Já pararam para pensar nos anjos da guarda literários
de sua vida? Pera aí; vou ser mais específico: naquelas pessoas que durante a
sua infância ou adolescência fizeram alguma coisa, sei lá... tiveram atitudes
preponderantes que despertassem em você o prazer pelo hábito pela leitura?
Esses anjos não só criaram esse hábito maravilhoso como também continuaram
regando essa vontade durante a sua infância e adolescência. Graças a eles, hoje,
você se tornou um verdadeiro devorador de livros, de histórias com capacidade
de transportá-lo para reinos distantes com princesas, reis e rainhas ou então,
coloca-lo no meio de tramas instigantes com detetives e serial killers se
degladiando para descobir qual deles é o mais inteligente. Esses anjos
literários também deram a você o poder de invadir a intimidade de lendas vivas
ou já falecidas da cultura pop mundial através de suas biografias, como se você
estivesse bem alí, ao lado delas, conversando com esse mitos.
No post de hoje quero escrever sobre os meus anjos
literários e como eles criaram em mim o hábito pela leitura, não se esquecendo
também, daqueles anjos que depois continuaram regando e enxertando esse hábito.
A ideia desse texto nasceu durante a semana passada quando eu estava
conversando com Lulu sobre como nos tornamos “leitores de carteirinha”. E
então, fomos lembrando das pessoas que criaram em nós esse hábito e também
sobre as “armas” que elas utilizaram para isso.
Com certeza, cada um de vocês que acompanha esse post também
teve um anjo ou vários anjos parecidos. E lá vou eu, novamente, com as minhas
divagações (rs).
01
– Minha mãe
Método
utilizado: Visitas suspeitas à Biblioteca Pública Municipal
O meu primeiro e mais importante anjo literário foi a
minha saudosa e querida mãe. Ah! dona Lázara... que saudades me bateu agora de
suas atitudes que acabaram criando nesse “menino”, aqui, um amor incomensurável
pelos livros. Obrigaduuuuuuuu minha mãe!
Uma das recordações que jamais iriei esquecer é a imagem
dela me buscando na escola primária. Antes de me levar para casa, mamãe fazia
questão de toda a semana dar uma passadinha comigo até a Biblioteca Pública
Municipal. Ela fazia isso com a desculpa de que iria conversar um pouco com a
sua amiga que era bibliotecária.
Quando chegávamos por lá, antes ficar papeando com a amiga,
ela me levava para o setor de literatura infantil e dizia para que eu
escolhesse alguns livros para ler. Depois colocava os livros sobre a mesa, ficava
um pouquinho comigo, e ia colocar as “histórias da cidade” em dia com a amiga
bibliotecária.
Foi ali que tive o meu primeiro contato com o mundo
mágico do Sitio do Pica pau Amarelo e de seus personagens. As ilustrações dos
livros de Monteiro Lobato me encantavam tanto que eu queria saber mais e mais
sobre aquelas imagens que eu estava vendo e então, começava a ler as histórias
referentes aquelas ilustrações. E assim, as letrinhas, antes, tão sem
interesse, passaram a ganhar tanta importância quanto as ilustrações.
Depois de muitos anos, descobri que essas idas de
minha mãe à biblioteca para “fofocar” (rs) com a sua amiga, na realidade, não
passavam de um pretexto para que eu criasse o hábito pela leitura. Quem me
revelou o segredo foi a própria bibliotecária, pouco tempo depois da morte de
mamãe. Há muitos anos, após ter sido dispensada do cargo, ela havia se tornado manicure
domiciliar. Certo dia em casa, enquanto fazia as mãos de Lulu, ela acabou
revelando esse segredo. Confesso que os meus olhos ficaram úmidos; úmidos de
emoção, de saudades e principalmente de gratidão à dona Lázara, o meu primeiro
anjo literário.
02
– Dona Cecília, minha professora do primário
Método
utilizado: Uma história interessante interrompida
Na mesma época em que a dona Lázara fazia as suas
visitas suspeitas à Biblioteca Pública Municipal, a minha professora do curso
Primário, dona Cecília, “mexia o doce” do outro lado (rs). Sei não se as duas
não estavam de tramoia (Ehehehehe). Dona Cecília era um amor de pessoa. Fiquei
muito triste com a sua partida em definitivo. Era o tipo de professora que
estimulava a leitura em seus pequenos alunos.
Ela utilizava uma tática infalível que viciava (no bom
sentido, claro) todos nós. Antes de cada aula, ela contava uma história, mas só
início dessa história, encerrando a narrativa na parte mais interessante,
deixando todos nós curiosos para saber o final. Depois, dizia que aqueles
alunos que quisessem saber o que tinha acontecido com determinado personagem ou
deveria procura-la no final da aula.
