Os leitores que acompanham o blog desde os seus
primórdios, em 2011, sabem que não sou fã de novelizações de filmes. Como
posso explicar essa aversão... bem, acho que tudo se resume na perda da magia.
Isso mesmo: quando você vê um filme e sai do cinema extasiado com que acabou de
assistir, você viveu a magia de um enredo espetacular e de personagens
carismáticos. Mas quando algum escritor resolve adaptar um filme para as
páginas, você que já assistiu esse filme também já viveu essa magia, por isso
não há motivo de ler tudo o que você já viu nas telas. Sei lá, fica estranho.
Mas, você pode argumentar que o mesmo ocorre ao
inverso, quando um livro é adaptado para as telonas. Neste caso, é diferente;
pelo menos para mim. Quando uma obra literária vira um filme ou série de TV, eu
fico imaginando com seria ver em “carne e osso” o personagem que eu conheci
apenas nas páginas. Ver esse lado irreal - idealizado apenas por mim -transformado
em algo real é viciante. O mesmo vale para o enredo da história; ver as imagens
nas telonas de situações e locais que eu apenas imaginei nas páginas. Não sei
se consegui explicar de uma maneira clara, mas, enfim, é isso.
Mas, por outro lado, conheço leitores que adoram
novelizações. Alguns, até preferem essas novelizações aos filmes. Portanto,
esse post é dedicado principalmente para esses leitores-cinéfilos.
Uma curiosidade interessante é que as novelizações de
filmes já acontecem há muito tempo. Este método teve origem nos idos de 1920.
Verdade! Mas o processo se tornou popular somente na década de 1970, antes do
lançamento dos videocassetes. Esta era a única forma das pessoas terem contato
com o filme que por algum motivo deixaram de assistir.
Nesta postagem selecionei seis novelizações de filmes
famosos e de grande sucesso nos cinemas. Os filmes são fantásticos, quanto as
novelizações deixo para aqueles que apreciam o gênero julgarem. Vamos a elas.
01
– O Segredo do abismo (Orson Scott Card)
O Segredo do Abismo é uma das poucas, acho que... a única
novelização que gostei, na realidade amei. Após ler o livro, passei horas e
horas pesquisando na Internet detalhes sobre o trabalho de Orson Scott Card e
então entendi o porquê de ter gostado tanto do livro. O primeiro ponto que
considerei decisivo para o êxito da obra foi a declarada aversão que Orson
Socott Card tem as novelizações. Êpa! Mas espera aí? O sujeito tem aversão por
esse tipo de trabalho, mas acaba fazendo algo semelhante?!
Ok. Vou tentar explicar. Card relutou muito em aceitar
escrever a novelização do blockbuster O Segredo do Abismo lançado nos cinemas
em 1989. James Cameron, o diretor do filme, teve de intervir pessoalmente nas
negociações e chegou a manter vários encontros com o escritor na esperança de
convencê-lo a mudar de ideia, mas ele estava irredutível: “novelização jamais”,
dizia o escritor.
Acontece que o diretor James Cameron queria uma
novelização de seu filme de qualquer jeito e não abria mão de Scott Card para
escrevê-la. Seria ele ou ele. O respeito e a simpatia de Cameron pelo trabalho
do escritor de ficção científica norte-americano surgiu depois que ele leu O Jogo do Exterminador e Orador dos Mortos, diga-se de passagem,
duas obras primas da literatura de ficção científica. Depois disso, o conhecido
diretor de Hollywood se tornou um fã confesso de Scott Card.
Scott Card só aceitou escrever o livro do filme depois
que várias de suas exigências foram aceitas. A primeira delas: que ele tivesse
liberdade total para desenvolver a "novelização" da maneira que achasse
melhor. E diga-se que esse “da maneira que achasse melhor” significava mudar
destino de personagens, acrescentar detalhes extras no final da história, além
de incluir fatos e explicações impossíveis apresentar no filme. E pediu mais!
Ter acesso irrestrito as filmagens enquanto escrevia o livro. Isto deixou
evidente que Scott Card exigiu escrever o livro ao mesmo tempo em que o filme
“O Segredo do Abismo” era rodado, porque só assim livro e filme seriam lançados
juntos. Enfim, para aceitar escrever um livro sobre um filme, o escritor fez um
“caminhão” de exigências. E todas elas foram aceitas por James Cameron e também
pelos produtores da 20th Century Fox.. Pronto! Está explicado porque a
novelização de “O Segredo do Abismo” se transformou num verdadeiro sucesso de
crítica e leitores.
