Stephen King em uma de suas melhores entrevistas; talvez, a melhor

17 agosto 2024

Depois de uma nova resenha de Cujo (aqui e mais aqui) e de outras duas postagens relacionadas a Stephen King (aqui e aqui). Cá estou eu, novamente, para escrever sobre o mestre do terror. ‘Coisas’ de fã, né? Mas garanto que este post – apesar de vir na sequência de outros dois sobre o mesmo cara, ou seja, o nosso tio King – valerá muito a pena, afinal trata-se da entrevista mais importante concedida pelo escritor e que supera todas as outras que foram dadas antes e depois, incluindo aquelas que figuraram nas páginas de famosos jornais e revistas como por exemplo, a Rolling Stone.

Por que penso assim? Nesta entrevista dada aos jornalistas Christopher Lehmann e Nathaniel Rich para o The Paris Review, a famoso autor faz uma restrospectiva dos seus principais livros, revelando curiosidades e detalhes que acredito estavam guardados a sete chaves, mas algum motivo, o autor decidiu revela-los.

Ao ler essa preciosidade, a galera descobrirá o que levou King a escrever Celular, Carrie, A Estranha, Cujo, Dança da Morte, O Iluminado, Salem, Misery: Louca Obsessão, O Cemitério e... pensa que para por aí? Não. Ele revela os segredos de várias outras obras.

Eu, pelo menos, não vi nenhuma outra entrevista de King – e olha que já li várias – onde ele tenha falado abertamente e com toda a sinceridade sobre os seus livros, citando, inclusive, daqueles que ele não gostou. Ele revela até mesmo qual foi o pior livro que escreveu.

King comenta ainda como é o seu ritual de escrita. Achei essa parte muito interessante. Depois fala de algumas situações vividas por ele, as quais serviram para inspirar

SK começou esta entrevista no verão de 2001, dois anos depois de ter sido atingido por um furgão quando caminhava perto de sua casa em Center Lovell, no Maine (EUA). Ele teve sorte de sobreviver ao acidente, em que sofreu lacerações no couro cabeludo, fraturas na perna e no quadril direitos, e teve o pulmão direito perfurado. Uma segunda sessão foi conduzida no início de 2006, em sua residência de inverno na Flórida.

Confira algumas perguntas e algumas respostas.

PERGUNTA - Que idade o sr. tinha quando começou a escrever?

STEPHEN KING - Acredite se quiser, eu tinha 6 ou 7 anos. Copiava imagens de HQs, compondo minhas próprias histórias. Me lembro de faltar à escola porque estava com amidalite e ficar em casa, na cama, escrevendo. O cinema também foi uma grande influência. Me recordo de minha mãe me levar ao Radio City Music Hall para ver "Bambi". O tamanho daquele lugar, o incêndio na floresta no filme -aquilo me deixou uma impressão profunda. Quando comecei, tendia a escrever em imagens, porque isso era tudo o que eu conhecia na época.

PERGUNTA - Quando o sr. começou a ler ficção adulta?

KING - Eu devia ter 12 anos e estudava numa escola de uma sala só, na rua de casa. Não havia biblioteca na cidade, mas toda semana o Estado mandava uma grande perua verde, conhecida como "livromóvel". Até então, tudo o que eu tinha lido eram as histórias sobre Nancy Drew, os livros sobre os Hardy Boys [ambas coleções juvenis de mistério] e coisas do gênero. Os primeiros livros foram os de Ed McBain sobre o 87º Distrito Policial. No primeiro, os policiais vão interrogar uma mulher num cortiço, e ela está parada ali, de combinação. Os tiras a mandam vestir alguma roupa, e ela segura o seio através da combinação, aperta na direção deles e fala: "Na sua cara, "tira'!". Eu pensei: "Uau!". Alguma coisa fez um clique na minha cabeça. Pensei: "Isso é real, poderia acontecer de verdade". Foi o fim de toda a ficção juvenil para mim.

PERGUNTA - Em "On Writing" [Sobre a Escrita], o sr. menciona que a idéia de seu primeiro romance, "Carrie", surgiu quando fez a conexão entre dois temas não interligados: crueldade adolescente e telecinesia. Como conexões improváveis servem de ponto de partida?

