Vozes do Joelma

08 outubro 2022

 

Vozes do Joelma é um bom livro. Apenas isso. Não pense que os contos que fazem parte da obra terão a capacidade ou o poder de curá-lo de uma “depressão pós livro”, mais conhecida por DPL. Não. Melhor não ter essa esperança.

Na minha opinião, alguns contos poderiam ser menos apelativos no que diz respeito ao sobrenatural. Até teriam como explorar essa vertente, mas com uma ênfase maior para o chamado ‘terror psicológico’. Acredito que essa linha narrativa casaria melhor com um fato real (Etchaa abuso do pleonasmo! Se é um fato, só pode ser real, né? – rs), ou seja, com o incêndio do edifício Joelma que ocorreu em 1º de fevereiro de 1974 e deixou quase 200 mortos e mais de 300 feridos

Este foi um dos detalhes que fez com que eu gostasse mais dos contos de Marcos DeBrito e Victor Bonini que souberam dosar elementos sobrenaturais com parcimônia dentro de um contexto real. Eles foram mais sutis do que Marcus Barcelos e Rodrigo de Oliveira em Nos deixem queimar e Os treze. Não estou dizendo que os contos desses dois últimos autores são ruins, apenas que os zumbis que surgem para arrastar uma alma para o inferno e os fantasmas que saem de suas covas para assustar um coveiro, fez com que o contexto romanceado do incêndio do Joelma perdesse, em algumas partes, a sua aura de interesse.

Um outro detalhe. Não querendo ser chato ou desagradável, mas achei desnecessária a apresentação dos contos. Explico melhor: Cada um dos quatro contos é apresentado por um ser sobrenatural ambíguo. Ele pode ser o diabo, um espírito do mal perdido no limbo, um... sei lá; qualquer coisa relacionada ao mal. Este ser sobrenatural apresenta – de maneira nebulosa – os motivos que levam os personagens dos contos a tomaram atitudes precipitadas e que por sua vez geram sérias consequências. Confesso que pulei duas dessas apresentações que achei dispensáveis. Quanto as outras duas, “li no pau”, tipo leitura dinâmica e só. Parti logo para os contos.

Os mortos não perdoam de Marcos DeBrito – dos excelentes À Sombra da Lua e O Escravo de Capela – é a história que abre a coletânea. Nela o autor mescla realidade e ficção. Ele fala sobre um notório caso de assassinato ocorrido no Brasil em 1948, na cidade de São Paulo e que ficou conhecido como o “Crime do Poço”, um crime que chocou pela frieza e banalidade do motivo pelo qual levou um professor da USP matar suas irmãs e sua mãe e enterra-las no poço que existia no quintal de casa. Esse endereço, mais tarde, viria ser do Edifício Joelma.

O crime foi cometido pelo jovem químico professor assistente da Universidade de São Paulo, Paulo Ferreira de Camargo, 26 anos, contra a sua mãe Benedita Ferreira de Camargo, 56 anos, e as suas irmãs Maria Antonieta, 23 anos, e Cordélia, 19 anos.

DeBrito deu uma vibe policial ao seu conto temperando-o com doses homeopáticas de sobrenatural que ficaram restritas aos delírios do personagem onde ele imagina ver os fantasmas de sua mãe e irmãs vagando pela casa.

O autor optou por dar ênfase ao relacionamento tóxico do professor da USP (que no conto deixa de ser um docente para se transformar num laboratorista, auxiliar de um professor da USP) com os seus familiares o que acabou motivando o crime. Explica também os detalhes da preparação do crime, todos os passos seguidos pelo assassino. Gostei muito da história. Fica aqui a dica para que os curiosos não leiam antes na Internet os detalhes do “Crime do Poço” pois eles serviriam como spoilers para o conto de DeBrito.

