Não tenho como negar que no começo foi muito difícil
me conectar com o estilo narrativo de Philip K. Dick. Só fui... como posso
dizer... acho que o termo correto é “plugar”. Isso mesmo, só pluguei a partir
do início do segundo conto. Juro que estava para desistir da leitura logo de
cara, ao ler a história que serviu de base para a adaptação cinematográfica de
“O Vingador do Futuro” que se transformou num dos maiores sucessos de toda
carreira do brucutu Arnold Schwarzenegger. Depois, a leitura saiu do “modo
espera” e foi engrenando aos poucos; como aqueles carros que que fazem os seus
donos suarem sangue para pegar no tranco, mas depois que pegam, andam sem
nenhum problema, na ‘maciota’.
Por isso, já alerto os leitores dessa postagem que não
estão acostumados com o estilo de K. Dick para que se preparem, pois poderão
sentir a mesma sensação que eu tive. O conselho é para que não desistam, pois
os contos apesar seguirem a chamada linha “Dickniana” são muito bons.
E como posso definir essa linha que apelidei por conta
própria de “Dickniana”. Cara... olha é complicado, mas vou tentar expor o que
eu senti ao ler as histórias de Dick; vamos lá. O início das narrativas é uma
“bagunça só”. Jesus, o que é aquilo! São personagens mal aproveitados, pontas
soltas no enredo, argumentos confusos, plots bobos e etc, mais etc. Tanto é
verdade que ao começar a ler Realidades
Adaptadas tive a impressão de que o autor estava chapado enquanto escrevia
aqueles contos. E não é que eu estava certo! Depois que li o livro fiquei
sabendo que as loucura das páginas de Dick eram, de fato, um reflexo da mente conturbada
do escritor. Diagnosticado com doenças mentais e transtornos diversos como
agorafobia e paranoia, Dick não procurava acalmar a mente. Ao contrário. Escreveu
a maioria de suas obras sob o efeito de metanfetamina, uma droga potente e
viciante que conduz ao aparecimento de comportamentos psicóticos, além de
outros transtornos mentais como depressão. Além das drogas, o autor teve cinco
casamentos difíceis o que o fez se afundar ainda mais na dependência das
metanfetaminas. Resultado: internação em clinicas de reabilitação e algumas
tentativas de suicídio.
Acredito que o futuro sempre sombrio existente em suas
histórias foi o fruto desse período em que Dick estava loucaço. Suas narrativas
tem uma aura bem deprê que serve de pano de fundo para enredos que misturam
ficção científica e thriller policial sempre colocando em dúvida o que é e o
que não é real.
Mas toda essa coisa louca e sem sentido que, quase
sempre, rolam nos contos de Dick vão se esclarecendo aos poucos, ou seja, as
pontas soltas iniciais vão se amarrando com o desenrolar da narrativa até à
conclusão genial capaz de deixar os leitores, à princípio, decepcionados com a
história, com aquele Ohhhhhhh!!! de surpresa na boca. Resultado: se no início,
eles excomungavam a história, no final, eles passam a amá-la. Bem, acho que é
isso. Não sei se consegui explicar a essência das histórias escritas pelo
autor. Realidades Adaptadas deixa
muito evidente esse ponto de vista.
O livro com pouco mais de 300 páginas traz sete contos
conhecidos do autor que foram adaptados para o cinema, tornando-se filmes
conhecidos, alguns deles grandes sucessos de bilheteria como “O Vingador do
Futuro” e “Minority Report – A Nova Lei”.
Se você, infelizmente, é aquele tipo de leitor que traz
pronta na boca a frase infame: “Como já assisti ao filme não vou perder tempo
lendo o livro”, pode mudar esse conceito, pelo menos com Realidades Adaptadas, lançada pela editora Aleph. Os contos são
infinitamente diferentes dos filmes, mas diferentes ao extremo. Na minha
opinião, o único que se aproximou um pouco mais da produção cinematográfica foi
“O Pagamento” que pintou nas telas em 2003 numa superprodução de John Woo com
Ben Affleck e Uma Thurman nos papéis principais.
Confiram um pequeno resumo dos contos:
01
– Lembrando para você a preço de atacado
Adaptação
para cinema: O Vingador do Futuro
Muito, mas absurdamente diferente do filme “O Vingador
do Futuro” de 1990 com Arnold Schwarzenegger e mais diferente ainda do que o
remake de 2012 com Colin Farrell.
