Vozes
do Joelma é um bom livro. Apenas isso. Não pense que os contos
que fazem parte da obra terão a capacidade ou o poder de curá-lo de uma
“depressão pós livro”, mais conhecida por DPL. Não. Melhor não ter essa
esperança.
Na minha opinião, alguns contos poderiam ser menos
apelativos no que diz respeito ao sobrenatural. Até teriam como explorar essa
vertente, mas com uma ênfase maior para o chamado ‘terror psicológico’.
Acredito que essa linha narrativa casaria melhor com um fato real (Etchaa abuso
do pleonasmo! Se é um fato, só pode ser real, né? – rs), ou seja, com o
incêndio do edifício Joelma que ocorreu em 1º de fevereiro de 1974 e deixou
quase 200 mortos e mais de 300 feridos
Este foi um dos detalhes que fez com que eu gostasse
mais dos contos de Marcos DeBrito e Victor Bonini que souberam dosar elementos
sobrenaturais com parcimônia dentro de um contexto real. Eles foram mais sutis
do que Marcus Barcelos e Rodrigo de Oliveira em Nos deixem queimar e Os treze.
Não estou dizendo que os contos desses dois últimos autores são ruins, apenas
que os zumbis que surgem para arrastar uma alma para o inferno e os fantasmas
que saem de suas covas para assustar um coveiro, fez com que o contexto
romanceado do incêndio do Joelma perdesse, em algumas partes, a sua aura de
interesse.
Um outro detalhe. Não querendo ser chato ou
desagradável, mas achei desnecessária a apresentação dos contos. Explico
melhor: Cada um dos quatro contos é apresentado por um ser sobrenatural
ambíguo. Ele pode ser o diabo, um espírito do mal perdido no limbo, um... sei
lá; qualquer coisa relacionada ao mal. Este ser sobrenatural apresenta – de
maneira nebulosa – os motivos que levam os personagens dos contos a tomaram
atitudes precipitadas e que por sua vez geram sérias consequências. Confesso
que pulei duas dessas apresentações que achei dispensáveis. Quanto as outras
duas, “li no pau”, tipo leitura dinâmica e só. Parti logo para os contos.
Os
mortos não perdoam de Marcos DeBrito – dos excelentes À Sombra da Lua e O Escravo de Capela – é a história que abre a coletânea. Nela o
autor mescla realidade e ficção. Ele fala sobre um notório caso de assassinato
ocorrido no Brasil em 1948, na cidade de São Paulo e que ficou conhecido como o
“Crime do Poço”, um crime que chocou pela frieza e banalidade do motivo pelo
qual levou um professor da USP matar suas irmãs e sua mãe e enterra-las no poço
que existia no quintal de casa. Esse endereço, mais tarde, viria ser do
Edifício Joelma.
O crime foi cometido pelo jovem químico professor
assistente da Universidade de São Paulo, Paulo Ferreira de Camargo, 26 anos,
contra a sua mãe Benedita Ferreira de Camargo, 56 anos, e as suas irmãs Maria
Antonieta, 23 anos, e Cordélia, 19 anos.
DeBrito deu uma vibe policial ao seu conto
temperando-o com doses homeopáticas de sobrenatural que ficaram restritas aos
delírios do personagem onde ele imagina ver os fantasmas de sua mãe e irmãs
vagando pela casa.
O autor optou por dar ênfase ao relacionamento tóxico
do professor da USP (que no conto deixa de ser um docente para se transformar
num laboratorista, auxiliar de um professor da USP) com os seus familiares o
que acabou motivando o crime. Explica também os detalhes da preparação do
crime, todos os passos seguidos pelo assassino. Gostei muito da história. Fica
aqui a dica para que os curiosos não leiam antes na Internet os detalhes do
“Crime do Poço” pois eles serviriam como spoilers para o conto de DeBrito.