Então, quando à procurávamos, sedentos para que ela
nos contasse o desfecho da história, ela simplesmente nos entregava um livro
bem fininho e nos dizia: “Se quiserem saber o que aconteceu com fulano, fulana
ou ciclano, leiam aqui e irão descobrir”. Em seguida, com aquele seu jeito de
vovó matrona, entregava um livro já com a marcação de leitura na narrativa, a
partir do ponto que ela havia parado de nos contar. E o melhor: o tal livrinho
com a história que havia nos conquistado ficava conosco; era presente.
Acredita! Cara, que educadora!
Nem todas as crianças se interessavam pela leitura das
histórias. Elas até ouviam, mas quando lhes falavam que elas tinham de ler,
huuummm!! O caldo engrossava (rs). No meu caso, sempre me interessei e assim,
saía feliz da vida com o famoso livrinho, presente da minha professora do
Primário. Foi assim que conheci “A Horta do Juquinha”, “O Mágico de Oz”, “Peter
Pan”, os incríveis personagens criados pelos Irmãos Grimm e tantos outros.
03
- As três bibliotecárias
Método
utilizado: Elogios literários e indicação de livros
Estes três “anjos da guarda literários” também tem um lugar
especial no meu coração, pois foram responsáveis por regar a semente que minha
mãe e minha professora primária haviam plantado em mim. Uma semente que
representa o gosto pelos livros e que foi germinando até se transformar numa
arvore frondosa e resistente ao tempo.
Saudades das minhas três bibliotecárias preferidas.
Duas delas já morreram: Alice Tuma, a dona Alice; e Cida Repas que tinha o
apelido carinhoso de “Cida das Flores”. A Ângela, está viva mas deixou de ser
bibliotecária. Êta trio especial! Elas viviam elogiando o amor que eu tinha
pela leitura e confesso que as suas atitudes serviram para estimular ainda mais
a minha vontade de ler.
Dona Alice foi a minha bibliotecária no ginasial.
Ainda me recordo, vagamente, da biblioteca da antiga escola Industrial; hoje,
Escola em Tempo Integral “Professora Maria Angélica Marcondes”. Não vou esconder
que deixava de correr, jogar bola, conversa fora e também de paquerar as alunas
de outras séries, mas revelo que na maioria das vezes, aproveitava a hora do
recreio para ficar ‘enfurnado’ na biblioteca lendo os meus livros preferidos.
Toda vez que chegava no recinto, Dona Alice já ia dizendo mais ou menos assim:
“Oba! Lá vem um dos meus visitantes preferidos!” Ela tinha uma tática infalível
que era a de perguntar detalhes sobre o livro que eu havia lido. – Me conte o
que você achou da história – dizia ela. Agora me responda, qual devorador de
livros não gosta de falar sobre o que leu? Eu, claro, não era uma exceção e
assim, mais do que rápido começava a lhe contar detalhes sobre a narrativa.
Dona Alice colocava as mãos no queixo e ficava olhando para mim e escutando com
toda a atenção. Eu saía daquela biblioteca realizado e... com mais vontade
ainda de ler.
Alguns anos depois, quando já frequentava o colegial,
a Ângela que trabalhava na Biblioteca Pública Municipal utilizava uma tática quase
parecida com a de Dona Alice para incentivar o meu amor pelos livros. Sempre
que chegava na biblioteca, que funcionava onde hoje se encontra a 2ª Companhia
de Policiamento Militar, para pegar alguns livros emprestados, logo de cara
ganhando um elogio da Ângela - Nossa! você deve ser muito inteligente. Continue
lendo bastante. – Quase sempre, ela também me pedia sugestões de leitura.
Resumindo: As suas atitudes tinham o poder de turbinar ainda mais a minha
vontade de ler.
Já a “Cida das Flores” tinha um método diferente. Sempre
que eu passava na Biblioteca Municipal, já na minha adolescência, via em cima
da mesa dois ou três livros me esperando. Obras que ela já tinha lido e gostado
e por isso as deixava separadas para mim. Recordo que eu dizia que não
conseguiria entregar os livros no prazo marcado para a devolução. Então, ela
dava uma piscadela e falava para que eu devolvesse quando terminasse a leitura.
Sempre gostei dos livros escolhidos por ela.
Três bibliotecárias muito especiais, concordam?
04
– Uma amiga de minha mãe chamada Maria
Método
utilizado: Livros de Walt Disney
Só recordo do seu primeiro nome: Maria. Ela era amiga
de minha mãe e sempre que podia passava na casa dos meus pais para me dar um
presente e advinha qual presente era esse? Preciso dizer? Um livro, cara. E que
livro!! Estou me referindo as obras ilustradas do Walt Disney que me deixavam
completamente louco; louco de alegria, de emoção.
Entonce, Maria me ajudou muito na minha formação de
leitor. Naquela época, estava na fase
dos meus 10 ou 11 anos. Ela morava em São Paulo e sempre que vinha até a minha
cidade, passava em casa e me presenteava com um livro ilustrado do Walt Disney
– daqueles bem grandes que mais se pareciam com cartilhas – com histórias do
Pinóquio, Dumbo, Mickey, etc. Este anjo literário visitava minha mãe várias
vezes ao ano e a cada visita, o meninão, aqui, ganhava um livro novo. Imagina
se eu não ficava contando nos dedos a visita de Maria.
