Acabei de ler os 12 contos de Mais Sombrio, novo livro de Stephen King. Terminei há alguns dias,
mas estou fazendo a resenha apenas agora por causa dos dias tribulados que
enfrentei no trabalho. Achei a coletânea tão boa que cheguei a conclusão que
ela não merecia uma resenha feita na correria, no atropelo. E naquele momento, eu
estava ‘atropelado’ de trabalho e com os pensamentos disparando em várias
direções à procura de soluções em meu serviço e, por isso, jamais conseguiria
analisar individualmente os 12 contos. Achei melhor acalmar a situação para
escrever com calma e dedicando todos os meus neurônios ou então, grande parte
deles, na elaboração de uma resenha, pelo menos, razoável. Como já ‘disse’
acima, o livro do Tio King merece isso.
Adorei a maioria dos contos de Mais Sombrio. Escrevo “a maioria” porque sabemos que todas as
coletâneas de contos por melhores que sejam sempre trazem algumas histórias
menos interessante. Costumo dizer que são aquelas que destoam das demais, os
chamados ovos miúdos da granja que escapam na hora da seleção e acabam indo
parar no meio dos ovos graúdos. E Mais
Sombrio, por melhor seja, não é uma exceção; a coletânea também tem os seus
ovos miúdos, mas ele são muito poucos; para ser exato, apenas dois: Finn e O homem das respostas. Quanto as outras dez histórias são
excelentes. Perceba que eu ‘disse’ “excelentes” e não ótimas ou boas. Dois
desses contos excelentes são verdadeiras joias raras e lapidadas. São eles: Cascavéis e O sonho ruim de Danny Coughlin com o poder de fazer com que o
leitor não desgrude os olhos das páginas um minuto sequer.
A partir da leitura de Tudo é eventual, lançado aqui no Brasil em 2013, ampliei o meu
leque de respeito por Stephen King porque compreendi que ele ia muito mais além
do que um escritor de terror, ou seja, de um autor que domine apenas um gênero
literário. Entendi que ele é capaz de gerir vários outros gêneros de escrita
que vão do terror ao suspense, passando pelo drama, romance, policial, ficção
científica e humor negro. A coletânea Tudo
é eventual me mostrou isso; e depois, Novembro
de 63 (resenhas aqui e aqui) acabou por confirmar.
Portanto, não fiquei surpreso com os contos de Mais Sombrio já que vários deles fogem
do gênero terror para explorar temas distintos como O sonho ruim de Danny Coughlin, um baita drama temperado com ação
que deixa o leitor ligado na tomada 220 wolts até o final; ou então, Laurie, uma doce história envolvendo o
relacionamento de um idoso de 65 anos com uma cadela da qual não gostava, mas
depois passa a ter afinidade.
Posso afirmar que King é um gênio da escrita capaz de
‘casar’ com qualquer gênero literário. Digam o que quiserem: que ele é
descritivo demais chegando ao ponto de se tornar cansativo ou então que ele não
sabe escrever um final digno para os seus enredos. Se eu acho ele muito
descritivo? Sim. Acho. Mas o que importa, pelo menos para mim, é que a sua
escrita, por mais descritiva que seja, não me cansa, pelo contrário, faz com
que eu estabeleça um vínculo cada vez maior com os seus personagens. Quanto aos
seus ‘finais terribiles’, me respondam o nome de um escritor que acertou em
todos os seus finais de seus livros?
Acho que já deu para ter uma noção da coletânea Mais Sombrio. Vamos agora para um rápido
resumo de seus 12 contos.
01
– Dois fio da mãe talentosos
O conto que abre o livro narra a história de dois
amigos inseparáveis: Laird Carmody e Dave “Butch” LaVerdiere – que são os dois
fio da mãe do título. O primeiro é um escritor famoso, conhecido em todo o
mundo; o segundo, um pintor não menos famoso, também respeitado em todas as
esferas culturais por causa de suas pinturas incomparáveis.
A história é narrada, em terceira pessoa, pelo filho de Laird e a essência do enredo gira
em torno de um mistério: como Laird e Dave conseguiram se tornar tão talentosos
dentro de suas áreas – literatura e pintura, da noite para o dia. Como duas
pessoas que tinham uma firma de limpeza pública conseguiram se transformar em
duas celebridades tão rapidamente?
Durante a leitura fui criando várias teorias, todas
erradas, até chegar ao final inesperado. Os editores acertaram em abrir Mais Sombrio com um conto excelente
capaz de acender a curiosidade dos leitores para as outras 11 histórias.
