Você se lembra do incêndio do edifício Joelma? Com
certeza a resposta será: “Claro que sim!”. Mas se eu lhe perguntar sobre o
incêndio do Gran Circo Norte-Americano, você ficará “boiando” – como costumava
dizer o meu velho pai, o saudoso Kid Tourão.
Mas, se compararmos as proporções das duas
tragédias, o incêndio do circo que aconteceu em 17 de dezembro de 1961 em
Niterói, foi muito mais devastador.
Segundo dados oficiais, o Joelma teve 191 vítimas fatais, enquanto o Gran Circo
Norte-Americano computou, supostamente 503 mortes. Mas por que ‘supostamente’?
Cara, o incêndio foi tão demolidor, tão catastrófico, que após mais de meio
século, ninguém conseguiu apontar, exatamente, quantas pessoas perderam a
vida carbonizadas. Alguns estudiosos acreditam que esse número chegou a mil.
Há uma explicação para que esta tragédia tenha caído
no esquecimento através dos anos: a sua gravidade. O incêndio atingiu
proporções tão dantescas que o Rio de Janeiro – incluindo moradores,
autoridades e médicos que atenderam as vítimas naquela época – preferiram
apagá-lo de suas memórias, de suas vidas. Tanto é, que poucos cariocas gostam
de falar sobre o assunto. E esta foi uma das barreiras encontradas pelo autor
fluminense, Mauro Ventura para escrever o seu livro. Mas após um exaustivo e
minucioso trabalho investigativo, ele conseguiu desenterrar informações
preciosas sobre o incêndio.
“O Espetáculo Mais Triste da Terra” foi um dos
livros jornalísticos mais esclarecedores
que já li em toda a minha vida: uma obra completa. Ventura explorou todos os
ângulos da catástrofe que paralisou o País há 54 anos. Mesmo sem o advento da
internet e nem mesmo dispondo da facilidade do DDD (Discagem Direta a
Distância) – a Embratel só surgiria em 1965 – o incêndio do Gran Circo
Norte-Americano causou comoção em praticamente todo o mundo, mobilizando
médicos, artistas e voluntários de vários países, logo após a tragédia.
Após entrevistar médicos e sobreviventes, o autor conta
detalhadamente como ocorreu o incêndio. A sessão do circo chegava ao fim quando
se ouviu o grito de “Fogo!”. Na hora em que a trapezista Antonieta Stevanovich
deu o alerta, mais de três mil pessoas, a maioria crianças, lotavam a matinê do
dia 17 de dezembro de 1961, em Niterói, então capital do estado do Rio.
Bastaram menos de dez minutos para que Niterói nunca
mais fosse a mesma.
Ventura reconstitui em detalhes o drama das pessoas
que enfrentaram um verdadeiro inferno naquele dia. Um fato funesto que ajudou a
projetar o nome do cirurgião plástico Ivo Pintanguy e que contribuiu para
desenvolver a cirurgia plástica no Brasil.
Devido a franqueza do autor - que não esconde nada, ‘derramando’
na mesa, sem meias palavras, todo o resultado de toda a sua pesquisa - o livro chega
a ter trechos chocantes e que impressionam o leitor, como por exemplo o momento
em que ele revela que o número de vítimas era tão grande que chegavam a ser
transportadas em caminhões: mortos e agonizantes lado a lado, já que não dava
para identificar os mortos dos vivos.
Outra passagem forte é o capítulo em que Ventura
reconstitui o exato momento do acidente. Cara, é como se você estivesse ali, no
meio daquelas três mil pessoas. “Crianças, adultos e velhos foram atropelados e
pisoteados quando tentavam escapar. O perigo também vinha do alto. À medida que
as chamas avançavam pela cobertura, davam origem a uma chuva de gotas
incandescentes, que atingiam corpos e cabeças”.
Um suspeito pelo incêndio logo foi detido, mas sua
prisão dividiu o País: seria Dequinha o verdadeiro culpado ou um exibicionista
que tinha mania de assumir crimes que não havia cometido? Para uns, ele era o
mais terrível genocida de que até hoje se tem notícia no Brasil; para outros, o
bode expiatório ideal para dar satisfações rápidas à sociedade.
Juro que as falhas da polícia carioca no caso me
deixaram boquiaberto. Teve situações hilárias que mais se pareciam com os quadros
do humorístico Zorra Total, entre os quais a ‘brilhante’ tática de disfarce adotada
pelos policiais para evitar o linchamento de Dequinha pelas pessoas insandecidas
que cercavam o prédio da delegacia. Pois é, os ‘experts’ decidiram criar um
disfarce de PM para o suposto assassino com direito a quepe, farda e outros
apetrechos. Tudo estaria nos ‘trinques’ se os investigadores não tivessem se
esquecido dos sapatos ou coturnos. Iimagine você vendo um oficial da polícia
muito bem trajado, mas descalço!
Quer mais? Ok, lá vai. Quando a viatura da polícia
estava conduzindo Dequinha para um lugar secreto – executando várias manobras
para despistar o grande número de curiosos – tentando ser a mais discreta
possível - o motorista se esqueceu de um detalhe. Desligar sirene!!
Enfim, um livro sem segredo e que estará desnudando
todo o mistério que envolveu o incêndio do Gran Circo Norte-Americano.
Confiram abaixo algumas passagens bem fortes de “O
Espetáculo Mais Triste da Terra” que selecionei após a leitura. Trechos que
deixam mais do que evidente a dimensão daquela tragédia.
“O governador do Rio, Celso Peçanha, convocou os serviços de
todos os marceneiros e carpinteiros para a fabricação urgente de caixões no
estádio Caio Martins. A quadra ficou
lotada. Mal os esquifes eram finalizados, seguiam levados por outros voluntários.
O barulho das marteladas na madeira foi ouvido a noite toda pela cidade.
Ninguém cobrou nada pelo trabalho. No total, governo e prefeitura mandaram
construir 400 caixões”.
“O fogo teve início a cerca de vinte metros da entrada, do lado
esquerdo. Veio de baixo, a menos de três metros do chão, mas lambeu a lona com
tamanha rapidez que, ao ser visto, não pode mais ser contido. As labareda
avançaram com uma fúria inconcebível num espaço que até pouco antes era
dominado pela alegria das crianças.”
“No início, vinham uma, duas, três, no máximo quatro vítimas por
veículo. Logo depois, já paravam na porta do hospital caminhões com feridos
empilhados”.
Enfim galera, é isso aí. Em alguns momentos me
coloquei no lugar daquelas famílias e percebi que estava com os olhos úmidos.
Leitura obrigatória para aqueles que querem saber
todos os detalhes da maior tragédia que o nosso país enfrentou nas últimas
cinco décadas.
Inté!
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