Não tive mais notícias dela; não sei onde se encontra ou
se ainda está viva. Mas o que importa é que jamais irei esquecer o quanto ela
foi importante na minha formação de leitor.
05
– Kid Tourão
Método
utilizado: O dinheirinho separado
Kid Tourão ou Kid Torão para aqueles que não sabem é o
meu pai que, infelizmente, não está mais ao meu lado. Ele teve participação
ativa em várias postagens que escrevi (se quiserem conhecer mais detalhadamente
a sua saga acessem aqui, aqui e mais aqui). Ele ganhou esse apelido porque era
uma pessoa muito forte e com saúde de ferro – nunca tinha ficado doente, até o
dia em que, já idoso, uma DPOC (Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica aliada à um
câncer de faringe o pegou). Antes disso, ele era um superpai, um pai de aço.
Minha mãe, dona Lázara, à exemplo do Tourão, também
tinha o apelido de Toura ou Tora. Ela acabou pegando esse apelido, digamos...
por tabela. Coisa do tipo: “quem é a mulher do Toro, poxa só pode ser a Toura (rs).
No início, mamãe não era muito adepta do apelido, mas depois acabou caindo na
brincadeira e se acostumou, e assim, o tal do apelido pegou. Mas vamos ao que
interessa.
Meu velho, saudoso e querido pai, o grande Kid Tourão,
ainda na época dos vendedores de porta em porta que comercializavam livros e
enciclopédias, mesmo tendo um orçamento bem apertado para as despesas de casa,
sempre deixava um dinheirinho separado para que minha mãe comprasse algum livro
ou enciclopédia. Descobri essa atitude do ‘Kid’ através de meu irmão que me
contou a história há alguns anos. Ele me disse que todo mês, antes de sair de
casa para o trabalho, papai que era ferreiro, chamava minha mãe num canto e lhe
passava algumas notas para essa finalidade. Então ela juntava essas notas com
mais uma parte de suas parcas economias para comprar um livro ou então dar
entrada na primeira mensalidade de uma enciclopédia.
O vendedor - ainda me lembro que ele usava um terno preto
surrado e chapéu - tinha até se acostumado com essa rotina e assim, acabava
passando em casa com a sua famosa maleta todo final de mês.
Meu pai, à exemplo de minha mãe, foram os meus
primeiros educadores, mesmo sem saber que eram educadores; e grandes
educadores.
06
– Meu irmão mais velho
Método
utilizado: Chave esquecida na fechadura do armário
Encerro esse post escrevendo sobre o meu último anjo
literário: meu irmão mais velho, o Carlos e... o seu misterioso baú dos livros.
Era nesse armário que ele guardava as suas bugigangas
com todo esmero. Cara, tinha de tudo por lá: cartas e fotos de namoradas,
livros didáticos, revistas, enciclopédias, troféus, álbuns de figurinhas e o
escambau à quatro. Uma verdadeira sala secreta de Hogwarts! O espaço maior era
ocupado por um número infindável de Best-Sellers, de bolso, brochura, capa
dura, mole e etc. Eu sabia que havia ali um verdadeiro Oasis à ser explorado;
não com água fresca, cercada de coqueirais e mata virgem, mas dotado de um
‘manancial’ de livros à ser devorados.
O Carlos tinha o hábito de colecionar as enciclopédias
em fascículos da Conhecer, Os Bichos e Medicina e Saúde; além de várias pulp
fictions com as histórias de Brigitte Montfort, O Coyote e Faroeste; sem contar
os livros de Harold Robbins que naquela época eram lançados em edições
econômicas de bolso. Ele guardava todo esse tesouro em seu baú secreto. O meu
irmão nunca deixava a chave à mostra, por isso eu acreditava que ele tinha um
ciúme enorme de seu “Baú de Hogwarts”. Quando descobri, onde ele escondia a tal
chave, comecei a fazer algumas explorações secretas no baú, lia alguma coisinha
rápida e logo depois devolvia a chave em seu devido lugar.
Tenho certeza de que ele sabia dessas minhas
explorações proibidas, pois conhecia o meu amor por leitura. Escrevo isso
porque, de repente, ele começou a deixar a chave na fechadura quando saía,
fingindo esquecimento. Até o dia em que ele me falou que eu poderia ler o que
quisesse de seu armário, desde que não mexesse em outros objetos que não fossem
os livros e fascículos de enciclopédias.
Caráculas! Quando ele acabou de me dizer isso
comemorei muito e só faltei soltar rojões para todos os lados.
Obrigaduuuuu de coração aos meus anjos literários. Se
hoje, sou um devorador de livros, devo isso à todos vocês.
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