Depois de uma nova resenha de Cujo (aqui e mais aqui) e de outras duas postagens relacionadas a Stephen King (aqui e
aqui). Cá estou eu, novamente, para escrever sobre o mestre do terror. ‘Coisas’
de fã, né? Mas garanto que este post – apesar de vir na sequência de outros
dois sobre o mesmo cara, ou seja, o nosso tio King – valerá muito a pena,
afinal trata-se da entrevista mais importante concedida pelo escritor e que
supera todas as outras que foram dadas antes e depois, incluindo aquelas que
figuraram nas páginas de famosos jornais e revistas como por exemplo, a Rolling
Stone.
Por que penso assim? Nesta entrevista dada aos jornalistas Christopher Lehmann e Nathaniel Rich para
o The Paris Review, a famoso autor faz uma restrospectiva dos seus
principais livros, revelando curiosidades e detalhes que acredito estavam
guardados a sete chaves, mas algum motivo, o autor decidiu revela-los.
Ao ler essa preciosidade, a galera descobrirá o que
levou King a escrever Celular, Carrie, A Estranha, Cujo, Dança da Morte, O Iluminado, Salem, Misery: Louca Obsessão,
O Cemitério e... pensa que para por
aí? Não. Ele revela os segredos de várias outras obras.
Eu, pelo menos, não vi nenhuma outra entrevista de
King – e olha que já li várias – onde ele tenha falado abertamente e com toda a
sinceridade sobre os seus livros, citando, inclusive, daqueles que ele não
gostou. Ele revela até mesmo qual foi o pior livro que escreveu.
King comenta ainda como é o seu ritual de escrita.
Achei essa parte muito interessante. Depois fala de algumas situações vividas
por ele, as quais serviram para inspirar
SK começou esta entrevista no verão de 2001, dois anos
depois de ter sido atingido por um furgão quando caminhava perto de sua casa em
Center Lovell, no Maine (EUA). Ele teve sorte de sobreviver ao acidente, em que
sofreu lacerações no couro cabeludo, fraturas na perna e no quadril direitos, e
teve o pulmão direito perfurado. Uma segunda sessão foi conduzida no início de
2006, em sua residência de inverno na Flórida.
Confira algumas perguntas e algumas respostas.
PERGUNTA
- Que idade o sr. tinha quando começou a escrever?
STEPHEN
KING
- Acredite se quiser, eu tinha 6 ou 7 anos. Copiava imagens de HQs, compondo
minhas próprias histórias. Me lembro de faltar à escola porque estava com
amidalite e ficar em casa, na cama, escrevendo. O cinema também foi uma grande
influência. Me recordo de minha mãe me levar ao Radio City Music Hall para ver
"Bambi". O tamanho daquele lugar, o incêndio na floresta no filme
-aquilo me deixou uma impressão profunda. Quando comecei, tendia a escrever em
imagens, porque isso era tudo o que eu conhecia na época.
PERGUNTA
- Quando o sr. começou a ler ficção adulta?
KING
- Eu devia ter 12 anos e estudava numa escola de uma sala só, na rua de casa.
Não havia biblioteca na cidade, mas toda semana o Estado mandava uma grande
perua verde, conhecida como "livromóvel". Até então, tudo o que eu
tinha lido eram as histórias sobre Nancy Drew, os livros sobre os Hardy Boys
[ambas coleções juvenis de mistério] e coisas do gênero. Os primeiros livros
foram os de Ed McBain sobre o 87º Distrito Policial. No primeiro, os policiais
vão interrogar uma mulher num cortiço, e ela está parada ali, de combinação. Os
tiras a mandam vestir alguma roupa, e ela segura o seio através da combinação,
aperta na direção deles e fala: "Na sua cara, "tira'!". Eu
pensei: "Uau!". Alguma coisa fez um clique na minha cabeça. Pensei:
"Isso é real, poderia acontecer de verdade". Foi o fim de toda a
ficção juvenil para mim.
PERGUNTA
- Em "On Writing" [Sobre a Escrita], o sr. menciona que a idéia de
seu primeiro romance, "Carrie", surgiu quando fez a conexão entre
dois temas não interligados: crueldade adolescente e telecinesia. Como conexões
improváveis servem de ponto de partida?
