Mais Sombrio

25 agosto 2024

Acabei de ler os 12 contos de Mais Sombrio, novo livro de Stephen King. Terminei há alguns dias, mas estou fazendo a resenha apenas agora por causa dos dias tribulados que enfrentei no trabalho. Achei a coletânea tão boa que cheguei a conclusão que ela não merecia uma resenha feita na correria, no atropelo. E naquele momento, eu estava ‘atropelado’ de trabalho e com os pensamentos disparando em várias direções à procura de soluções em meu serviço e, por isso, jamais conseguiria analisar individualmente os 12 contos. Achei melhor acalmar a situação para escrever com calma e dedicando todos os meus neurônios ou então, grande parte deles, na elaboração de uma resenha, pelo menos, razoável. Como já ‘disse’ acima, o livro do Tio King merece isso.

Adorei a maioria dos contos de Mais Sombrio. Escrevo “a maioria” porque sabemos que todas as coletâneas de contos por melhores que sejam sempre trazem algumas histórias menos interessante. Costumo dizer que são aquelas que destoam das demais, os chamados ovos miúdos da granja que escapam na hora da seleção e acabam indo parar no meio dos ovos graúdos. E Mais Sombrio, por melhor seja, não é uma exceção; a coletânea também tem os seus ovos miúdos, mas ele são muito poucos; para ser exato, apenas dois: Finn e O homem das respostas. Quanto as outras dez histórias são excelentes. Perceba que eu ‘disse’ “excelentes” e não ótimas ou boas. Dois desses contos excelentes são verdadeiras joias raras e lapidadas. São eles: Cascavéis e O sonho ruim de Danny Coughlin com o poder de fazer com que o leitor não desgrude os olhos das páginas um minuto sequer.

A partir da leitura de Tudo é eventual, lançado aqui no Brasil em 2013, ampliei o meu leque de respeito por Stephen King porque compreendi que ele ia muito mais além do que um escritor de terror, ou seja, de um autor que domine apenas um gênero literário. Entendi que ele é capaz de gerir vários outros gêneros de escrita que vão do terror ao suspense, passando pelo drama, romance, policial, ficção científica e humor negro. A coletânea Tudo é eventual me mostrou isso; e depois, Novembro de 63 (resenhas aqui e aqui) acabou por confirmar.

Portanto, não fiquei surpreso com os contos de Mais Sombrio já que vários deles fogem do gênero terror para explorar temas distintos como O sonho ruim de Danny Coughlin, um baita drama temperado com ação que deixa o leitor ligado na tomada 220 wolts até o final; ou então, Laurie, uma doce história envolvendo o relacionamento de um idoso de 65 anos com uma cadela da qual não gostava, mas depois passa a ter afinidade.

Posso afirmar que King é um gênio da escrita capaz de ‘casar’ com qualquer gênero literário. Digam o que quiserem: que ele é descritivo demais chegando ao ponto de se tornar cansativo ou então que ele não sabe escrever um final digno para os seus enredos. Se eu acho ele muito descritivo? Sim. Acho. Mas o que importa, pelo menos para mim, é que a sua escrita, por mais descritiva que seja, não me cansa, pelo contrário, faz com que eu estabeleça um vínculo cada vez maior com os seus personagens. Quanto aos seus ‘finais terribiles’, me respondam o nome de um escritor que acertou em todos os seus finais de seus livros?

Acho que já deu para ter uma noção da coletânea Mais Sombrio. Vamos agora para um rápido resumo de seus 12 contos.

01 – Dois fio da mãe talentosos

O conto que abre o livro narra a história de dois amigos inseparáveis: Laird Carmody e Dave “Butch” LaVerdiere – que são os dois fio da mãe do título. O primeiro é um escritor famoso, conhecido em todo o mundo; o segundo, um pintor não menos famoso, também respeitado em todas as esferas culturais por causa de suas pinturas incomparáveis.

A história é narrada, em terceira pessoa,  pelo filho de Laird e a essência do enredo gira em torno de um mistério: como Laird e Dave conseguiram se tornar tão talentosos dentro de suas áreas – literatura e pintura, da noite para o dia. Como duas pessoas que tinham uma firma de limpeza pública conseguiram se transformar em duas celebridades tão rapidamente?

Durante a leitura fui criando várias teorias, todas erradas, até chegar ao final inesperado. Os editores acertaram em abrir Mais Sombrio com um conto excelente capaz de acender a curiosidade dos leitores para as outras 11 histórias.

