Doutor Sono

19 março 2020

Demorei pouco mais de cinco anos para ler Doutor Sono de Stephen King e nesse intervalo de tempo, quase acabei desistindo. Já disse, aqui, no blog que detesto continuações de livros considerados clássicos, daqueles que são tão bons, mas tão bons que não merecem ser estragados com uma continuação. Eles tiveram um início-meio-fim tão perfeitos que devem ser colocados na galeria das obras antológicas e ficarem por alí, quietinhos.
Tivemos exemplos desastrosos de autores e co-autores que insistiram em prosseguir com um enredo que já estava fechado de forma brilhante e acabaram se dando muito mal. Entre tantas obras perfeitas que ficaram manchadas por culpa de uma sequência desastrosa estão O Chefão, E O Vento Levou e O Reversoda Medalha. As malfadadas continuidades A Volta do Poderoso Chefão, Scarlett e A Senhora do Jogo estão aí e não me deixam mentir.
Por isso quando King anunciou a sequencialização de O Iluminado – considerado por muitos leitores e críticos como a sua grande obra – juro que não me senti nem um pouco atraído. Afinal, já tinha devorado e amado O Iluminado e isso, já me bastava.
King foi muito feliz no fechamento de seu clássico, amarrando todos os fios que ainda estavam soltos. Um final que me satisfez. Então, vem o anuncio de que o autor iria contar a história de Danny Torrance, agora adulto. Confesso que ao ver a sinopse fornecida pela editora fiquei desinteressado, mas então vi o livro numa promoção e acabei comprando com o seguinte pensamento: “Vou ler as primeiras páginas, se perceber que o enredo original está sendo deturpado, paro de ler e pronto”.
Quer saber o que aconteceu? Acabei queimando a língua. Cara, o livro é muito bom! Dizer que é melhor do que O Iluminado seria um exagero, mas posso afirmar que a continuação da história de Dan Torrance está à altura do enredo original.
Ao escrever Doutor Sono, King criou uma história que não precisa usar O Iluminado como muletas. Doutor Sono é um outro livro, uma outra história, narrando a saga de Danny, agora adulto, depois do terrível acidente envolvendo o Overlook Hotel, ou seja, King não tenta mexer, mudar ou criar teorias e suposições no enredo de O Iluminado. O que ele escreveu em 1977 está sagrado e sacramentado. Não precisa mudar nada. O que ele faz em Doutor Sono, de forma magistral, é trazer novamente o personagem Dick Hallorann para uma breve participação, como mentor de um Danny ainda criança que após toda a muvuca no Overllok, ainda sofre com terríveis pesadelos envolvendo aquela ‘tchurma’ de fantasmas da pesada que moravam no sinistro hotel que voou para os ares após a explosão de uma caldeira. É muito bom ver a volta de Dick. Putz... e como é bom. Ele foi um dos personagens que mais curti em O Iluminado.
Dick aparece apenas nas oito páginas iniciais de Doutor Sono; depois só volta a ser mencionado no meio do livro. Mas a sua pequena aparição, como já disse, vale muito a pena.
King não perde tempo em encher linguiça com os eventos que aconteceram imediatamente depois da explosão do Overlook Hotel, mesmo porque tudo o que precisava ser dito já foi explicado nos últimos capítulos de O Iluminado. Nas oito páginas iniciais da obra, o autor já arremata a história do Danny “criança” Para mergulhar de cabeça no enredo do Danny “adulto”. Provando que é um dos melhores escritores do gênero nos últimos tempos, essas poucas páginas do capítulo chamado “O Cofre” terão uma estreita relação com os capítulos finais quando acontece o tão esperado embate envolvendo as forças do bem e do mal.
Posso garantir que o Dan “adulto” é tão complexo e interessante quanto o Dan “criança”.  Aliás, King conseguiu criar dois personagens – Danny e Abra – muito carismáticos, à sua maneira: Dan, um alcóolatra que luta para largar o vício e Abra, uma criança com um gênio de cão, mas ao mesmo tempo com um coração enorme. Acredito que a galera irá curtir os dois e torcer muito por eles.
Os acontecimentos de Doutor Sono rolam trinta anos depois da terrível experiência vivida por Danny no Overlook Hotel. King dá continuidade a essa história contando a vida de Dan, agora um homem de meia-idade, e Abra Stone, uma menina de doze anos com um grande poder. Seus destinos se cruzam com uma tribo chamada “Verdadeiro Nó”, que viaja em trailers pelas rodovias da América. Eles parecem inofensivos – em sua maioria idosos, com roupas fora de moda, vivendo como nômades. A líder da tribo se chama “Rose Cartola” por causa de uma misteriosa cartola que usa num ângulo sempre torto, a qual nunca cai. Ela tem grandes poderes telepáticos, a exemplo dos outros integrantes da misteriosa tribo.
Dan e Abra descobrem que o Verdadeiro Nó é um grupo quase imortal, que se alimenta do vapor exalado por crianças iluminadas quando são lentamente torturadas até a morte.
Apesar das suas mais de 480 páginas, li Doutor Sono em quatro dias por causa do seu enredo tenso que faz com que o leitor queira saber imediatamente o que irá acontecer com Dan ou Abra nas próximas páginas. Os capítulos finais, entonce...  a tensão passa a ser dobrada. O embate telepático entre as forças representando o bem e o mal é muito tenso, cara. O leitor fica com coração nas mãos.
Livraço!

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