Cinco situações distintas que vivi por causa de cinco livro especiais

19 março 2022

De vez em quando e esse quando pode ter um espaço de muitos dias – ou talvez, meses e até trimestres -, tenho os meus insights. Às vezes estou trabalhando ou relaxando e então, de repente: pimba! Lá vem aquela iluminação, aquele estalo, e assim, me vejo como um personagem de gibi ou desenho animado com uma lâmpada acesa sobre a cabeça.

Este post que vocês estão lendo agora, surgiu durante um desses insight que tive. A galera que acompanha o blog já sabe que sou um grande devorador de livros e só quem é um devorador de verdade para entender as loucuras que fazemos pelas nossas “pérolas”. Se Gollum da saga O Senhor dos Anéis (confira resenha da saga aqui, aqui, aqui e também aqui) tinha um anel como o seu “precioso”, nós os ‘papa-livros’ temos as obras literárias. E, com certeza, já tivemos atitudes “insanas” que deixaram evidente o nosso amor pelos ‘nossos preciosos’.

No post de hoje, graças a esse insight maluco, resolvi narrar algumas situações engraçadas e outras nem tanto que enfrentei por causa do meu amor pelos livros. Vamos a elas!

01 – O livro esquecido no trabalho

Tenho o hábito de ler no meu serviço durante a hora do almoço, por isso é praxe durante esse período, sacar o ‘meu precioso’ da pasta e ler alguns trechos da narrativa. Apesar desse fato ter ocorrido há aproximadamente dez anos, ele ainda está vivo em minha memória. 

Lembro como se fosse ontem... Estava devorando Excalibur o último livro da trilogia As Crônicas de Artur de Bernartd Cornwell. A história estava me prendendo de uma tal maneira que eu acabava levando o livro para todo lugar que eu fosse, inclusive no meu trabalho.

Acontece que após um dia dantesco e estressante onde tudo deu errado no serviço, sem contar as reuniões marcadas de última hora e com capacidade para irritar o mais calmo dos mortais, fui embora e acabei esquecendo “Excalibur” na sala de redação. Ao chegar em casa debaixo de um aguaceiro e todo molhado, tomei um banho e sai com Lulu; fomos num aniversário. Quando retornamos para casa já era bem tarde da noite. Pois é, estava deitado na cama – sempre leio antes de dormir – e pimba!!! Me lembrei do livro! Cara, não podia dormir sem antes ler um dos capítulos mais bombásticos de Excalibur: a “Batalha de Mynyd Baddon” que rola no meio da história.

Se deixei para o dia seguinte e fui dormir? Nada disso. Fui na empresa onde trabalho buscar o livro. Antes passei na casa de um dos meus editores, o Zé Luís, acordei o sujeito e pedi que ele me emprestasse a chave da redação para buscar a minha Excalibur (rs). Foi quando ele me disse: “Jam, são quase meia noite e você me acorda por causa de um livro?!”

Pois é, depois da bronca, peguei o livro, cheguei em casa mais de meia noite e meia e vibrei com a “Batalha de Mynyd Baddon até 1H30 da madruga.

Acho que quem não gostou nem um pouco disso tudo foi o Zé Luiz, um dos meus editores mais rigorosos e com fama de “mau” (rs).

Taí pessoal, o que não enfrentamos por um bom livro.

02 – O golpe que dei numa vendedora de livros e também na minha mãe.

Nós, devoradores de livros, fazemos cada coisa maluca para conseguirmos uma obra que sonhamos, não é mesmo? Prova disso, foi uma situação que rolou em minha infância.

Quando era criança, um dos meus sonhos de consumo era ter uma coleção de oito livros de Monteiro Lobato com as aventuras contagiantes de Emília, Pedrinho, Narizinho, Visconde de Sabugosa, Dona Benta e Cia, lançada, em capa dura, nos anos 70 pela editora Brasiliense.

Desejava tanto essa coleção, mas tanto, que cheguei a dar o golpe do baú – e diga-se de passagem, muito bem dado – numa vendedora ambulante de livros e pasmem... em minha própria mãe!

Assim, quando a vendedora apareceu, há décadas e décadas atrás, na casa de meus pais, o então moleque de calças curtas e kichute, aqui – soltou o ‘mentirasso’: “Pôxa vida! Que coincidência, minha mãe estava louca pra comprar essa coleção! Daria pra senhora retornar ainda hoje? Com certeza, mamãe vai comprar.” Ehehehe... Na verdade, a pobre da minha mãe não estava sabendo, absolutamente nada. Mas depois que ela chegou em casa, acabei convencendo-a e mamãe acabou me presenteando com os oito livros da Coleção Monteiro Lobato.

