De vez em quando e esse quando pode ter um espaço de
muitos dias – ou talvez, meses e até trimestres -, tenho os meus insights. Às
vezes estou trabalhando ou relaxando e então, de repente: pimba! Lá vem aquela
iluminação, aquele estalo, e assim, me vejo como um personagem de gibi ou
desenho animado com uma lâmpada acesa sobre a cabeça.
Este post que vocês estão lendo agora, surgiu durante
um desses insight que tive. A galera que acompanha o blog já sabe que sou um
grande devorador de livros e só quem é um devorador de verdade para entender as
loucuras que fazemos pelas nossas “pérolas”. Se Gollum da saga O Senhor dos Anéis (confira resenha da
saga aqui, aqui, aqui e também aqui) tinha um anel como o seu “precioso”, nós os ‘papa-livros’
temos as obras literárias. E, com certeza, já tivemos atitudes “insanas” que
deixaram evidente o nosso amor pelos ‘nossos preciosos’.
No post de hoje, graças a esse insight maluco, resolvi
narrar algumas situações engraçadas e outras nem tanto que enfrentei por causa
do meu amor pelos livros. Vamos a elas!
01
– O livro esquecido no trabalho
Tenho o hábito de ler no meu serviço durante a hora do
almoço, por isso é praxe durante esse período, sacar o ‘meu precioso’ da pasta
e ler alguns trechos da narrativa. Apesar desse fato ter ocorrido há
aproximadamente dez anos, ele ainda está vivo em minha memória.
Lembro como se fosse ontem... Estava devorando Excalibur o último livro da trilogia As Crônicas de Artur de Bernartd
Cornwell. A história estava me prendendo de uma tal maneira que eu acabava
levando o livro para todo lugar que eu fosse, inclusive no meu trabalho.
Acontece que após um dia dantesco e estressante onde
tudo deu errado no serviço, sem contar as reuniões marcadas de última hora e
com capacidade para irritar o mais calmo dos mortais, fui embora e acabei
esquecendo “Excalibur” na sala de redação. Ao chegar em casa debaixo de um
aguaceiro e todo molhado, tomei um banho e sai com Lulu; fomos num aniversário.
Quando retornamos para casa já era bem tarde da noite. Pois é, estava deitado
na cama – sempre leio antes de dormir – e pimba!!! Me lembrei do livro! Cara,
não podia dormir sem antes ler um dos capítulos mais bombásticos de Excalibur:
a “Batalha de Mynyd Baddon” que rola no meio da história.
Se deixei para o dia seguinte e fui dormir? Nada
disso. Fui na empresa onde trabalho buscar o livro. Antes passei na casa de um
dos meus editores, o Zé Luís, acordei o sujeito e pedi que ele me emprestasse a
chave da redação para buscar a minha Excalibur (rs). Foi quando ele me disse:
“Jam, são quase meia noite e você me acorda por causa de um livro?!”
Pois é, depois da bronca, peguei o livro, cheguei em
casa mais de meia noite e meia e vibrei com a “Batalha de Mynyd Baddon até 1H30
da madruga.
Acho que quem não gostou nem um pouco disso tudo foi o
Zé Luiz, um dos meus editores mais rigorosos e com fama de “mau” (rs).
Taí pessoal, o que não enfrentamos por um bom livro.
02 – O golpe que dei numa vendedora de livros e também na minha mãe.
Nós, devoradores de livros, fazemos cada coisa maluca
para conseguirmos uma obra que sonhamos, não é mesmo? Prova disso, foi uma
situação que rolou em minha infância.
Quando era criança, um dos meus sonhos de consumo era ter
uma coleção de oito livros de Monteiro Lobato com as aventuras contagiantes de
Emília, Pedrinho, Narizinho, Visconde de Sabugosa, Dona Benta e Cia, lançada,
em capa dura, nos anos 70 pela editora Brasiliense.
Desejava tanto essa coleção, mas tanto, que cheguei a
dar o golpe do baú – e diga-se de passagem, muito bem dado – numa vendedora
ambulante de livros e pasmem... em minha própria mãe!
Assim, quando a vendedora apareceu, há décadas e
décadas atrás, na casa de meus pais, o então moleque de calças curtas e kichute,
aqui – soltou o ‘mentirasso’: “Pôxa vida! Que coincidência, minha mãe estava
louca pra comprar essa coleção! Daria pra senhora retornar ainda hoje? Com
certeza, mamãe vai comprar.” Ehehehe... Na verdade, a pobre da minha mãe não
estava sabendo, absolutamente nada. Mas depois que ela chegou em casa, acabei
convencendo-a e mamãe acabou me presenteando com os oito livros da Coleção Monteiro Lobato.