KING
- Isso já aconteceu muitas vezes. Quando escrevi "Cujo" -sobre um cão
raivoso-, estava com problemas em minha moto e ouvi falar de um lugar aonde
poderia levá-la. O mecânico tinha uma casa de fazenda e uma oficina do outro
lado da estrada. Levei minha moto lá, e, quando cheguei ao quintal em frente à
oficina, ela morreu. E o maior São Bernardo que já vi na vida saiu da oficina e
veio em minha direção.
Esse tipo de cachorro tem a aparência horrível. Tem
aquela papada e os olhos remelentos. A impressão que dão é de não estarem bem
de saúde. O cão começou a rosnar para mim, lá do fundo da garganta:
"Aaarrrgh". Eu pesava uns 54 quilos, então devia ter no máximo uns
quatro ou cinco quilos mais que o cachorro. O mecânico saiu da garagem e me
disse "oh, esse é o Bowser", ou outro nome qualquer. Não era Cujo.
Ele disse: "Não se preocupe com ele. Ele faz isso
com todo mundo". Então adiantei minha mão para fazer um carinho no
cachorro, e o cachorro tentou me morder. O sujeito estava com uma daquelas
chaves de soquete na mão e bateu forte sobre o traseiro do cão. Era uma
ferramenta de aço. O som foi de um batedor de tapetes batendo num tapete. O
cachorro apenas latiu uma vez e se sentou. E o mecânico me disse algo como:
"Bowser não costuma fazer isso. Ele não deve ter gostado de sua
cara".
Me recordo de como senti medo, não havia onde me
esconder. Estava de moto, mas a moto tinha morrido, e eu não conseguiria correr
mais rápido que o cachorro. Se o homem não estivesse lá com a ferramenta, se o
cão decidisse me atacar... Mas aquilo não era uma história, era um pedaço...
Duas semanas depois, estava pensando no Ford Pinto que minha mulher e eu
tínhamos.
Havia alguma coisa errada nele: o carburador afogava,
e não dava para dar a partida. Eu me preocupava com a idéia de que minha mulher
pudesse ficar presa em algum lugar com aquele carro e pensei: "E se ela o
levasse à oficina e não conseguisse dar partida -e se, em lugar de o cachorro
ser apenas um cão de gênio ruim, ele fosse realmente louco?". Esse é um
dos lugares em que a vida real interferiu na história. É sempre esse o caminho.
Você vê alguma coisa, essa coisa faz um clique com outra, e isso rende uma
história. Mas você nunca sabe o que vai acontecer.
PERGUNTA
- "Cujo" é incomum pelo fato de o livro inteiro ser escrito num único
capítulo. O sr. o planejou assim desde o começo?
KING
- Não, "Cujo" era um romance-padrão, em capítulos. Mas queria que
fosse sentido como um tijolo que é atirado em você, atravessando sua janela.
Sempre pensei que o tipo de livro que faço -e tenho ego suficiente para pensar
que todo romancista deveria fazer o mesmo- deve ser uma espécie de agressão
pessoal. Ele deve ser alguém avançando contra você do outro lado da mesa,
agarrando-o, sacudindo-o. Ele deve incomodar. Deve perturbar. E não apenas
porque você se enoja. Mas se eu recebo uma carta dizendo "não consegui
jantar (depois de ler seu livro)", minha reação é: "Ótimo!".
PERGUNTA
- "O Iluminado" também partiu da experiência pessoal? O sr. se
hospedou naquele hotel?
KING
- Sim, o Stanley Hotel, em Estes Park, Colorado. Minha mulher e eu fomos lá em
outubro. Era o último fim de semana da temporada, então o hotel estava quase
totalmente vazio. Eu passei por aquela placa que dizia "as estradas podem
ser fechadas a partir de 1º de novembro" e pensei: "Uau, há uma
história a ser contada aqui".
Esta é apenas uma pequena amostra da entrevista que
SK concedeu aos jornalistas Christopher Lehmann e Nathaniel Rich do The Paris Review; uma das melhores,
senão a melhor, já concedida por ele. Infelizmente não há como reproduzi-la na
integra, aqui no blog, porque ocuparia muitas e muitas páginas, mas se você
quiser lê-la em sua totalidade saiba que ela se encontra no final do romance Cujo
publicado pela editora Suma na coleção Biblioteca Stephen King. Apesar do livro
ter sido lançado em 2016, ainda pode ser encontrado facilmente em qualquer
livraria virtual.
Se você estiver interessado, aproveite o embalo e já leia Cujo. Garanto que valerá muito a pena.
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