Não que eu seja sanguessuga, mas pela segunda vez em
menos de um mês li um livro emprestado, novinho em folha, que caiu em minhas mãos
ainda dentro da embalagem. O seu dono – o mesmo amigo que já havia me
emprestado “Morri para Viver” – foi visitar a Bienal do Livro no Rio de Janeiro
e neste dia estava acontecendo o lançamento de “Thammy: Nadando Contra a Corrente”, a
biografia polêmica do ator e apresentador Thammy Miranda”, filho da cantora
Gretchen. Resumindo: ganhei o prazo de dois dias para ler o livro e entregá-lo ‘são
e salvo’ ao seu proprietário que estava com a sua lista de leitura bem
atrasadinha.
Li o livro e gostei. “Nadando Contra a Corrente” é
tão ou até mais polêmico do que “Morri para Viver” de Andressa Urach, mas com
uma diferença: os temas – alguns até pesados – são tratados sem aquela ‘veia’
de sensacionalismo, numa linguagem franca, mas ao meu tempo leve.
Thammy foi muito feliz ao escolher Márcia Zanelatto
para escrever a sua biografia. Não conheço o filho de Gretchen, mas ao lermos o
livro imaginamos um Thammy divertido, questionador e sem papas na língua,
abordando temas que tinham tudo para ser piegas e sensacionalistas, mas não
são. Não são por quê? Culpa (no bom
sentido) da linguagem utilizada por Zanelatto. Enquanto “Morri para Viver” é
denso e chocante de maneira escancarada; “Nadando Contra a Corrente” é denso e
chocante, mas de uma maneira natural, mais ou menos assim: “Levei essa
pancada da vida, mas tudo bem, vamos
levantar, sacudir a poeira e continuar tocando”; ao contrário daquele: “PQP!
Que tombo! Que decepção! Essas coisas só acontecem comigo! Assim não dá!”.
Capiche?
“Nadando Contra a Corrente” é uma represa sobre a
vida de Thammy com todas as comportas abertas.
Ele descreve detalhadamente o seu drama no momento
em que a mãe descobriu a sua sexualidade. Na época, o jovem tinha 16 anos,
acompanhava Gretchen em shows pelo Brasil e estava apaixonada por uma produtora
de televisão chamada Carla.
O trecho do livro em que Zanelatto revela como foi a
reação violenta da mãe de Thammy ao descobrir
o romance da – na época – filha é muito forte:
"Gretchen deixou descer pelas mãos toda sua
decepção, sua revolta. Sua mente estava turva, encharcada de decepção. Não
tinha recursos, não tinha mais palavra que dessem conta do que sentia. Restava
o gesto bruto. Pegou Thammy pelos cabelos e a atirou violentamente contra o
chão. A raiva era tanta que ela poderia ter feito pior; com dificuldade,
conseguiu se segurar. Mas nenhum tipo de agressão física poderia doer mais do
que a única frase inteira que Maria Odete conseguiu dizer: "Eu preferia
ter uma filha morta do que uma filha sapatão".
Se hoje, Gretchen aceita numa boa, a transformação
sexual da filha, no início, a relação entre as duas foi bem conflitante,
chegando a violência.
A mãe do artista e apresentador ainda aparece em
outros trechos da obra, como no capítulo onde Thammy conta o período em que
Gretchen se mudou para uma cidade do sertão de Pernambuco, após se casar com um
sujeito “manguaceiro das cadela” que mamava um álcool terrível. A cantora
estava numa fase decadente de sua carreira e se apresentava em clubes, além de fazer pequenos shows. O ‘manguaça’
agredia a cantora tanto física quanto verbalmente, além de proibi-la de fazer
as suas apresentações. Durante uma discussão, ele sacou uma arma e Thammy
partiu para cima do homem implorando para que ele não matasse sua mãe. Disse
que se Gretchen morresse, ela morreria junto. Thammy conseguiu impedir que uma
tragédia acontecesse na família e enfrentou com a mãe, grávida de gêmeos, e os
irmãos, uma viagem de ônibus de três dias com destino a São Paulo.
A percepção de estar em um corpo estranho também é
destacada na biografia desde a infância do artista, quando ela pediu para a avó
um Kichute, chuteira preta com travas, que fez sucesso entre os meninos nos
anos 80. Ela adorava jogar futebol, correr e brincar de carrinhos. Ainda
criança, a mãe a flagrou fazendo xixi em pé, mas pensou que a menina queria
apenas chamar a atenção, pois ela estava grávida do segundo filho.
A decisão de fazer a mastectomia também é abordada
em detalhes; além do momento de mais
intimidade que ela teve com um homem. A autora conta que “Thammy tinha 16 e foi
para um motel após uma festa à fantasia. O namorado estava fantasiado de Zorro.
Ele queria transar, mas aí ele demorou no banho para esperar ele dormir. Depois
foi a vez de ele entrar no banho e Thammy fingir que estava dormindo. Eles
ficaram naquela negociação para não ter penetração e não teve. Esse foi o
máximo que Thammy chegou com um homem”.
Além de sua intimidade
e do passado cheio de preconceitos, “Nadando Contra a Corrente” ainda traz uma
foto do artista nu onde mostra o peito após a retirada das mamas.
Enfim, galera; um livro
polêmico, mas sem sensacionalismo.
Valeu a leitura.
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