02 – O quinto passo

Neste segundo conto do livro conhecemos um Tio King bem sinistro mas sem apelar para o sobrenatural o que, na minha opinião, deixou a história ainda mais tenebrosa e com um final que apanha o leitor de surpresa. 

Um aposentado sentado no banco de um parque é abordado por um estranho que pede ajuda para completar mais uma etapa do programa dos Alcóolicos Anônimos. Este estranho precisa dar o seu quinto passo.

Para aqueles que não sabem, o quinto passo do AAA é “admitimos perante Deus, perante nós mesmos e perante outro ser humano, a natureza exata de nossas falhas”.

O final, como já citei acima, me impactou.

03 – Willie Esquisitão

Achei o conto deliciosamente assustador. Na minha opinião, tem uma leve semelhança com um outro conto famoso de King chamado Vovó (Gramma).

Willie Fiedler é um garoto de 10 anos que é considerado "estranho" por seus pais, sua irmã e seus colegas devido a seus hábitos incomuns, como coletar insetos mortos, olhar para nuvens e prender vaga-lumes em uma jarra para vê-los morrer.

Ele passa grande parte de seu tempo conversando com o seu avô James que tem o hábito de contar para o seu neto histórias mórbidas e aparentemente improváveis. Willie é fascinado por essas narrativas.

King, nesse conto, também reserva uma surpresa no final. Uma história que gira em torno da eternidade. Paro por aqui senão vou acabar liberando spoiller. Basta escrever que apesar de curtinho – apenas 12 páginas – o conto tem uma narrativa riquíssima.

04 - O sonho ruim de Danny Coughlin

Caráculas! Só não vou afirmar que é o melhor conto de Mais Sombrio porque estaria sendo injusto com Cascavéis. Os dois contos são excelentes, os melhores de toda coletânea.

Nesta história inédita de “Mais Sombio”, com 160 páginas, conhecemos Danny Coughlin, o zelador de uma escola que tem um sonho recorrente, onde ele contra o corpo de uma pessoa em um posto de gasolina abandonado. Danny resolve investigar, para descobrir até onde seu sonho é um pesadelo, mas acaba tornando-se o principal suspeito de um bárbaro homicídio. Caberá a ele provar a sua inocência, mas será que alguém vai acreditar em sua história absurda.

Cara, se prepare para as páginas finais: pura adrenalina!

05 – Finn

A primeira, das duas histórias que não gostei do livro. O início até desperta o interesse, mas depois a narrativa se torna algo comum. Além disso o final aberto ficou um pouco confuso. Me desculpe “Tio King” mas aquele “The End” deixou muito a desejar e, com certeza, vai entrar para lista dos finais mais criticados de sua autoria.

Finn Murrie é um jovem irlandês com um azar danado. Tudo o que ele faz ou até o que não faz dá errado.

Quando criança, ele caiu de cabeça, perdeu um dedo do pé e quase foi morto por um raio. Sua avó prometeu a ele que um dia toda a sua má sorte seria recompensada com boa, mas quando ele é sequestrado por engano, Finn se pergunta se esse dia chegará.

06 – Na estrada da Pousada Slide

Etcha vovô da peste!! Leiam o conto e principalmente o seu final e entenderão o motivo da minha exclamação. Uma história com uma tensão crescente. É o “Tio King” provando mais uma vez que é capaz de escrever um conto de terror incrível sem precisar recorrer aos artifícios de monstros, sobrenatural ou corpos estraçalhados. Em Na estrada da Pousada Slide o que predomina na narrativa é apenas a tensão vivida por uma família que enfrenta uma situação difícil e sonha mais do que nunca sair desse enrosco.

King narra a saga da família Brown – marido e mulher, Frank e Corinne; seus filhos Billy e Mary; e o pai de Frank, Donald, um veterano do Vietnã. Eles estão dirigindo para visitar um parente que está morrendo de câncer. Então, eles resolvem pegar um atalho, o carro atola e com isso, toda a família acaba indo parar numa pousada abandonada chamada “Pousada Slide”. A partir daí, começa o drama. Prestem atenção no vovô Donald.

07 – Tela vermelha

Uma historieta de apenas 17 páginas. Não posso contar nem o mínimo porque acabaria revelando a história toda. Portanto, vamos ao ‘mínimo do mínimo’: Tela Vermelha é um conto inquietante onde um investigador de polícia interroga um encanador perturbado que acabou de assassinar sua esposa. Ele não acredita na história do encanador, então...