Cara! Não dá para descrever o êxtase que senti quando a vendedora ambulante que trabalhava para a editora Brasiliense disse para a minha saudosa mãe que tinha a coleção para pronta entrega. Uhauuuuu!!! Mêu! Jamais vou esquecer aquele momento! Lembro-me que fiquei um bom tempo longe das peripécias com a minha tchurma de amigos. Jogos de futebol? Paqueras na praça? Matinês no cinema da cidade? Que nada! O meu passatempo preferido passou a ser devorar as aventuras maravilhosas da turma do Sítio do Pica-Pau Amarelo contidas nas páginas dos oito volumes ilustrados da Coleção Monteiro Lobato.

Uma coleção que ganhei graças ao ‘golpaço’ dado numa vendedora de livros ambulante e em minha mãe.

Que vergonha...  mas valeu a pena (rs)

03 – Lendo Harold Robbins escondido

Ok, eu respondo o motivo de estar lendo Harold Robbins escondido. Simples: eu tinha apenas 11 anos e os meus pais eram muito severos. Mais? O livro que estava lendo se chamava Os Libertinos. E para completar a ‘desgrameira’, a capa do livro matava a pau, trazendo um homem tirando a gravata encarando uma mulher, de costas, nua da cintura para cima, aparecendo uma parte do bumbum e numa pose sensual, do tipo: “E aí, Tigrão, vamos começar? (rs).

Cara, agora, imagine eu, aos 11 anos, no início dos anos 70, lendo esse troço aí, com a capa à mostra, e deitado despreocupadamente no sofá da casa dos meus velhos.

Para que entendermos melhor a gravidade dessa situação imaginária, até certo ponto cômica, devemos levar em conta que apesar da revolução sexual que o mundo vivia no começo da década de 1970, os costumes de muitos dos nossos antepassados, a forma como eles lidavam com o próprio corpo e a sexualidade, eram bem diferentes. Assim, se os meus pais, principalmente minha mãe, me visse degustando Os Libertinos, a recepção por parte deles não seria tão boa. Mas... o que eu poderia fazer. Cara, naquela época eu adorava os livros de Robbins.

Dessa maneira, só sobrava uma opção: ler escondido. Aproveitava qualquer momento, por menor que fosse, para devorar a narrativa. Minha mãe ia tomar banho? Como sabia que o seu banho era demorado, lá ia eu me encontrar com Os Libertinos. Minha mãe ia até a feira? Novamente, lá ia eu devorar a história. Enfim, cada situação gerava uma oportunidade. Quanto ao meu pai, sem problemas, estava trabalhando e só chegava no final da tarde.

As minhas peripécias por causa de Harold Robbins iam mais além, como por exemplo, quando leva Os Libertinos para ler na escola correndo o risco de ser pego em flagrante pela bibliotecária hiper puritana

Caraca! Quantos risco corri, em minha infância, por causa desse tal Robbins e os seus libertinos.

04 – A ira por causa do zóinho

“Apaga essa merd... de zóinho!!”; “esse cara não se toca!”; “vai lá, toma o livro dele!”; Só podia ser o Jam! Se toca meu!”. 

Pois é galera, aguentei todos esses gritos e provocações por causa do Cinemin. Tudo bem que não se tratava de um livro, mas de uma revista especializada em informações sobre cinema, mesmo assim eu adorava os assuntos abordados pela publicação.

Nos anos 80 quando cursava jornalismo na antiga Fundação Educacional de Bauru – hoje, Unesp – encarava todos os dias o buzão de estudantes. Haviam três ônibus que transportavam os estudantes da minha cidade para Bauru. O buzão em que eu viajava era o mais comportado dos três. Confesso que tinham alguns estudantes bem chatos; do tipo não falo com ninguém e não quero que falem comigo. Na volta, à noite, 99,95% queriam que as luzes do corredor, incluindo os ‘zoinhos’ de leitura, ficassem apagados para que eles dormissem.

Nesta época, havia ganho vários números da Cinemim. O Marcos, um colega que fazia algumas matéria na minha turma, me deu o presente. Fiquei eufórico e não via a hora de começar a ler as revistas. Quer saber? A vontade enorme de começar a degustar os assuntos sobre cinema era tanta que nem esperei chegar em casa. Comecei a lê-las na volta para casa, mesmo sabendo que iria encontrar pela frente um mar em fúria de estudantes que não admitiam um único zoinho acesso no corredor do ônibus.

Aguentei calado as reclamações iradas, mas li. Além do mais, estava tão compenetrado nos assuntos explorados por Cinemin que nem ouvia os protestos.

