquelas narrativas épicas, as quais contam com seres sobrenaturais, deuses e semideuses, que coexistem no mundo com os seres humanos. De modo geral, essas lendas foram o meio encontrado pelos gregos de explicarem fenômenos naturais. Definitivamente adoro mitologia grega e esse meu gosto fica evidente nas minhas estantes de livros onde tenho guardadas várias obras sobre o assunto.

Confesso que por outro lado não tinha o mesmo interesse pela mitologia nórdica, mas sabe como é né galera? De repente temos aquele estalo e pronto, passamos a gostar de algo que não gostávamos antes. Entonce... tive esse estalo e os dois responsáveis por essa mudança de... digamos, gosto, foi um evento cataclísmico e um deus da mitologia escandinava. Estou me referindo, respectivamente, ao Ragnarök e Thor. Na mitologia germânica, esse termo é utilizado para definir o fim do mundo que é causado por uma destruição dos cosmos e tudo que nele vive, incluindo os humanos e os deuses, por catástrofes ambientais e uma grande guerra. Em nórdico antigo (língua que os vikings falavam), a palavra “Ragnarök” significa “destino dos deuses”. Quanto a Thor, sempre gostei desse personagem. Tanto é verdade que durante a minha fase de leitor contumaz de histórias em quadrinhos tinha um “universo” de gibis do chamado “deus do trovão”. Além disso, ainda me lembro que nos meus tempos de criança não perdia por nada aqueles desenhos artesanais do Thor que passavam na televisão. As animações eram tão malfeitas que ficaram conhecidas como “desenhos desanimados” e não “animados”. Hoje, tempos depois, se tornaram cults. Desde aquela época, isso nos idos dos nos 60, sou fã de Thor. 

Recentemente li algumas coisas sobre o Ragnarök e descobri que está intimamente ligado a Thor, Loki, Odin e a destruição do famoso mjolnir, o poderoso martelo de Thor como aconteceu no terceiro filme da franquia do herói chamado “Thor: Ragnarok”.

O Ragnarok na mitologia nórdica

Estes eventos foram suficientes para que o meu interesse – acredito que a frase mais adequada seja a minha curiosidade – pela mitologia nórdica tenha despertado. Outro fator que contribuiu para isso foi a descoberta de que a ópera homônima do compositor alemão Richard Wagner chamada "Der Ring des Nibelungen" (O Anel dos Nibelungos) que também foi fonte de inspiração para J. R. R. Tolkien escrever a trilogia O Senhor dos Anéis (aqui, aqui e aqui), sua obra mais famosa, também faz parte das histórias que compõem a mitologia nórdica. Ainda me recordo o quanto ficava  encantado ao ler e ao mesmo tempo ver as gravuras de “O Anel dos Nibelungos” nas páginas da antológica enciclopédia O Trópico (ver aqui).

Portanto, foi um conjunto de fatores que contribuíram para o meu interesse pela mitologia escandinava. Pois bem, depois disso, só faltava encontrar um livro que abordasse o assunto de maneira descomplicada e sem aquelas explicações técnicas que enchem o saco. Resumindo: queria um livro que me fizesse viajar e não refletir. Um livro com as mesmas características de O Livro de Ouro da Mitologia Grega de Thomas Bulfing ou então As 100 MelhoresHistórias da Mitologia de A.S. Franchini e Carmen Seganfredo. Quanto a Bulfing não consegui encontrar nenhum livro seu, mas tive mais sorte com Seganfredo. Acabei descobrindo que essa autora, novamente com Franchini, havia escrito As Melhores Histórias da Mitologia Nórdica e com direito a uma versão romanceada de “O Anel dos Nibelungos”. Taí: nem pensei duas vezes e comprei o livro.

Pelo o que eu pude descobrir, a obra de Franchini e Seganfredo lançada em 2013 pela editora Artes e Ofícios reúne num único volume as principais lendas relativas à mitologia dos povos que habitaram nos tempos pré-cristãos os atuais países escandinavos (Noruega Suécia e Dinamarca) além da gélida Islândia.

Pela avaliação de alguns leitores que pude constatar, nestas histórias não faltam ação, romance e até a presença de uma insuspeita de uma veia cômica já que a maioria dos personagens transitam pelo grotesco numa profusão de gigantes, elfos e outros personagens míticos. Enfim, tudo o que eu estava procurando.

Pois é, tomara que eu goste.

Ah! Antes que me esqueça, comprei o livro num sebo virtual; muito mais barato. Aliás, uma diferença de preço exorbitante se compararmos com as livrarias virtuais.

Inté!

25 setembro 2021

As 100 Melhores Histórias da Mitologia – Deuses, heróis, monstros e guerras da tradição greco-romana


Como um grande fã de mitologia grega já li muitos livros do gênero, mas notei uma grande diferença em As 100 Melhores Histórias da Mitologia – Deuses, heróis, monstros e guerras da tradição greco-romana com os demais. Esta diferença está na abordagem de alguns mitos, ou seja, enquanto grande parte das obras que exploram o tema optam por narrar mitos de deuses, heróis ou de acontecimentos que ao longo dos anos se tornaram comuns e do conhecimento de todos os amantes da mitologia grega, o livro de A.S. Franchini e Carmen Seganfredo brinda os seus leitores com uma grande variedade de mitos pouco conhecidos, mas nem por isso menos interessantes.