King inspirou o seu conto em uma obra antológica de um gênio. Não posso revelar o nome dessa obra, nem de seu escritor porque acabaria revelando um spoiller do tamanho do Titanic.

Tela Vermelha foi publicado originalmente como um e-book de edição limitada em 2021. Achei a narrativa rápida e inteligente bem no estilo de “Além da Imaginação”, aquele seriado antológico da TV dos anos 60 e que teve diversos remakes.

08 – O especialista em turbulência

O conto foi publicado pela primeira vez no Brasil na coletânea Terror a Bordo que reuniu histórias de terror de vários autores famosos, entre eles, de SK. Vale lembrar que esse livro - lançado por aqui em 2020 - foi editado pelo próprio King juntamente com Bev Vincent.

Apesar de já ter lido algumas críticas negativas sobre o conto, no meu caso, gostei muito da história de Craig Dixon, um atormentado personagem que tem uma profissão bem sui generis: especialista em turbulência.

Li em uma entrevista de Bev Vincent que coeditou Terror a Bordo que O especialista em turbulência sugere que a ideia central da narrativa reflete o medo de voar de Stephen King. O mestre do terror deixou esse medo evidente em uma de suas entrevistas quando revelou  "o voo que você tem que ter medo é aquele em que não há ninguém com medo de voar [...] esses são os voos que caem" e que se "você tem três ou quatro pessoas que estão morrendo de medo... nós seguramos isso." O autor aplica essa regra ao pé da letra na narrativa de O especialista em turbulência.

09 – Laurie

Uma fofura de conto. O enredo mostra a relação de um aposentado viúvo com 65 anos e a sua cadela de estimação chamada Laurie. Eles vivem na pacata e fictícia comunidade da ilha de Caymen Key, na Flórida. No início, o animal – presente de sua irmã – não foi bem recebido, mas gradualmente, o homem vai criando laços com Laurie enquanto cuida dela, e no final acaba adorando o animalzinho.

Este conto, a exemplo de À espera de um milagre mostra o lado sensível de King. Mas não se engane porque o terror chega com tudo no final, deixando os leitores com o coração na mão.

10 – Cascavéis.

E chegamos à Cascavéis. Um “contaço”, à exemplo de O sonho ruim de Danny Coughlin. Eu, particularmente, estava ansioso para ler esse conto pois já havia relido Cujo e adorado. Lembrando que Cascavéis é a sequência direta de Cujo (aqui e aqui).

O conto de 93 páginas mostra como está a vida de Vic Trenton, marido de Donna e pai de Tad, protagonistas do livro original. Vic está agora com 72 anos de idade e morando numa comunidade bem tranquila. Ele ainda tenta esquecer o drama enfrentado no passado.

Cascavéis é uma verdadeira história de terror e terror daqueles bem sobrenaturais que provocam calafrios. Não estou querendo ‘dizer’ que Cujo, o raivoso cão São Bernardo, volta do mundo dos mortos ou então, que o pequeno Tad reapareça. Não. King não seria tão simplório assim. Trata-se de um terror que incomoda.

O conto é tão bom que resolvi escrever uma resenha só dele e que você pode conferir aqui.

11 – Os sonhadores

King teve a ideia de escrever esse conto após ter lido O Passageiro, penúltimo trabalho do autor Cormac McCarthy de quem é um grande fã.

Em Os sonhadores, um cientista decide investigar as profundezas do sonho de pacientes. Para o auxiliar em seu experimento, ele contrata um veterano do Vietnã chamado William Davis – que atende ao pedido após ter lido a oferta de emprego num jornal. Davis descobrirá que existem alguns cantos do universo que é melhor deixar inexplorados.

12 – O homem das respostas

A exemplo de Finn, também não gostei de O homem das respostas que fecha a coletânea Mais Sombrio. Achei uma história morna. Nela, um advogado, durante sua viagem, encontra no acostamento da estrada, sentado debaixo de uma barraca, um homem capaz de responder todas as perguntas ligadas ao futuro das pessoas. E adivinhe se o tal advogado ao encontrar esse misterioso personagem não ficará curioso em conhecer detalhes sobre o seu futuro.

O Homem das Respostas, aborda o dom da clarividência e questiona se uma vida marcada pela tragédia tem significado.

Aqui, vale uma curiosidade: King demorou 45 anos para escrever esse conto. Explico melhor aqui.

Inté galera.


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