A saudosa Cinemin, publicada entre novembro de 1982 e outubro de 1993, foi pioneira no gênero, o melhor conteúdo já escrito sobre o tema no Brasil até hoje. A revista abordava todos os gêneros e épocas, com o mesmo cuidado e dedicação, com coberturas impressionantemente detalhadas de cerimônias de premiação e festivais, dos mais badalados aos menos conhecidos. Eu ouso dizer que foi a melhor publicação sobre cinema no mundo.

05 – O médico que adorou o Mundo de Lore

Morro de medo de cirurgias. Tenho pavor de ser carregado em macas; de ver aqueles azulejos brancos e aquelas luzes terrivelmente brilhantes, aquele instrumental cirúrgico esperando para dissecar parte do meu corpo. Brrrrrrr!!!! Enfim, mijo e gag...de medo de todo esse clima, por mais simples que seja a cirurgia. 

Mas, em junho de 2019, antes da pandemia de coronavírus, fui obrigado a encarar uma cirurgia de fístula perianal. Dias antes da cirurgia tinha acabado de receber pelo correio: O Mundo de Lore – Criaturas Estranhas que havia comprado pela Internet. O livro foi o meu companheiro de quarto e também me fez viver dois momentos inusitados.

No primeiro deles, já dentro do hospital, ao subir para o quarto percebi que um médico bateu o olho na capa do meu livro com um jeito meio suspeito. Então, já pensei comigo: “Pronto, lá vem censura pra cima do Lore”. Acho que ele não foi com a cara da caveira tentando escalar um túmulo na capa do livro”. Então o profissional – sabia que era médico por causa do seu crachá que indicava a sua especialidade: neurocirurgião – me perguntou:

- Está lendo O Mundo de Lore? O que achou?

Galera, verdade, ele me perguntou isso mesmo, na lata! Fiquei meio impactado porque não o conhecia.

- Tô gostando, mas ainda não terminei. – respondi

- Já chegou na parte do Jack dos Saltos de Mola? – perguntou o médico. Fiz que não com a cabeça.

- Na minha opinião é um dos melhores capítulos do livro. Boa leitura. - Dizendo isso, virou as costas e foi embora.

O segundo momento inusitado aconteceu logo após a cirurgia. Meu irmão que havia substituído Lulu como acompanhante de quarto, me disse que a minha noite de sono – depois que voltei da sala de recuperação - foi muito agitada por causa do efeito da anestesia. Não falava ‘coisa com coisa’ e para variar dei um grito meio escabroso - assim, do nada – no meio da noite. Quando a enfermeira entrou no quarto para ver o que tinha acontecido e viu o livro na cabeceira da cama, olhou com uma expressão séria e ao mesmo tempo reprovadora para o meu irmão e disse: “Ele não devia estar lendo essas coisas” – como se aquela caveirinha da capa escalando a sua sepultura, ansiosa para dar um oi para os visitantes de seu túmulo, fosse a responsável pelo meu grito de horror ou desespero. Um grito que nem lembro de ter dado.

Pois é, O Mundo de Lore – Criaturas Estranhas foi um amigão nesse período em que fiquei internado. Um amigão que causou rebuliço no ambiente hospitalar (rs).

Inté galera!

2 comentários

  1. Esse é um exemplo do porque eu adoro seus posts, sempre me fazendo pensar sobre minhas relações com a leitura a partir de suas próprias divagações. Eu tenho várias histórias assim com meus livros favoritos, nunca tinha pensando em colocar em palavras essas situações, esse amor pelos livros ultrapassa a história impressa em si e abrange todo o contexto que existe por trás de como chegamos até aquele livro ou por acontecimentos durante a leitura. Eu lembro de Os Livros de Bachman na adolescência, na época eu convenci minha mãe a ir comigo para a cidade vizinha para me cadastrar na biblioteca pública de lá, não sabia da raridade do livro, mas só de ter encontrado um novo livro de Stephen King eu estava muito animado. Eu li o prefácio do King na rodoviária e é um daqueles momentos de alegria, excitação com a leitura de algo novo que poucas vezes vivenciei depois. Histórias de peregrinações a sebos distantes, encontrar um livro empoeirado perdido na estante da biblioteca, como foi o caso de Os Meninos de Juan José Plans, e se surpreender com o achado, aquela promoção imperdível. Se tiver sua benção e aprovação pretendo fazer um post semelhante no meu blog.

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    1. Olá Rafa! Desculpe a demora em responder, o trabalho por aqui está muito trash. Como postei no Twitter, também gosto muito de suas postagens. Tenho o "Biblioteca do Terror" como referencia quando vou pesquisar obras literárias do gênero. Quanto a escrever uma postagem semelhante em seu blog, fique a vontade. Já está aprovado e abençoado (rsssss). Me avise quando publicar, gostaria muito de ler.
      Grande abraço!!

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