Na minha opinião, essa linha de abordagem escolhida pelos autores deixou a obra muito mais interessante, muito mais atrativa, fugindo um pouco da mesmice de histórias tradicionais como “Jasão e o Velocino de Ouro”, “Os 12 Trabalhos de Hércules”, “A Guerra de Tróia”, “Odisséia”, “O Pomo da Discórdia”, “A Caixa de Pandora”, etc. Os autores vão mais além e exploram mitos como: “O Castigo de Eresictão”, “O Javali de Calidon”, “Titão e Aurora”, “Fedra e Hipólito”, Etéocles e Polinice”, “Creúsa e Ion”, além muitos, mas muitos outros. Estes mitos pouco lembrados em outras obras do gênero deixam a leitura mais interessante porque, como já disse escrevi no início saem da mesmice dos contos que já se tornaram do conhecimento de todos os leitores que são fãs da mitologia grega.

Outro ponto positivo do livro é o seu estilo narrativo que foge dos padrões tradicionais. Por exemplo, no capítulo “A Morte de Heitor”, Franchini e Seganfredo optaram por contar a história sob a perspectiva de dois mendigos que moram nos destroços de Tróia há vários anos. Eles relembram, então, como foi a morte de Heitor após o combate com Aquiles. Os sem tetos estabelecem um diálogo muito interessante relembrando um dos momentos mais icônicos da guerra entre gregos e troianos. A narrativa chama ainda mais a atenção quando descobrimos que os dois sem tetos participaram indiretamente desse combate quando há muitos anos, no auge da guerra, eles eram ajudantes – uma espécie de criados – de Aquiles e Príamo, esse último, rei de Tróia e pai de Heitor. Por esse detalhe, ficaram sabendo de muitas novidades que não aparecem em outros livros sobre o assunto.

Os autores também apresentam novos detalhes com relação aos mitos já conhecidos de “Teseu e o Minotauro”, “Jasão e o Velocino de Ouro”, “Hércules” e outros. Eles escolheram contar essas histórias não de um modo distanciado e acadêmico, mas como ocorria no início: como histórias de pessoas reais, de carne e osso, que realmente existiam. Resultado: as narrativas tornam-se hiper-interessantes e os leitores as devoram com prazer.

Vale lembrar que aquilo que hoje conhecemos por mitologia greco-romana começou como histórias mágicas e alegóricas que os antigos inventaram para, na falta da ciência, responder a algumas perguntas. Coisa do tipo: Como começou o universo? Como surgiram os homens? O que há no além-mar? Para onde vão as pessoas quando morrem? De onde surgiram os animais que habitam a terra? O que ocasiona os relâmpagos. As respostas para essas e outras questões foram sendo forjadas pela sabedoria popular, isto é, não foram obradas por um autor específico, mas nasceram espontânea e anonimamente da necessidade delas próprias e passaram de geração em geração em relatos flexíveis, que se modificaram e se modificam conforme as circunstâncias.

De tempos em tempos, um compilador decide fixa-las na forma que melhor lhe convém, daí porque hoje podemos encontrar tantas versões de cada mito. Mas, para mim, a forma de narrativa desses mitos, escolhida pela dupla de autores de As 100 Melhores Histórias da Mitologia foi a mais interessante até agora de todos os livros que li sobre o assunto.

Como diz o próprio título da obra, são 100 histórias diferentes que irão deliciar os leitores. Adorei todas elas e tenho certeza de que os fãs de mitologia grega também irão amá-las.

Boa leitura... boa viagem com os mitos narrados por A.S. Franchini e Carmen Seganfredo.




21 setembro 2021

Jasão e Medeia, uma história que me deixou com uma baita ressaca literária

Bastaram apenas poucas páginas do livro As 100 Melhores Histórias da Mitologia para provocar em mim uma baita ressaca literária, mas uma ressaca no bom sentido, do tipo: “Putz! Vai ser difícil esquecer essa história da maneira como foi narrada”. Estou me referindo ao mito de “Jasão e Medéia” que faz parte da coletânea selecionadas pelo autores A.S. Franchini e Carmen Seganfredo.

Já li esse mito várias vezes e cada vez, escrito de uma maneira diferente, mas sempre mantendo a sua essência, com cada autor organizando a narrativa a seu bel prazer. A grosso modo vejo o mito de Medeia como a receita de um prato especial onde os chefs de cozinha usam temperos diferentes. Com isso, os pratos mantem – como já disse – a sua essência, mas dependendo do tempero utilizado, alguns terão os seus sabores realçados e outros nem tanto. Agora, transfira tudo isso para o contexto literário e teremos no lugar de um prato delicioso, a história de Jasão e Medéia, e ao invés de chefs de cozinha, teremos os autores que organizam as publicações da história. E posso garantir que até agora, o prato mais saboroso foi o servido por Franchini e Seganfredo.