Filme e livro contam a história de uma equipe de
mergulhadores que trabalham numa plataforma civil de exploração de petróleo. De
repente, eles se vêem envolvidos em uma missão de resgate do submarino nuclear
Montana que afundou misteriosamente com 156 tripulantes e, após o ocorrido, não
houve mais contato.
02
– Labirinto do Fauno (Guillermo del Toro)
Lançado a cerca de 17 anos, O Labirinto do Fauno
talvez seja uma das obras mais amadas do diretor Guillermo Del Toro. O filme que
agradou público e crítica se passa na Espanha de 1944. Oficialmente a Guerra
Civil já terminou, mas um grupo de rebeldes ainda luta nas montanhas ao norte
de Navarra. Uma criança de 10 anos chamada Ofélia muda-se para a região com sua
mãe. Lá as espera seu novo padrasto, um oficial fascista que luta para
exterminar os guerrilheiros da localidade. Solitária, a menina logo descobre a
amizade de Mercedes, jovem cozinheira da casa, que serve de contato secreto dos
rebeldes.
Certa noite, em seus passeios pelo jardim da imensa
mansão em que moram, Ofelia descobre as ruínas de um labirinto onde se encontra
com um fauno, uma estranha criatura que lhe faz uma incrível revelação: ela é
uma princesa, a última de sua estirpe, aquela que todos passaram muito tempo esperando.
Para poder regressar a seu mágico reino, a garota deverá passar por três provas
antes da lua cheia.
Simultaneamente ao filme, a Intrínseca lançou em
terras brasileiras a sua novelização contendo ilustrações e contos originais. Para
transpor os detalhes das telonas para as páginas, Guillermo Del Toro não esteve
sozinho. Ele chamou e juntou-se com a escritora de livros fantásticos Cornelia
Funke. Ela é mais conhecida pelo seu trabalho na trilogia Mundo de Tinta, na qual contém Coração
de Tinta, Sangue de Tinta e Morte de Tinta. Os dois optaram por não
fugir da narrativa reconhecida e já clássica para alguns, contudo adicionaram
novos pontos a essa trajetória, além de expandir o mundo com contos.
03
– Era uma vez em Hollywood (Quentin Tarantino)
Acredito não passou pela cabeça das muitas pessoas que
assistiram “Era Uma Vez em Hollywwod” que o diretor Quentin Tarantino também
iria se aventurar nos “mares” da literatura, ainda mais... lançando um romance
do seu filme. E, de fato, isso aconteceu.
O livro, publicado no Brasil pela Intrínseca em 2021 –
dois anos depois do filme – explora as facetas inéditas dos personagens Rick
Dalton (Leonardo DiCaprio) e Cliff Booth (Brad Pitt) e a trajetória desses
personagens no universo dos spaghetti westerns.
Em sua novelização, o diretor e agora romancista
bagunça a linha temporal do filme, dando mais tonalidades aos personagens e
expandindo sua sacada de revisar a morte de Sharon Tate pela seita de Charles
Manson.
Lançado em 2019, a produção cinematográfica arrecadou
mais de US$ 370 milhões nas bilheterias ao redor do mundo e venceu dois Oscar
(melhor ator coadjuvante para Pitt e melhor direção de arte) a partir de 10
indicações.
04
– A Forma da Água (Guillermo del Toro e Daniel Kraus)
A Forma da Água tem uma premissa semelhante ao
“Segredo do Abismo”: Nos dois casos, filme e livro foram criados
simultaneamente, não se tratando, portanto, de uma simples novelização. Dessa
maneira, ambos apresentam diferenças entre si. Por isso mesmo, vale muito a
pena assistir ao filme e também ler o livro para analisar essas nuances.
No enredo, um oficial do governo dos Estados Unidos
chamado Richard Strickland é enviado à Amazônia para capturar um ser mítico e
misterioso cujos poderes inimagináveis seriam utilizados para aumentar a potência
militar do país, em plena Guerra Fria. Dezessete meses depois, o homem enfim
retorna à pátria, levando consigo o deus Brânquia, o deus de guelras, um
homem-peixe que representa para Strickland a selvageria, a insipidez, o calor ―
o homem que ele próprio se tornou, e quem detesta ser.