02
– O quinto passo
Neste segundo conto do livro conhecemos um Tio King bem
sinistro mas sem apelar para o sobrenatural o que, na minha opinião, deixou a
história ainda mais tenebrosa e com um final que apanha o leitor de surpresa.
Um aposentado sentado no banco de um parque é abordado
por um estranho que pede ajuda para completar mais uma etapa do programa dos
Alcóolicos Anônimos. Este estranho precisa dar o seu quinto passo.
Para aqueles que não sabem, o quinto passo do AAA é “admitimos
perante Deus, perante nós mesmos e perante outro ser humano, a natureza exata
de nossas falhas”.
O final, como já citei acima, me impactou.
03
– Willie Esquisitão
Achei o conto deliciosamente assustador. Na minha
opinião, tem uma leve semelhança com um outro conto famoso de King chamado Vovó (Gramma).
Willie Fiedler é um garoto de 10 anos que é
considerado "estranho" por seus pais, sua irmã e seus colegas devido
a seus hábitos incomuns, como coletar insetos mortos, olhar para nuvens e
prender vaga-lumes em uma jarra para vê-los morrer.
Ele passa grande parte de seu tempo conversando com o
seu avô James que tem o hábito de contar para o seu neto histórias mórbidas e
aparentemente improváveis. Willie é fascinado por essas narrativas.
King, nesse conto, também reserva uma surpresa no
final. Uma história que gira em torno da eternidade. Paro por aqui senão vou
acabar liberando spoiller. Basta escrever que apesar de curtinho – apenas 12
páginas – o conto tem uma narrativa riquíssima.
04
- O sonho ruim de Danny Coughlin
Caráculas! Só não vou afirmar que é o melhor conto de Mais Sombrio porque estaria sendo
injusto com Cascavéis. Os dois contos
são excelentes, os melhores de toda coletânea.
Nesta história inédita de “Mais Sombio”, com 160
páginas, conhecemos Danny Coughlin, o zelador de uma escola que tem um sonho
recorrente, onde ele contra o corpo de uma pessoa em um posto de gasolina
abandonado. Danny resolve investigar, para descobrir até onde seu sonho é um
pesadelo, mas acaba tornando-se o principal suspeito de um bárbaro homicídio.
Caberá a ele provar a sua inocência, mas será que alguém vai acreditar em sua
história absurda.
Cara, se prepare para as páginas finais: pura
adrenalina!
05
– Finn
A primeira, das duas histórias que não gostei do
livro. O início até desperta o interesse, mas depois a narrativa se torna algo
comum. Além disso o final aberto ficou um pouco confuso. Me desculpe “Tio King”
mas aquele “The End” deixou muito a desejar e, com certeza, vai entrar para lista
dos finais mais criticados de sua autoria.
Finn Murrie é um jovem irlandês com um azar danado.
Tudo o que ele faz ou até o que não faz dá errado.
Quando criança, ele caiu de cabeça, perdeu um dedo do
pé e quase foi morto por um raio. Sua avó prometeu a ele que um dia toda a sua
má sorte seria recompensada com boa, mas quando ele é sequestrado por engano,
Finn se pergunta se esse dia chegará.
06
– Na estrada da Pousada Slide
Etcha vovô da peste!! Leiam o conto e principalmente o
seu final e entenderão o motivo da minha exclamação. Uma história com uma
tensão crescente. É o “Tio King” provando mais uma vez que é capaz de escrever
um conto de terror incrível sem precisar recorrer aos artifícios de monstros,
sobrenatural ou corpos estraçalhados. Em Na
estrada da Pousada Slide o que predomina na narrativa é apenas a tensão
vivida por uma família que enfrenta uma situação difícil e sonha mais do que
nunca sair desse enrosco.
King narra a saga da família Brown – marido e mulher,
Frank e Corinne; seus filhos Billy e Mary; e o pai de Frank, Donald, um
veterano do Vietnã. Eles estão dirigindo para visitar um parente que está
morrendo de câncer. Então, eles resolvem pegar um atalho, o carro atola e com
isso, toda a família acaba indo parar numa pousada abandonada chamada “Pousada Slide”.
A partir daí, começa o drama. Prestem atenção no vovô Donald.
07
– Tela vermelha
Uma historieta de apenas 17 páginas. Não posso contar
nem o mínimo porque acabaria revelando a história toda. Portanto, vamos ao ‘mínimo
do mínimo’: Tela Vermelha é um conto
inquietante onde um investigador de polícia interroga um encanador perturbado
que acabou de assassinar sua esposa. Ele não acredita na história do encanador,
então...
