Algumas vezes sempre paguei caro pela minha
sinceridade: ou perdi amigos, ou levei broncas imerecidas, ou fui taxado de
ignorante ou tudo isso junto num balaio só. O Por que desse desabafo? É
simples: por causa de “O Terror” de Dan Simmons. Na semana passada, após ouvir
a minha opinião sobre o livro, uma antiga colega de escola soltou o torpedo: - “Para
de falar bobagem, leia o livro direito, ele é ótimo!”. Este míssil disparado
pela Sandra (nome verdadeiro da leitora – ela autorizou colocá-lo no post) foi
pior do que um soco na ponta do queixo. Só não fui a nocaute porque o espírito
do Muhammad Ali – que assimilava golpes dos adversários com uma resiliência
incrível – baixou em mim naquela hora.
Por isso, depois da ‘rajada’ atirada pela Sandra
fiquei meio cabreiro antes de escrever esse post. Na realidade, fiquei na
dúvida: “escrevo ou não?”
- Quantas ‘Sandras’ irão ler o meu post? – pensei comigo.
– Bem, seja o que Deus quiser; vou escrever e pronto. – conclui.
Como o livro vem sendo endeusado por críticos e
leitores, talvez o que eu diga sobre o final da obra provoque a ira de ambos,
como provocou a ira da Sandra.. Mas prefiro ser honesto com os seguidores desse
blog – escrevendo o que, de fato, achei da obra – do que embarcar na onda e
começar a falar bem de algo só porque quase todos estão falando bem desse algo.
Em tão vamos lá: as últimas páginas de “O Terror”
mataram um enredo que vinha sendo desenvolvido de maneira magistral. As
fatídicas últimas páginas foram um desastre. A história de Simmons tinha tudo o
que é necessário para prender a atenção
leitor: ação, drama, mistério, pitadas de terror e algo mágico chamado ‘mesclagem
de ficção com realidade’. Cara, Simmons fez algo de gênio. Ele reinventou uma das mais fascinantes
histórias da exploração marítima no século XIX.
O autor remonta com toques ficcionais a história
real do evento que ficou conhecido como Expedição de John Franklin, ocorrida em
1845, uma das mais alucinantes odisséias marítimas da história, envolvendo uma
tripulação de mais de 128 homens da marinha britânica em uma grande tragédia.
O explorador britânico, Sir John Franklin que
comandava a expedição, e que partiu com dois navios – HMS Erebus e HMS Terror –
buscava descobrir uma rota polar entre Atlântico e o Pacífico, bem acima do
Círculo Polar Ártico. As embarcações afundaram no Ártico e só reapareceram em
2014 e 2016, respectivamente.
O destino do Erebus e do Terror permaneceu um
mistério por 15 anos, até um barco contratado pela viúva de Franklin encontrar
uma mensagem na ilha do Rei William, no extremo norte do Canadá, que dizia que
seu marido e 23 membros de sua tripulação morreram no dia 11 de junho de 1847,
em circunstâncias não especificadas.
Segundo dados colhidos por historiadores, constam
que os 105 tripulantes sobreviventes seguiram a pé, mas diante da falta de
suprimentos, também não conseguiram sobreviver.
Um grupo de pesquisadores canadenses encontrou na
década de 1980, na região da ilha de Beechey, elementos da expedição que
revelaram que os tripulantes morreram de frio, fome ou intoxicação por metais
da comida enlatada. Havia também sinais de canibalismo.
Cara, imagine esse fato recheado com toques de
ficção, além de personagens reais interagindo com outros inventados pelo autor?!
Se a mistura for bem feita o resultado é um bolo de primeira qualidade. E foi
isto que realmente aconteceu. Só que esse bolo preparado de maneira brilhante por
Simmons ficou muito tempo no forno e assim, o seu desfecho acabou queimando.
O livro se desenrola de forma não linear entre cenas
do primeiro inverno vivido pela equipe no mar e o período limite após uma
decisão equivocada do comandante Sir Franklin em que os tripulantes acabam
enfrentando barreiras gigantescas de gelo. Depois de uma série de
acontecimentos sinistros, com o ambiente já beirando a insanidade, os navios
passam a ser capitaneados por Francis Crozier, que precisa enfrentar, além do
frio, da escassez de mantimentos e do desespero da própria tripulação, um
inimigo perturbador - um predador desconhecido que fica a espreita no gelo,
caçando e devorando as suas vítimas; uma criatura terrível e inteligente que
está sempre um passo á frente das armadilhas preparadas pelos marinheiros.
A tal criatura do livro – apesar de reservar para os
leitores muita ação e sustos – não passa de um pequeno complemento para o
enredo de Simmons, onde o mais importante são os conflitos enfrentados pela
tripulação dos navios Erebus e Terror. Temos o comandante que quer fazer da
expedição um motivo para a redenção de um erro cometido no passado, por isso
passa a tomar decisões precipitadas e que colocam em risco a segurança de todos
os seus homens; temos o capitão linha dura que luta contra o alcoolismo e que após uma série de tragédias passa a assumir o
comando da expedição; temos o maléfico casal sodomita de marinheiros capaz de
fazer as mais absurdas maldades, até mesmo matar por simples prazer; temos a
mulher esquimó sem língua e com um misterioso passado; temos o médico humano e
idealista que sempre encontra soluções de ultima hora para salvar vidas. Galera
são muitos personagens fantásticos criados pelo autor.
Não existe nada mais maravilhoso no livro do que
sentir a interação desses personagens tão ricos em sua essência. Os conflitos,
as traições, as brigas, as reconciliações; os gestos de altruísmo, de amizade,
enfim, um enredo inebriante. Quer dizer... até chegar o final insosso e
decepcionante.
Na minha cabeça se passavam ‘mil e um finais’
diferentes para o Capitão Crozier – que assumiu o comando da expedição após uma
série de eventos – e seus homens que conseguiram sobreviver durante parte da
travessia do deserto ártico.
A união de Crozier com outro personagem acabou
matando a história, pois a partir daí, o enredo começou a ganhar ‘ares’
mitológicos e abstratos, abandonando aquela realidade temperada com pequenos
toques de ficção e que vinha predominando na obra.
Achei um absurdo aquele ‘culto da língua’ perto
final envolvendo esses dois personagens. Da mesma forma, também considerei patético
o destino dado à criatura predadora – que destino? – além da explicação para a sua origem.
Resumindo moeram a linha real do romance e o transformaram num conto de “As Mil
e Uma Noites”.
Se quiserem ler “O Terror”, leiam, pois trata-se de
um livro fantástico; exceto o seu final murcho de decepcionante.
2 comentários
Concordo plenamente,o final parece outro livro,toda a construção do livro sugerindo aqui e mostrando um pouquinho ali cai por água abaixo com esse final Irmãos Grimm super didático
ResponderExcluirPois é Rodrigo, o final estragou toda a composição da trama. Um plot bem azedo.
ExcluirAbcs!