Cara! Não dá para descrever o êxtase que senti quando
a vendedora ambulante que trabalhava para a editora Brasiliense disse para a
minha saudosa mãe que tinha a coleção para pronta entrega. Uhauuuuu!!! Mêu!
Jamais vou esquecer aquele momento! Lembro-me que fiquei um bom tempo longe das
peripécias com a minha tchurma de amigos. Jogos de futebol? Paqueras na praça?
Matinês no cinema da cidade? Que nada! O meu passatempo preferido passou a ser
devorar as aventuras maravilhosas da turma do Sítio do Pica-Pau Amarelo
contidas nas páginas dos oito volumes ilustrados da Coleção Monteiro Lobato.
Uma coleção que ganhei graças ao ‘golpaço’ dado numa
vendedora de livros ambulante e em minha mãe.
Que vergonha...
mas valeu a pena (rs)
03
– Lendo Harold Robbins escondido
Ok, eu respondo o motivo de estar lendo Harold Robbins
escondido. Simples: eu tinha apenas 11 anos e os meus pais eram muito severos.
Mais? O livro que estava lendo se chamava Os
Libertinos. E para completar a ‘desgrameira’, a capa do livro matava a pau,
trazendo um homem tirando a gravata encarando uma mulher, de costas, nua da
cintura para cima, aparecendo uma parte do bumbum e numa pose sensual, do tipo:
“E aí, Tigrão, vamos começar? (rs).
Cara, agora, imagine eu, aos 11 anos, no início dos
anos 70, lendo esse troço aí, com a capa à mostra, e deitado despreocupadamente
no sofá da casa dos meus velhos.
Para que entendermos melhor a gravidade dessa situação
imaginária, até certo ponto cômica, devemos levar em conta que apesar da
revolução sexual que o mundo vivia no começo da década de 1970, os costumes de
muitos dos nossos antepassados, a forma como eles lidavam com o próprio corpo e
a sexualidade, eram bem diferentes. Assim, se os meus pais, principalmente
minha mãe, me visse degustando Os
Libertinos, a recepção por parte deles não seria tão boa. Mas... o que eu
poderia fazer. Cara, naquela época eu adorava os livros de Robbins.
Dessa maneira, só sobrava uma opção: ler escondido.
Aproveitava qualquer momento, por menor que fosse, para devorar a narrativa.
Minha mãe ia tomar banho? Como sabia que o seu banho era demorado, lá ia eu me
encontrar com Os Libertinos. Minha
mãe ia até a feira? Novamente, lá ia eu devorar a história. Enfim, cada
situação gerava uma oportunidade. Quanto ao meu pai, sem problemas, estava
trabalhando e só chegava no final da tarde.
As minhas peripécias por causa de Harold Robbins iam
mais além, como por exemplo, quando leva Os
Libertinos para ler na escola correndo o risco de ser pego em flagrante
pela bibliotecária hiper puritana
Caraca! Quantos risco corri, em minha infância, por
causa desse tal Robbins e os seus libertinos.
04
– A ira por causa do zóinho
“Apaga essa merd... de zóinho!!”; “esse cara não se
toca!”; “vai lá, toma o livro dele!”; Só podia ser o Jam! Se toca meu!”.
Pois é galera, aguentei todos esses gritos e
provocações por causa do Cinemin.
Tudo bem que não se tratava de um livro, mas de uma revista especializada em
informações sobre cinema, mesmo assim eu adorava os assuntos abordados pela
publicação.
Nos anos 80 quando cursava jornalismo na antiga
Fundação Educacional de Bauru – hoje, Unesp – encarava todos os dias o buzão de
estudantes. Haviam três ônibus que transportavam os estudantes da minha cidade para
Bauru. O buzão em que eu viajava era o mais comportado dos três. Confesso que
tinham alguns estudantes bem chatos; do tipo não falo com ninguém e não quero
que falem comigo. Na volta, à noite, 99,95% queriam que as luzes do corredor,
incluindo os ‘zoinhos’ de leitura, ficassem apagados para que eles dormissem.
Nesta época, havia ganho vários números da Cinemim. O Marcos,
um colega que fazia algumas matéria na minha turma, me deu o presente. Fiquei
eufórico e não via a hora de começar a ler as revistas. Quer saber? A vontade
enorme de começar a degustar os assuntos sobre cinema era tanta que nem esperei
chegar em casa. Comecei a lê-las na volta para casa, mesmo sabendo que iria
encontrar pela frente um mar em fúria de estudantes que não admitiam um único
zoinho acesso no corredor do ônibus.
Aguentei calado as reclamações iradas, mas li. Além do
mais, estava tão compenetrado nos assuntos explorados por Cinemin que nem ouvia
os protestos.