A segunda narrativa, Nos
deixem queimar, de Rodrigo de Oliveira se passa no
interior do Joelma. A história explica de maneira fictícia o que originou a
faísca que culminou com o incêndio no edifício. Nele, conheceremos Samara, uma
profissional ambiciosa que trabalha numa conceituada instituição financeira com
sede no Joelma. Ela é vista como competitiva demais por seus colegas de
trabalho e tem uma personalidade forte. Samara acaba descobrindo um segredo
supostamente sujo que o seu chefe, Gabriel carrega numa maleta, e usa esse
segredo para tomar o seu lugar na empresa. Dessa forma, Gabriel é obrigado a
fugir e acaba sofrendo um acidente. Aquando Samara vê o caminho livre para
consumar a sua ambição, buummmm!! Vem a tragédia. O final do conto – quando Samara descobre o
que havia dentro da maleta de Gabriel – o leitor é brindado com uma reviravolta
surpreendente.
Uma história que prende bastante, mas que fica
descaracterizada a partir do momento que aparecem os tais zumbis dos mortos.
Achei o “The End” de Nos deixem queimar
muito surreal, “coisa” do tipo “Arraste-me para o inferno” de Sam Raimi que fez
um relativo sucesso nos cinemas em 2009. Ukê é aquilo meu!!!!
Marcus Barcelos é o autor do penúltimo conto do livro.
O plot da narrativa é bem interessante e tinha tudo para fisgar o leitor, mas
infelizmente, no decorrer do enredo entram alguns zumbis, monstros, almas
penadas sei lá o que são aquelas ‘coisas’, e entonce...
Quando comecei a Os
Treze pensei que o autor iria transformar essas 13 almas do Joelma nos
personagens centrais da história, mesmo que de maneira fictícia. Mas no final,
elas não passaram de meras coadjuvantes e diga-se de passagem, coadjuvantes ao
extremo.
Para aqueles que não estão tão familiarizados com a
tragédia que ocorreu em fevereiro de 1974, essas treze almas tem uma história
real. Durante o incêndio, nos escombros do Joelma foram encontradas treze
pessoas que tentaram escapar por um elevador, mas não foram bem sucedidas. Seus
corpos, não sendo possível de serem identificados foram sepultados em uma mesma
ala no Cemitério São Pedro com a lápide “As Treze Almas”. Tempos depois, um
zelador e alguns visitantes do local alegaram ouvir gritos vindos dos túmulos.
A solução encontrada por eles foi jogar água nas covas, no intuito de apagar o
fogo do incêndio no qual eles morreram. Para “aliviar a dor dos mortos”, eles
jogaram água nos túmulos (já que as pessoas morreram queimadas) e os gritos
cessaram. O cemitério atrai devotos que dizem ter recebido graças das tais
almas, por isso, costumam deixar copos de água em cima das sepulturas.
Concordam que esse plot daria um conto da hora? Um
contaço? Pois é, mas ao final, Barcelos preferiu apostar num outro protagonista
e deixar a essas treze almas apenas a missão de coadjuvar; e quando elas
aparecem chegam na forma de zumbis ou sei lá o que era aquilo.
Vozes
do Joelma termina com O
Homem na Escada, um outro conto com vibe policial e que deixa zumbis e
surrealismo de lado. Talvez, algumas pessoas que leram o livro não concordem
comigo e afirmem que o tal homem que misteriosamente aparece nas escadas do
Joelma - após o incêndio - causando algumas tragédias, seja algo real; mas o vi
apenas como fruto da imaginação de Solange, tipo um personagem criado em sua
mente perturbada para justificar os seus atos nada convencionais.
Gostei da história. Pretendo ler outros livros do
autor.
Enfim galera, é isso aí. Vozes do Joelma é uma boa leitura, mas se quiserem sair de uma DPL
escolham um outro livro.
Um comentário
Olá amigo Atas. Você e suas indicações certeiras. Elas valem ouro. Lembra que foi você que me indicou "O Escravo de Capela" e se não me engano, À Sombra da Lua? Duas joias raras! Continue com as suas dicas; eu agradeço (rs), Já inclui o livro de Rosa Amanda Strausz em minha lista.
ResponderExcluirGrande abraço!