Neste conto escrito em 1966, Douglas Quail é um
escriturário que sonha em viajar para Marte, algo um tanto fora de suas
condições financeiras. A solução é a Recordar S.A., empresa que presta serviços
de implantes de memória, criando lembranças vívidas de eventos que não
aconteceram de fato. Ao procurar esse atendimento, Quail tem a surpresa de que
já existem memórias reprimidas em sua mente sobre uma estadia em Marte, o que
gera uma série de problemas e questionamentos sobre o que é realmente fato ou
invenção.
02
– Segunda Variedade
Adaptação
para cinema: Screamers – Assassinos Cibernéticos
O filme “Screamers – Assassinos Cibernéticos” foi
lançado em 1995 e dirigido pelo canadense Christian Duguay que cinco anos
depois faria o excelente “A Cilada” com Wesley Snipes, que muitos reputam como
o melhor filme tanto do diretor como do ator. Quanto a “Screamers – Assassinos
Cibernéticos”, apesar de ter recebido elogios da crítica, fracassou nos cinemas.
Uma pena, porque o filme é bom, apesar de ser muito diferente do conto no qual
foi inspirado.
Mas vamos ao resumo da história escrita por Dick.
Gostei muito dessa narrativa, apesar de ter descoberto o seu plot twist final ainda
no meio o conto.
Em Segunda
Variedade, esqueça os robôs bonzinhos de Isaac Asimov que seguem fielmente
as leis da robótica. Aqui, quem domina o enredo são máquinas cruéis e
sanguinárias. O homem utiliza estas máquinas para exterminar outros homens de
forma eficiente. E a estratégia que estas máquinas adotam durante a história é
covarde e cruel.
A história se passa em uma realidade distópica, em que
dois blocos, um liderado pelos Estados unidos e outro pela Rússia, estão em uma
guerra de consequências mundiais. A Rússia, por ter tomado a iniciativa, começa
em vantagem, obrigando inclusive o governo e os civis americanos a
refugiarem-se na lua. Quando tudo parece perdido para os Estados unidos, o país
cria uma nova arma que muda o rumo do confronto: os tais robôs assassinos.
03
– Impostor
Adaptação
para cinema: Impostor
Vou me abster de opinar sobre o filme lançado em 2001
já que não tive a oportunidade de assisti-lo, mas quanto ao conto, achei “da
hora”, bom mesmo. Dick põe em cheque a chamada crise ou mesmo perda de
identidade do personagem frente ao fato de ter certeza de suas próprias
memórias, mas carregando a dúvida: “serei eu um robô?”.
Este conto foi escrito em 1953 e narra a saga do
personagem Spence Olham, um cientista especialista em armas trabalhando para o
governo terrestre que tenta deter uma invasão dos alienígenas de Alfa Centauro.
Sua vida sofre uma reviravolta quando é acusado pela polícia secreta, liderada
pelo Major Hathaway, de ser um impostor - um clone cibernético perfeito do
verdadeiro Spencer Olham com uma bomba interna a ser usada para matar uma alta
autoridade do governo. Spencer não acredita ser um clone e consegue fugir das
instalações. Agora, ele tem que provar que não é um robô. Final surpresa.
04
– O Relatório Minoritário
Adaptação
para cinema: Minority Report – A Nova Lei
O conto de Dick escrito em 1956 deu origem a um dos
filmes mais elogiados do astro Tom Cruise. “Minority Report – A Nova Lei”
passou nos cinemas em 2002 e fez muito sucesso. O roteirista Scott Frank, o
mesmo de “O Nome do Jogo” e “Marley e Eu” usou poucos elementos do conto para o
filme dirigido por Steven Spielberg.
Na história escrita por Dick, Anderton (interpretado por
Tom Cruise nas telonas) é um policial fundador da Pré-Crime, agência do governo
que consegue, por meio de previsões de três precogs, antecipar futuros crimes e
prender os “infratores”. No dia em que seu novo e ambicioso assistente chega ao
departamento, porém, um relatório majoritário é expedido com o nome de
Anderton, prevendo um assassinato. Em dúvida se a acusação foi forjada ou um
erro do sistema, Anderton tem apenas uma certeza: sua salvação está no
relatório minoritário.
Este foi o conto que menos gostei do livro.
Sinceramente, não me empolgou. Etchaaa!! Bem complicadinho e além de tudo
parado. Não empolgou mesmo. Nunca pensei que um dia faria essa afirmação, mas
nesse caso vá lá: “prefiro o filme ao conto”. Putz, fiquei com peso de
consciência pela afirmação (rs).