A saudosa Cinemin, publicada entre novembro de 1982 e
outubro de 1993, foi pioneira no gênero, o melhor conteúdo já escrito sobre o
tema no Brasil até hoje. A revista abordava todos os gêneros e épocas, com o
mesmo cuidado e dedicação, com coberturas impressionantemente detalhadas de
cerimônias de premiação e festivais, dos mais badalados aos menos conhecidos.
Eu ouso dizer que foi a melhor publicação sobre cinema no mundo.
05
– O médico que adorou o Mundo de Lore
Morro de medo de cirurgias. Tenho pavor de ser
carregado em macas; de ver aqueles azulejos brancos e aquelas luzes
terrivelmente brilhantes, aquele instrumental cirúrgico esperando para dissecar
parte do meu corpo. Brrrrrrr!!!! Enfim, mijo e gag...de medo de todo esse
clima, por mais simples que seja a cirurgia.
Mas, em junho de 2019, antes da pandemia de
coronavírus, fui obrigado a encarar uma cirurgia de fístula perianal. Dias
antes da cirurgia tinha acabado de receber pelo correio: O Mundo de Lore – Criaturas Estranhas que havia comprado pela
Internet. O livro foi o meu companheiro de quarto e também me fez viver dois momentos
inusitados.
No primeiro deles, já dentro do hospital, ao subir
para o quarto percebi que um médico bateu o olho na capa do meu livro com um
jeito meio suspeito. Então, já pensei comigo: “Pronto, lá vem censura pra cima
do Lore”. Acho que ele não foi com a cara da caveira tentando escalar um túmulo
na capa do livro”. Então o profissional – sabia que era médico por causa do seu
crachá que indicava a sua especialidade: neurocirurgião – me perguntou:
- Está lendo O
Mundo de Lore? O que achou?
Galera, verdade, ele me perguntou isso mesmo, na lata!
Fiquei meio impactado porque não o conhecia.
- Tô gostando, mas ainda não terminei. – respondi
- Já chegou na parte do Jack dos Saltos de Mola? –
perguntou o médico. Fiz que não com a cabeça.
- Na minha opinião é um dos melhores capítulos do
livro. Boa leitura. - Dizendo isso, virou as costas e foi embora.
O segundo momento inusitado aconteceu logo após a
cirurgia. Meu irmão que havia substituído Lulu como acompanhante de quarto, me
disse que a minha noite de sono – depois que voltei da sala de recuperação -
foi muito agitada por causa do efeito da anestesia. Não falava ‘coisa com coisa’
e para variar dei um grito meio escabroso - assim, do nada – no meio da noite.
Quando a enfermeira entrou no quarto para ver o que tinha acontecido e viu o
livro na cabeceira da cama, olhou com uma expressão séria e ao mesmo tempo
reprovadora para o meu irmão e disse: “Ele não devia estar lendo essas coisas”
– como se aquela caveirinha da capa escalando a sua sepultura, ansiosa para dar
um oi para os visitantes de seu túmulo, fosse a responsável pelo meu grito de
horror ou desespero. Um grito que nem lembro de ter dado.
Pois é, O Mundo
de Lore – Criaturas Estranhas foi um amigão nesse período em que fiquei
internado. Um amigão que causou rebuliço no ambiente hospitalar (rs).
Inté galera!
2 comentários
Esse é um exemplo do porque eu adoro seus posts, sempre me fazendo pensar sobre minhas relações com a leitura a partir de suas próprias divagações. Eu tenho várias histórias assim com meus livros favoritos, nunca tinha pensando em colocar em palavras essas situações, esse amor pelos livros ultrapassa a história impressa em si e abrange todo o contexto que existe por trás de como chegamos até aquele livro ou por acontecimentos durante a leitura. Eu lembro de Os Livros de Bachman na adolescência, na época eu convenci minha mãe a ir comigo para a cidade vizinha para me cadastrar na biblioteca pública de lá, não sabia da raridade do livro, mas só de ter encontrado um novo livro de Stephen King eu estava muito animado. Eu li o prefácio do King na rodoviária e é um daqueles momentos de alegria, excitação com a leitura de algo novo que poucas vezes vivenciei depois. Histórias de peregrinações a sebos distantes, encontrar um livro empoeirado perdido na estante da biblioteca, como foi o caso de Os Meninos de Juan José Plans, e se surpreender com o achado, aquela promoção imperdível. Se tiver sua benção e aprovação pretendo fazer um post semelhante no meu blog.
ResponderExcluirOlá Rafa! Desculpe a demora em responder, o trabalho por aqui está muito trash. Como postei no Twitter, também gosto muito de suas postagens. Tenho o "Biblioteca do Terror" como referencia quando vou pesquisar obras literárias do gênero. Quanto a escrever uma postagem semelhante em seu blog, fique a vontade. Já está aprovado e abençoado (rsssss). Me avise quando publicar, gostaria muito de ler.
ExcluirGrande abraço!!