Na minha opinião existem dois gêneros de ficção
científica: raiz e poético. O primeiro é representado por uma miscelânea de
naves espaciais, seres alienígenas, guerras interestelares, disputas por planetas,
poderosas armas laser, etc. Já o segundo, procura inserir num futuro bem
distante situações cotidianas vividas em nosso dia a dia, mas com pouca ou
quase nenhuma pirotecnia espacial, excetuando algumas poucas naves e foguetes.
“Guerra do Velho” (John Scalzi), “Tropas Estelares”
(Robert A. Heinlein) e “O Jogo do Exterminador” (Orson Scott Card) são exemplos
latentes de ficção raiz. Quanto ao poético, considero Ray Bradbury o seu
representante máximo; do tipo: “não tem prá mais ninguém”. O cara é fera.
Por isso, quando você ler qualquer enredo escrito por
Bradbury não espere muita ação, mas histórias para refletir sobre vários
problemas e situações que sempre afligiram os seres humanos ao longo de sua
história. Algumas dessas situações, inclusive, bem contemporâneas, apesar do
período em que foram escritas.
O próprio Bradbury dizia ser um “escritor de ideias”,
não de ficção científica, como ficou conhecido após criar sucessos como Crônicas Marcianas (1950), O Homem Ilustrado (1951), ou o romance Farenheit 451 (1953). Seu método
consistia em associar palavras a ponto de lhes dar uma história inteira, algo
assemelhado ao da poesia. Por isso que ficou conhecido no meio literário como o
“Poeta da Ficção Científica”.
Uma
Sombra Passou por Aqui ou O Homem Ilustrado é o exemplo mais claro desse gênero dentro da
ficção científica criado por Bradbury. As histórias, apesar dos discretos
foguetes e avanços científicos, parte de situações cotidianas do nosso dia a
dia e criam situações assustadoras e inquietantes. Várias delas, com certeza,
já enfrentadas por alguns de nós.
Cada história tem como ponto de partida uma das tatuagens que
cobrem todo o corpo de um homem conhecido apenas pelo apelido de o "homem
ilustrado". As tatuagens foram feitas por uma mulher do futuro, segundo
ele —, que vagueia de cidade em cidade. Quando alguém fixa o olhar numa delas,
as figuras se tornam animadas e ganham vida e, assim a história começa.
Os contos que mais despertaram o meu interesse foram
os seguintes;
A
Estepe Africana
No futuro, um casal percebe que um jogo virtual está
prejudicando os seus filhos que passam a maior parte do tempo dentro de um
quarto capaz de criar qualquer ambiente ilusório. As crianças adoram ficar numa
estepe africana cercada de leões. Quando os pais decidem acabar com essa
realidade virtual, as crianças não aceitam e partem para a vingança.
Caleidoscópio
Um grupo de astronautas é jogado no espaço após a
fuselagem do seu foguete se romper. Enquanto caem no espaço, eles procuram
refletir sobre a vida que levaram até agora, chegando a várias conclusões. Um
conto bem poético.
O
Outro Pé
Após serem muito humilhados e maltratados pelos
brancos, a maioria dos negros acabam migrando para o planeta Marte onde formam
uma grande colônia, bem desenvolvida. Certo dia, eles ficam sabendo que um
foguete da terra tripulados por brancos irá aterrissar em Marte. Então, os
negros preparam a sua vingança que há muito tempo estavam esperando. Conto que
explora as consequências do racismo.
O
Homem
Um grupo de viajantes espaciais da Terra chega a um
planeta que um dia antes havia recebido a visita de Jesus Cristo. O comandante
da nave tenta de todas as maneiras se encontrar com Jesus, não medindo as
consequências de seus atos. A história é uma verdadeira prova da genialidade de
Bradbury, capaz de transformar qualquer tema ou assunto numa história de ficção
científica.
A
Grande Chuva
No planeta Vênus recriado por Bradbury não para de
chover. Uma chuva forte e intermitente cai no planeta há séculos. Por isso foi
necessário a construção de vários prédios conhecidos por “Domos” para abrigar
os astronautas que desembarcam no planeta para certas missões. Problema: a
maioria desses domos foram destruídos por seres alienígenas. Dentro desse
panorama, um grupo de astronautas acaba ficando perdido no planeta e é obrigado
a enfrentar a terrível chuva. Agora, imagine o aguaceiro batendo direto na
cabeça desses viajantes. Alguns acabam enlouquecendo. Será que os sobreviventes
conseguirão chegar aos poucos Domos existentes?
O
Foguetista
Uma criança de 14 anos narra como ele e a mãe sentem
falta do seu pai, um piloto de foguete, que passa apenas poucos dias do ano ao
lado família. O restante de seu tempo, ele passa dentro de um foguete fazendo
viagens interplanetárias. O conto inspirou a criação da música “Rocket Man” do
cantor Elton John.
Os
Ígneos Balões
Mais um conto que explora o tema religião. Um grupo de
padres missionários segue para o planeta Marte com a missão de catequizar os
marcianos. Chegando por lá, a surpresa é grande, pois o que presenciam não é nada do que esperavam.
A
Raposa e a Floresta
A história se passa em 1938, no México, onde um casal
fugitivo passa a ser perseguido por um investigador que quer a qualquer custo
que a dupla retorne para o ano de 2155, de onde fugiram.
O
Visitante
No futuro, uma grave doença ataca os terráqueos e
ameaça dizimar o planeta. Por isso, todos as pessoas que apresentam sintomas
suspeitos são exiliadas para o planeta marte onde são obrigadas a viver na
solidão esperando a morte. Certo dia, eles recebem a visita de um rapaz –
também com suspeita da doença – que tem o poder de produzir neles vários
prazeres que tinham na Terra. O que era para ser um alívio para todos se
transforma numa guerra, quando os enfermos não aceitam dividir o rapaz
Marionetes
S.A.
Conto fantástico e com um final surpreendente. Um
marido infeliz no casamento e com uma mulher do tipo “marcação cerrada” que não
dá folga, decide deixa-la por uns tempos para visitar o Rio. Para isso, ele
deixa em seu lugar um robô com as suas características. É claro que as coisas
não saem como o planejado. Conto com pitadas de humor e que serve para refletir
sobre a fidelidade no matrimônio.
Taí galera, essas foram as histórias que mais me
agradaram em Uma Sombra Passou por Aqui, o que não significa que as outras
sejam ruins. Pelo contrário, todos os contos são muito bons e merecem ser
lidos.
Em tempo: o livro foi adaptado para o cinema em 1969,
mas o filme não obteve o sucesso esperado e recebeu muitas críticas negativas.
Por isso, melhor ficar com o livro.
Valeu!
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