King inspirou o seu conto em uma obra antológica de um
gênio. Não posso revelar o nome dessa obra, nem de seu escritor porque acabaria
revelando um spoiller do tamanho do Titanic.
Tela
Vermelha foi publicado originalmente como um e-book de edição
limitada em 2021. Achei a narrativa rápida e inteligente bem no estilo de “Além
da Imaginação”, aquele seriado antológico da TV dos anos 60 e que teve diversos
remakes.
08
– O especialista em turbulência
O conto foi publicado pela primeira vez no Brasil na
coletânea Terror a Bordo que reuniu
histórias de terror de vários autores famosos, entre eles, de SK. Vale lembrar
que esse livro - lançado por aqui em 2020 - foi editado pelo próprio King
juntamente com Bev Vincent.
Apesar de já ter lido algumas críticas negativas sobre
o conto, no meu caso, gostei muito da história de Craig Dixon, um atormentado
personagem que tem uma profissão bem sui generis: especialista em turbulência.
Li em uma entrevista de Bev Vincent que coeditou Terror a Bordo que O especialista em turbulência sugere que a ideia central da
narrativa reflete o medo de voar de Stephen King. O mestre do terror deixou
esse medo evidente em uma de suas entrevistas quando revelou "o voo que você tem que ter medo é aquele
em que não há ninguém com medo de voar [...] esses são os voos que caem" e
que se "você tem três ou quatro pessoas que estão morrendo de medo... nós
seguramos isso." O autor aplica essa regra ao pé da letra na narrativa de O especialista em turbulência.
09
– Laurie
Uma fofura de conto. O enredo mostra a relação de um aposentado
viúvo com 65 anos e a sua cadela de estimação chamada Laurie. Eles vivem na
pacata e fictícia comunidade da ilha de Caymen Key, na Flórida. No início, o
animal – presente de sua irmã – não foi bem recebido, mas gradualmente, o homem
vai criando laços com Laurie enquanto cuida dela, e no final acaba adorando o
animalzinho.
Este conto, a exemplo de À espera de um milagre mostra o lado sensível de King. Mas não se
engane porque o terror chega com tudo no final, deixando os leitores com o
coração na mão.
10
– Cascavéis.
E chegamos à Cascavéis.
Um “contaço”, à exemplo de O sonho ruim
de Danny Coughlin. Eu, particularmente, estava ansioso para ler esse conto
pois já havia relido Cujo e adorado.
Lembrando que Cascavéis é a sequência
direta de Cujo (aqui e aqui).
O conto de 93 páginas mostra como está a vida de Vic
Trenton, marido de Donna e pai de Tad, protagonistas do livro original. Vic
está agora com 72 anos de idade e morando numa comunidade bem tranquila. Ele
ainda tenta esquecer o drama enfrentado no passado.
Cascavéis
é uma verdadeira história de terror e terror daqueles bem sobrenaturais que
provocam calafrios. Não estou querendo ‘dizer’ que Cujo, o raivoso cão São
Bernardo, volta do mundo dos mortos ou então, que o pequeno Tad reapareça. Não.
King não seria tão simplório assim. Trata-se de um terror que incomoda.
O conto é tão bom que resolvi escrever uma resenha só
dele e que você pode conferir aqui.
11
– Os sonhadores
King teve a ideia de escrever esse conto após ter lido
O Passageiro, penúltimo trabalho do
autor Cormac McCarthy de quem é um grande fã.
Em Os sonhadores,
um cientista decide investigar as profundezas do sonho de pacientes. Para o
auxiliar em seu experimento, ele contrata um veterano do Vietnã chamado William
Davis – que atende ao pedido após ter lido a oferta de emprego num jornal.
Davis descobrirá que existem alguns cantos do universo que é melhor deixar
inexplorados.
12
– O homem das respostas
A exemplo de Finn,
também não gostei de O homem das
respostas que fecha a coletânea Mais
Sombrio. Achei uma história morna. Nela, um advogado, durante sua viagem,
encontra no acostamento da estrada, sentado debaixo de uma barraca, um homem
capaz de responder todas as perguntas ligadas ao futuro das pessoas. E adivinhe
se o tal advogado ao encontrar esse misterioso personagem não ficará curioso em
conhecer detalhes sobre o seu futuro.
O Homem das Respostas, aborda o dom da clarividência e
questiona se uma vida marcada pela tragédia tem significado.
Aqui, vale uma curiosidade: King demorou 45 anos para
escrever esse conto. Explico melhor aqui.
Inté galera.
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