05
– O Pagamento
Adaptação
para cinema: O Pagamento
Conto e filmaço ‘dez’. Bom mesmo. O filme só sairia
depois de um hiato de 50 anos. Isso mesmo, Dick escreveu O Pagamento em 1953 e a sua história só iria parar nas telonas em
2003.
No conto, o personagem Jennings acaba de acordar. Dois
anos atrás, ele fora contratado pela Construtora Rethrick como técnico e teve
sua memória apagada para não revelar detalhes da operação. Tudo em troca de um
bom pagamento, é claro. Ao chegar a Nova York, porém, é recompensado apenas com
sete bugigangas, entre elas uma chave e uma metade de ficha de pôquer.
Sentindo-se traído, Jennings só pensa em se vingar descobrindo a causa secreta
pela qual trabalhou, enquanto a polícia o persegue pelo mesmo segredo. Como já
escrevi no início desse post, o filme homônimo de 2003, dirigido por John Woo,
teve Ben Affleck e Uma Thurman como protagonistas. Achei a química dos dois
atores perfeita, contribuiu muito para o sucesso da produção.
06
– O Homem Dourado
Adaptação
para cinema: O Vidente
Talvez, alguns cinéfilos não concordem comigo, mas “O
Vidente” com Nicolas Cage, Julianne Moore e Jessica Biel pode ser considerado
um dos melhores filmes de suspense e ação dos últimos tempos. Com certeza, devo
estar sendo massacrado, nesse momento, por alguns críticos de cinema que leem
essa postagem já que a grande maioria considerara a produção de Cage uma bomba.
Só posso dizer: não penso assim. No meu caso, adorei “O Vidente”. Tanto é que
já assisti várias vezes.
O detalhe - para não fugir da regra, né? (rs) é que o
filme é completamente distinto do conto de Dick. Vou ser mais exato: o diretor
neozelandês Lee Tamahori (“007 – Um Novo Dia Para Morrer”) só aproveitou o nome
do personagem – Chirs Johnson, que no filme é conhecido por John Cadilac – e a
sua capacidade de prever o futuro. Quanto ao resto, esqueça: conto e filme são
muuuuito, mas muuuuito diferentes.
Na narrativa publicada em 1954, num futuro próximo, a
humanidade teme a gênese de uma raça superior. Com mutantes surgindo em todos
os cantos do planeta, as nações criam um organismo internacional, a ACD,
dedicada a eliminar qualquer indivíduo que apresente mudanças potencialmente
perigosas. Todos são varridos da face da Terra… ou quase. No interior dos EUA,
um garoto de cor dourada e poderes psíquicos é mantido escondido pela família
por 18 anos.
Já no filme, Chris Johnson (Nicolas Cage) ganha a vida
com um medíocre número de mágica em Las Vegas, mas sua habilidade de prever
alguns minutos do futuro é autêntica. Callie Ferris (Julianne Moore), uma
agente do governo, sabe disso e o convoca para ajudá-la a impedir que um grupo
terrorista detone uma bomba nuclear em pleno coração de Los Angeles.
07
– Equipe de Ajuste
Adaptação
para cinema: Os Agentes do Destino
À exemplo do que aconteceu com “Impostor” também não
assisti ao filme “Os Agentes do Destino” com Matt Damon e Emily Blunt exibido
nos cinemas em 2011. Por isso, também vou evitar comenta-lo, mas pelo o que eu
já li e ouvi sobre o assunto: ambos são infinitamente diferentes.
Na história publicada em 1954, tudo parecia um dia
como qualquer outro para Ed Spencer: acordar, beber o café que a esposa fez,
tomar um banho e sair. Por trás da monotonia da rotina, porém, uma equipe
trabalha em sintonia perfeita para garantir que o futuro saia exatamente
conforme o planejado. Uma única falha pode modificar a vida de Ed.
Não gostei do conto: estranho e tão surreal que
desanima.
Taí galera. No balanço final, gostei de Realidades Adaptadas. Os dois únicos
contos que não me agradaramu foram: O
Relatório Minoritário e Equipe de
Ajuste.
Recomendo a leitura, mas antes, friso o recado que dei
ao começar essa postagem: se você não conhece o estilo narrativo de Phillip K.
Dick, não desista logo no início da leitura; espere um pouco porque a narrativa
irá te ganhando aos poucos.
Postar um comentário