KING - Isso já aconteceu muitas vezes. Quando escrevi "Cujo" -sobre um cão raivoso-, estava com problemas em minha moto e ouvi falar de um lugar aonde poderia levá-la. O mecânico tinha uma casa de fazenda e uma oficina do outro lado da estrada. Levei minha moto lá, e, quando cheguei ao quintal em frente à oficina, ela morreu. E o maior São Bernardo que já vi na vida saiu da oficina e veio em minha direção.

Esse tipo de cachorro tem a aparência horrível. Tem aquela papada e os olhos remelentos. A impressão que dão é de não estarem bem de saúde. O cão começou a rosnar para mim, lá do fundo da garganta: "Aaarrrgh". Eu pesava uns 54 quilos, então devia ter no máximo uns quatro ou cinco quilos mais que o cachorro. O mecânico saiu da garagem e me disse "oh, esse é o Bowser", ou outro nome qualquer. Não era Cujo.

Ele disse: "Não se preocupe com ele. Ele faz isso com todo mundo". Então adiantei minha mão para fazer um carinho no cachorro, e o cachorro tentou me morder. O sujeito estava com uma daquelas chaves de soquete na mão e bateu forte sobre o traseiro do cão. Era uma ferramenta de aço. O som foi de um batedor de tapetes batendo num tapete. O cachorro apenas latiu uma vez e se sentou. E o mecânico me disse algo como: "Bowser não costuma fazer isso. Ele não deve ter gostado de sua cara".

Me recordo de como senti medo, não havia onde me esconder. Estava de moto, mas a moto tinha morrido, e eu não conseguiria correr mais rápido que o cachorro. Se o homem não estivesse lá com a ferramenta, se o cão decidisse me atacar... Mas aquilo não era uma história, era um pedaço... Duas semanas depois, estava pensando no Ford Pinto que minha mulher e eu tínhamos.

Havia alguma coisa errada nele: o carburador afogava, e não dava para dar a partida. Eu me preocupava com a idéia de que minha mulher pudesse ficar presa em algum lugar com aquele carro e pensei: "E se ela o levasse à oficina e não conseguisse dar partida -e se, em lugar de o cachorro ser apenas um cão de gênio ruim, ele fosse realmente louco?". Esse é um dos lugares em que a vida real interferiu na história. É sempre esse o caminho. Você vê alguma coisa, essa coisa faz um clique com outra, e isso rende uma história. Mas você nunca sabe o que vai acontecer.

PERGUNTA - "Cujo" é incomum pelo fato de o livro inteiro ser escrito num único capítulo. O sr. o planejou assim desde o começo?

KING - Não, "Cujo" era um romance-padrão, em capítulos. Mas queria que fosse sentido como um tijolo que é atirado em você, atravessando sua janela. Sempre pensei que o tipo de livro que faço -e tenho ego suficiente para pensar que todo romancista deveria fazer o mesmo- deve ser uma espécie de agressão pessoal. Ele deve ser alguém avançando contra você do outro lado da mesa, agarrando-o, sacudindo-o. Ele deve incomodar. Deve perturbar. E não apenas porque você se enoja. Mas se eu recebo uma carta dizendo "não consegui jantar (depois de ler seu livro)", minha reação é: "Ótimo!".

PERGUNTA - "O Iluminado" também partiu da experiência pessoal? O sr. se hospedou naquele hotel?

KING - Sim, o Stanley Hotel, em Estes Park, Colorado. Minha mulher e eu fomos lá em outubro. Era o último fim de semana da temporada, então o hotel estava quase totalmente vazio. Eu passei por aquela placa que dizia "as estradas podem ser fechadas a partir de 1º de novembro" e pensei: "Uau, há uma história a ser contada aqui".

Esta é apenas uma pequena amostra da entrevista que SK concedeu aos jornalistas  Christopher Lehmann e Nathaniel Rich do The Paris Review; uma das melhores, senão a melhor, já concedida por ele. Infelizmente não há como reproduzi-la na integra, aqui no blog, porque ocuparia muitas e muitas páginas, mas se você quiser lê-la em sua totalidade saiba que ela se encontra no final do romance Cujo publicado pela editora Suma na coleção Biblioteca Stephen King. Apesar do livro ter sido lançado em 2016, ainda pode ser encontrado facilmente em qualquer livraria virtual.

Se você estiver interessado, aproveite o embalo e já leia Cujo. Garanto que valerá muito a pena.

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