Os autores/organizadores não pouparam detalhes no conto. No meu caso, por exemplo, desconhecia algumas atitudes tomadas por Medeia como prova de seu amor por Jasão. E aqui cabe um spoiler: ‘para garantir sua fuga da Cólquida onde Jasão foi buscar ou melhor... roubar o velocino de ouro, Medeia chegou ao ponto de matar o seu irmão Apsirto e desmembrar todo o seu corpo, jogando os pedaços ao mar, sabendo que seu pai, Rei da Cólquida, ficaria devastado com a perda e pararia para coletar os restos do filho, garantindo-lhe um funeral adequado’. Desta forma, Medeia e Jasão conseguiram embarcar na nau Argos e fugir da Cólquida.

Medeia foi capaz de outras atrocidades para proteger o seu amado. Comparo essa famosa feiticeira da mitologia grega como uma leoa selvagem capaz de atacar qualquer um que ouse se aproximar ou fazer qualquer mal para a sua prole.

Franchini e Seganfredo narram outras duas atitudes digamos... pesadas de Medeia que afetaram diretamente a vida de outras pessoas que desejavam prejudicar Jasão das piores maneiras. A feiticeira acabou sendo mais esperta e como diz o ex-rubronegro Gerson: “Vapo”.  Resultado: mandou os conspiradores para o reino de Hades e Proserpina. ‘Entonce’, no decorrer da narrativa, a ganancia de Jasão vai florescendo e ele resolve meter o pé na b... de Medeia. Pior, abandona a mulher com os seus dois filhos e a coloca no olho da rua com uma mão na frente e outra atrás.

Franchini e Seganfredo narram a briga do casal detalhadamente, o que não vi em outros livros. A metamorfose de Jasão também é muito bem explicitada em As 100 Melhores Histórias da Mitologia. Num primeiro momento vemos um herói corajoso, decidido e honesto, um verdadeiro líder à ser respeitado, capaz de comandar outros heróis tão ou até mais famosos do que ele, entre os quais: Hércules, Teseu, Castor e Pólux, e outros. Depois, ao recuperar o velocino de ouro, vemos a sua metamorfose; aos poucos, ele vai se tornando mesquinho, ardiloso, traiçoeiro e o pior: covarde. Toda essa transformação também é mostrada detalhadamente pelos autores.

Medeia é uma personagem da mitologia grega, descrita extensivamente na peça Medea, de Eurípedes e no mito de Jasão e os Argonautas. Medeia era uma mortal filha do rei da Cólquida, e neta do deus do sol Hélio. Em diversos mitos Medeia é descrita como uma feiticeira, muitas vezes ligada à Hécate (deusa da bruxaria e das encruzilhadas).

Jasão e Medeia no filme "Jason and the Argonauts" de 1963

A história de Jasão e Medeia inicia-se com a chegada do herói a Cólquida, para obter o Velo ou Tosão de Ouro (a lã de ouro de um mitológico carneiro) necessário para sua volta ao trono da Tessália. Medeia apaixona-se por Jasão e promete ajudar-lhe, com a condição de que se ele obter o Velo de Ouro, a leve junto com ele, já que ela passará a ser vista como traidora de seu povo. Para que Jasão obtenha o poderoso Velo, ele teve de realizar várias tarefas consideradas mortais, mas graças a Medeia, ele consegue completar todas elas.

A personalidade vil de Jasão chega ao ápice quando ele confronta Medéia e tenta explicar-se, dizendo que vai se casar com a filha do rei de Corinto pois só assim conseguirá ser o mandatário supremo daquele reino. Por isso, Jasão não poderia deixar passar a oportunidade de se unir com uma princesa já que Medéia é apenas uma mulher bárbara e sem instrução. Dizendo isso, ele a expulsa de casa.

O fim de ambos é muito triste, principalmente o de Medeia e de seus dois filhos. Na minha opinião é uma das histórias mais melancólicas e dramáticas da mitologia grega porque além do “The End” trágico, o enredo mostra, aos poucos, a desconstrução moral de um grande herói, mais que isso, a desconstrução do amor.

No início vemos Jasão como o protótipo do herói perfeito com virtudes que todos nós sonhamos ter, mas aos poucos essa imagem se desfaz: O altruísmo cede lugar para a ambição e a honradez para a falsidade. Enfim, Jasão vai perdendo todas as suas qualidades morais até chegar ao fundo do poço, tornando-se um ébrio, esquecido por todos.

Quanto a história de amor vivida pelo herói e por Medeia também vai se metamorfoseando gradativamente. No início, vemos ambos completamente apaixonados, mas depois esse amor vai se degradando, convertendo-se num sentimento falso e até mesmo doentio.

Enfim, um conto tenso e dramático, mas que merece ser lido pelos amantes da mitologia grega.

 


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