O segredo do abismo

30 julho 2011
Capa do livro de Orson Scott Card
Nunca pensei que um dia iria elogiar a novelização de um filme. Aqueles que acompanham o blog sabem da minha ojeriza por esse tipo de literatura, a qual reputo da mais baixa qualidade, escrita por “autores caça-níqueis”. Estes pseudo-escritores são capazes de escrever, ou melhor, “chupar” a história de um roteiro cinematográfico para as páginas do seu livro em poucos dias. Depois disso, só resta encher os bolsos de dinheiro, porque, infelizmente essas porcarias acabam vendendo e bem...
O dilema do escritor que adapta um filme para um livro é que a história já existe. Outra pessoa escreveu. Portanto, o escritor não passa de um mero tradutor.
Pronto! Fui desabafando e acabei dando uma divagada deixando de lado o tema proposto para esse post que é o livro “O Segredo do Abismo”, de Orson Scott Card, que achei “divinamente” fantástico. Verdade! Acabei de afirmar para quem quiser ver que achei a novelização de um filme espetacular. Meu Deus! Isso é incrível!
Após ler o livro, passei horas e horas pesquisando na Internet detalhes sobre o trabalho de Card e então entendi o porque do sucesso de sua novelização. O primeiro ponto que considerei decisivo para o êxito do livro foi a declarada aversão que Orson Socott Card tem contra as novelizações. Êpa! Mas espera aí? O sujeito tem aversão por esse tipo de trabalho, mas acaba fazendo algo semelhante?! Ok. Vou tentar explicar. Card relutou muito em aceitar escrever a novelização do blockbuster “O Segredo do Abismo”. James Cameron, o diretor do filme, teve de intervir pessoalmente nas negociações e chegou a manter vários encontros com o escritor na esperança de convencê-lo a mudar de idéia, mas ele estava irredutível: “novelização jamais”, dizia.
Acontece que o diretor James Cameron queria uma novelização de seu filme de qualquer jeito e não abria mão de Scott Card para escrevê-la. Seria ele ou ele. O respeito e a simpatia de Cameron pelo trabalho do escritor de ficção científica norte-americano surgiu depois que ele leu “O Jogo do Exterminador” e “Orador dos Mortos, diga-se de passagem, duas obras primas da literatura de ficção científica. Depois disso, o conhecido diretor de Hollywood se tornou um fã confesso de Scott Card. Assim, ao surgir a idéia de fazer uma novelização de “O Segredo do Abismo”, em 1989, Cameron tentou de todas as formas seduzir o escritor de “O Jogo do Exterminador”.
Scott Card só aceitou escrever o livro do filme depois que várias de suas exigências foram aceitas. Primeira delas: que ele tivesse liberdade total para desenvolver a "novelização" da maneira que achasse melhor. E diga-se que esse “da maneira que achasse melhor” significava mudar destino de personagens, acrescentar detalhes extras no final da história, além de incluir fatos e explicações impossíveis apresentar no filme. E pediu mais! Ter acesso irrestrito as filmagens enquanto escrevia o livro. Isto deixou evidente que Scott Card exigiu escrever o livro ao mesmo tempo em que o filme “O Segredo do Abismo” era rodado, porque só assim livro e filme seriam lançados juntos. Enfim, para aceitar escrever um livro sobre um filme, o escritor fez um “caminhão” de exigências. E todas elas foram aceitas por James Cameron e também pelos produtores da 20th Century Fox.. Pronto! Está explicado porque a novelização de “O Segredo do Abismo” se transformou num verdadeiro sucesso de crítica e leitores.
Filme e livro contam a história de uma equipe de mergulhadores que trabalham numa plataforma civil de exploração de petróleo. De repente, eles se vêem envolvidos em uma missão de resgate do submarino nuclear Montana que afundou misteriosamente com 156 tripulantes e, após o ocorrido, não houve mais contato. A plataforma é usada para a operação que visa resgatar a tripulação do Montana, pois apesar de saberem onde está o submarino, um furacão se aproxima e, assim, a Marinha não teria tempo hábil de chegar ao local. Com isso, a equipe da plataforma se torna a melhor opção para realizar o salvamento, ficando acertado que o tenente Coffey supervisionará as operações. Entretanto, Buddy Brigman, um mergulhador que chefia a plataforma, diz aos militares responsáveis pela operação que a sua equipe não foi treinada para esse tipo de serviço e se posiciona contra os seus superiores. Mesmo assim, todos da plataforma acabam sendo obrigados a trabalhar nessa missão, colocando as suas vidas em risco. O que eles não sabem é que o fundo do mar guarda um segredo assustador e surpreendente que mudará a vida de todos.
Cena do filme de James Cameron
Li o livro de Scott Card e posso garantir que é bem mais interessante do que o filme, a começar pelos personagens; passando pelas cenas de ação e terminando com a emoção e dramaticidade final, quando os personagens após passarem por tantos perigos acabam por descobrir qual é o segredo do abismo.
Algo que o filme não mostra, mas que é explorado à exaustão no livro é o desenvolvimento do trio de personagens principais: Buddy (mergulhador e chefe da plataforma), Lindsey (projetista da plataforma de exploração conhecida por Deepcore ) e Coffey (Seal que é enviado à plataforma para coordenar o trabalho de resgate da tripulação do submarino Montana). O autor do livro caprichou e fez um trabalho perfeito na composição do trio central de personagens do romance.  Os leitores tem a oportunidade de conhecer a infância, adolescência e a fase adulta dos três. Os conflitos familiares que acabaram moldando a personalidade de alguns, para melhor ou para pior; enfim, depois dos três primeiros capítulos, já estava familizarizado com Budy, Lindsey e Coffet, conhecendo as suas virtudes,  fraquezas e defeitos.