Para Elisa Esposito, uma das faxineiras do centro de
pesquisas para o qual o deus Brânquia é levado, a criatura representa a
esperança, a salvação para sua vida sem graça cercada de silêncio e
invisibilidade. Richard e Elisa travam uma batalha tácita e perigosa. Enquanto
para um o homem-peixe é só objeto a ser dissecado, subjugado e exterminado,
para a outra ele é um amigo, um companheiro que a escuta quando ninguém mais o faz,
alguém cuja existência deve ser preservada.
A narrativa literária revela ao leitor as
particularidades de personagens que não são apresentadas de forma detalhada no
filme intensos. Há vários pontos de vistas de personagens diferentes. Os
leitores acompanham o percurso de todos esses pontos de vistas se desenrolarem
e se entrelaçarem em algum momento da trama e também compreender as suas
motivações. A produção cinematográfica de 2017 levou quatro estatuetas, incluindo
Melhor Filme e Diretor (Guillhermo del Toro).
05
– Instinto Selvagem (Richard Osborne)
Você quer ler um filme? Isso mesmo: ler e não
assistir. Se quiser é só comprar o livro Instinto
Selvagem. A novelização de Richard Osborne é uma cópia fiel do roteiro de
Joe Eszterhas. Não muda absolutamente nada. Quando li o livro, a impressão que
tive foi a de que estava assistindo ao filme através das páginas, sem nenhuma
mudança. Até cruzada de pernas fatal da personagem vivida por Sharon Stone está
nas páginas do romance.
Para aqueles que não se lembram do filme; no enredo,
Sharon Stone vive Catherine Tramell, uma sensualíssima escritora de livros de
mistério, suspeita de matar um famoso cantor de rock. Além de ser amante da
vítima, seu assassinato é idêntico a um crime que ela descreve em um de seus livros.
O policial encarregado do caso é Nick Curran (Michael Douglas), que não resiste
à beleza e ao poder de manipulação da moça e acaba se envolvendo com ela.
Porém, mortes continuam a acontecer e tudo indica que Nick será a próxima
vítima. Mas ele está atraído demais por Catherine para se manter longe dela.
Apesar da crítica negativa, “Instinto Selvagem” (Basic
Instinct) tornou-se um dos filmes de maior sucesso financeiro dos anos 90,
arrecadando US$352 milhões em todo o mundo. Quanto ao livro, por ser um simples
copião do filme passou despercebido.
06
– Interestelar (Christopher Nolan, Jonathan Nolan e Greg Keyes)
Além de Instinto
Selvagem, quer outro exemplo de novelização que adaptou ao pé da letra o
roteiro de um filme? Anote aí: Interestelar
de Christopher Nolan que fez um grande sucesso nos cinemas em 2014.
São 268 páginas de puro filme. A obra literária
escrita a três mãos pelo diretor Christopher Nolan, seu irmão Jonathan Nolan e
o autor Greg Keyes foi publicado há quase dois anos depois do filme.
Para quem não assistiu a produção nos cinemas (e, por
consequência, perdeu um show visual), Interstellar acompanha a história de
Cooper, um ex-piloto da NASA que é convocado em uma missão espacial secreta
para encontrar outros planetas para perpetuar a vida humana. Com a Terra no
limite de sua reserva natural, uma saída precisa ser encontrada.
Acontece que essa missão, graças a relatividade do
tempo, pode significar décadas no espaço, sem que os astronautas vejam suas
famílias. Enquanto Cooper atravessa o espaço e procura buracos de minhoca para
fazer a travessia para outras galáxias com sua equipe, sua filha mais nova,
Murph, cresce e também se envolve com a NASA para encontrar uma forma de ajudar
a salvar a população.
Taí galera, dúvida cruel não é mesmo? Filme ou
novelização? No meu caso, eu ainda prefiro o caminho inverso, ou seja, livros
que viraram filme e não filmes que viraram livros.
Inté!
2 comentários
Nossa! Alguns desses eu nem sabia que tinha livro! Assisti alguns mas nunca li nenhum dos livros.
ResponderExcluirMesmo não sendo fã de novelizações; dessa lista recomendo "O Segredo do Abismo", muito bom.
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