A segunda narrativa, Nos deixem queimar, de Rodrigo de Oliveira se passa no interior do Joelma. A história explica de maneira fictícia o que originou a faísca que culminou com o incêndio no edifício. Nele, conheceremos Samara, uma profissional ambiciosa que trabalha numa conceituada instituição financeira com sede no Joelma. Ela é vista como competitiva demais por seus colegas de trabalho e tem uma personalidade forte. Samara acaba descobrindo um segredo supostamente sujo que o seu chefe, Gabriel carrega numa maleta, e usa esse segredo para tomar o seu lugar na empresa. Dessa forma, Gabriel é obrigado a fugir e acaba sofrendo um acidente. Aquando Samara vê o caminho livre para consumar a sua ambição, buummmm!! Vem a tragédia.  O final do conto – quando Samara descobre o que havia dentro da maleta de Gabriel – o leitor é brindado com uma reviravolta surpreendente.

Uma história que prende bastante, mas que fica descaracterizada a partir do momento que aparecem os tais zumbis dos mortos. Achei o “The End” de Nos deixem queimar muito surreal, “coisa” do tipo “Arraste-me para o inferno” de Sam Raimi que fez um relativo sucesso nos cinemas em 2009. Ukê é aquilo meu!!!!

Marcus Barcelos é o autor do penúltimo conto do livro. O plot da narrativa é bem interessante e tinha tudo para fisgar o leitor, mas infelizmente, no decorrer do enredo entram alguns zumbis, monstros, almas penadas sei lá o que são aquelas ‘coisas’, e entonce...

Quando comecei a Os Treze pensei que o autor iria transformar essas 13 almas do Joelma nos personagens centrais da história, mesmo que de maneira fictícia. Mas no final, elas não passaram de meras coadjuvantes e diga-se de passagem, coadjuvantes ao extremo.

Para aqueles que não estão tão familiarizados com a tragédia que ocorreu em fevereiro de 1974, essas treze almas tem uma história real. Durante o incêndio, nos escombros do Joelma foram encontradas treze pessoas que tentaram escapar por um elevador, mas não foram bem sucedidas. Seus corpos, não sendo possível de serem identificados foram sepultados em uma mesma ala no Cemitério São Pedro com a lápide “As Treze Almas”. Tempos depois, um zelador e alguns visitantes do local alegaram ouvir gritos vindos dos túmulos. A solução encontrada por eles foi jogar água nas covas, no intuito de apagar o fogo do incêndio no qual eles morreram. Para “aliviar a dor dos mortos”, eles jogaram água nos túmulos (já que as pessoas morreram queimadas) e os gritos cessaram. O cemitério atrai devotos que dizem ter recebido graças das tais almas, por isso, costumam deixar copos de água em cima das sepulturas.

Concordam que esse plot daria um conto da hora? Um contaço? Pois é, mas ao final, Barcelos preferiu apostar num outro protagonista e deixar a essas treze almas apenas a missão de coadjuvar; e quando elas aparecem chegam na forma de zumbis ou sei lá o que era aquilo.

Vozes do Joelma termina com O Homem na Escada, um outro conto com vibe policial e que deixa zumbis e surrealismo de lado. Talvez, algumas pessoas que leram o livro não concordem comigo e afirmem que o tal homem que misteriosamente aparece nas escadas do Joelma - após o incêndio - causando algumas tragédias, seja algo real; mas o vi apenas como fruto da imaginação de Solange, tipo um personagem criado em sua mente perturbada para justificar os seus atos nada convencionais.

Gostei da história. Pretendo ler outros livros do autor.

Enfim galera, é isso aí. Vozes do Joelma é uma boa leitura, mas se quiserem sair de uma DPL escolham um outro livro.

Um comentário

  1. Olá amigo Atas. Você e suas indicações certeiras. Elas valem ouro. Lembra que foi você que me indicou "O Escravo de Capela" e se não me engano, À Sombra da Lua? Duas joias raras! Continue com as suas dicas; eu agradeço (rs), Já inclui o livro de Rosa Amanda Strausz em minha lista.
    Grande abraço!

    ResponderExcluir

Instagram