O autor esclarece o que levou Budy a se tornar um mergulhador profissional de alta profundidade, logo ele, que na infância quase morreu afogado enquanto brincava na praia, passando a carregar um grande trauma na sua fase pré-adolescente. Tomamos conhecimento, ainda,  que esse fato viria a marcar para sempre a família de Buddy, já que uma pessoa por demais querida acabou perdendo a vida para salvar o garoto. Com um estilo ágil e nada cansativo, o escritor nos mostra também o início do relacionamento entre Budy e Lindsey; como eles se conheceram e se apaixonaram. O que levaria duas pessoas com personalidades tão distintas a se casarem? E quanto ao divórcio? Qual foi o fator preponderante para isso? Orson Scott Card dá detalhes dessas passagens na vida do personagem.
Quanto a Lindsey, considerada uma das engenheiras mais respeitadas do mundo e considerada a “mãe” da plataforma Deep Core, ficamos sabendo de sua infância sofrida por causa da rejeição da mãe que sempre deu mais atenção para as outras filhas. Lindsey era tida como uma criança estranha e esquisita que não gostava de bonecas, balé e de brincar com outras meninas de sua idade. O seu principal passatempo era montar quebra cabeças ou então gerir jogos táticos, já antecedendo o seu futuro brilhante na área da engenharia submarina. A relação conflituosa entre ela e Buddy, enquanto casados, também é mostrada em detalhes pelo autor.
Já, Hiram Coffey teve uma infância nada agradável. Foi abandonado pelo pai e viveu para proteger a mãe, até o momento em que ela se casou com um homem que não podia ver o pequeno Coffey em sua frente. Sua infância pobre e cheia de humilhações contribuiu para transformá-lo no mais perfeito e implacável dos SEALs, a elite da elite das Forças Armadas Americanas. Um assassino oficial, frio e cruel; capaz de passar por cima de tudo e de todos pelo seu País.
“O Segredo do Abismo” gira, basicamente, em torno desses três personagens e das situações vividas por eles. Scott Card criou personagens tão complexos e completos que acabou influenciando na produção do filme de James Cameron.
Ao ler os três primeiros capítulos do livro que apresentava Buddy, Lindsey e Coffey; o diretor Cameron ficou tão impressionado que decidiu entregá-los aos atores Ed Harris, Mary Elizabeth Mastrantonio e Michael Biehn, no intuito de ajudá-los na composição de seus personagens.
A cena em que Buddy, ao explorar um abismo oceânico,  decide utilizar um fluido respiratório para altas profundidades é uma jóia rara para o leitor, principalmente para aquele que é bem detalhista. Enquanto no filme, é dada uma explicação  mais do que rápida sobre o fluido que permite ao mergulhador respirar líquido normalmente e assim poder atingir profundidades marinhas jamais imaginadas pelo homem, no livro, o autor é meticuloso ao comentar sobre a descoberta do fluido pela marinha norte-americana e também das primeiras experiências com roedores e seres humanos. Tomamos conhecimento, por exemplo, que as experiências com roedores envolvendo o fluido conhecido por “Deep Suit” começaram na década de 60, mas foi somente em 1973 que um pesquisador da marinha americana, pela primeira vez, conseguiu que um ser humano respirasse dentro do líquido – uma solução salina oxigenada hiperbaricamente - testada em apenas um pulmão, uma vez que, se uma experiência com os dois pulmões fracassasse, certamente a cobaia morreria. Scott Card deixa claro em seu romance que tal fluido existe e é utilizado pela marinha americana em mergulhos sigilosos de alta profundidade.
A descoberta do segredo que está guardado há tempos no abismo explorado por Buddy faz com que o leitor reveja todos os seus conceitos que foram sendo formados durante a leitura do romance. Outro momento que vale à pena ser registrado, tanto no livro quanto no filme, é a hora em que Buddy – utilizando o Deep Suit – decide explorar o abismo oceânico onde o submarino caiu. Sacott Card e Cameron registram através das páginas e das telas a tensão da descida do mergulhador. Num determinado trecho, devido a profundeza do abismo que parece não ter fim, Buddy chega a conclusão que a sua viagem é apenas de ida, já que não tem oxigênio suficiente para retornar. É neste instante que é revelado o segredo do abismo. Algo, como eu já escrevi, que irá mudar todos os conceitos do leitor formados ao longo do romance.
É isso aí! Leiam, porque vale a pena!

4 comentários

  1. Muito bom o post! Assiti ontem à versão completa do filme e adorei! Não vejo a hora de ler o livro.

    ResponderExcluir
  2. Obrigado Tati! Tenho certeza que o livro de Orson Scott Card também irá lhe agradar muito.
    Abcs,

    ResponderExcluir
  3. Comentário mais que atrasado para este post, que só li agora...
    Mas confesso que também não sou fã de novelizações, não vejo motivo para existirem.
    E já vi diversos posts em que você comenta isso mesmo.
    Mas tantas vezes que esse filme passou na televisão quando eu era mais nova e, pasme, eu nunca vi! Agora estou super curiosa! E para ler o livro também!
    Estou lendo atualmente o livro "Esfera", do Michael Crichton, cuja resenha também li aqui no blog. A-M-A-N-D-O! Que tensão absurda! Sinto uma claustrofobia total!
    Mas vou procurar ler essa novelização depois...

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Olá Samantha,
      O livro de Scott Card foge da mesmice das novelizações. Gostei muito da obra, bem mais do que o filme de Cameron. Acredito que irá gostar da obra.
      Abcs!]

      Excluir

Instagram