Já há algum tempo queria ler um livro sobre lobisomem.
Ahahaha!! Tenho certeza que muitos agora estão ‘tirando’ com a minha cara. Tá
bom! Mas e daí? Você não gosta de livros de vampiros adocicados e românticos do
tipo Edward Cullen? Ou ainda dos “apocalipses” em clima de zumbilândia com
aquele bando de zumbis tresloucados correndo sem rumo saboreando uma carninha
humana? Entonce; fiquem com os seus vampiros e zumbis e deixe-me numa boa com
os meus lobisomens (rs).
Mas deixando as brincadeiras de lado, queria muito,
galera, ler um romance sobre esse mito, mas que fugisse dos estereótipos das
histórias comuns. Coisas do tipo: ‘após se transformar em lobo, a besta fera carrega
uma pobre donzela e se refugia no alto da torre de um templo’; sem contar que o
lado humano dessa mesma besta fera acaba se apaixonando pela donzela que por sua vez, também acaba tendo uma
quedinha pelo homem lobo. Ah! Não se esquecendo das famosas balas de prata, as
únicas capazes de dar fim a vida do monstro que ao ser atingido recupera a sua
forma humana. Não queria nada disso. Estava a fim de ler um romance do gênero
completamente diferente e com uma narrativa séria.
Nada, também, de livros técnicos que explicassem o
fenômeno da licantropia, queria mesmo um “romanção” – mais ou menos parecido
com A Hora do Lobisomem, de Stephen
King – que me fizesse viajar e sentir um medinho gostoso.
Estava nesse impasse quando o Atalíbio ou Atas – como costumo chama-lo - um leitor do meu blog - me indicou À Sombra da Lua do Marcos DeBrito. Como já havia lido e adorado O Escravo de Capela – outra indicação do Atas – também de DeBrito, ponde ele descontrói a imagem folclórica do Saci Pererê, resolvi comprar o romance. Cara... e que livro! Tudo o que eu estava procurando sobre o tema encontrei ali.
Primeiro detalhe e acredito que o mais importante: a
construção dos personagens. DeBrito foi muito feliz nesse ponto. Os personagens
de À Sombra da Lua não tem nada de
caricaturais. Eles parecem de carne e osso com as mesmas virtude e defeitos de todos
nós, seres humanos. A vontade que senti foi a de bater um papo com o Valêncio –
que sujeito mais carismático! Gente boa, toda a vida. Queria estar lá bebendo
um pouco da sua sabedoria e, quem sabe, emprestando alguns de seus livros. Já
Álvaro, Alana e Flávia me causaram as mais diferentes emoções; algumas vezes
torcia por eles, em outras queria que se dessem muito mal.
Logo no começo da narrativa detestei Álvaro, mas a
partir do momento que fui conhecendo detalhes de sua vida, ele acabou
despertando em mim, até mesmo, uma certa empatia, mesmo sendo um sujeito
recluso e calado.
Alana é outra personagem que vai se metamorfoseando ao
longo da história. Começa como uma moça tímida, submissa e apagada, mas aos
poucos vai mudando o seu comportamento e começa a tomar atitudes firmes sem se
preocupar com o que as outras pessoas irão pensar.
Poderia escrever várias páginas sobre os personagens
de À Sombra da Lua porque eles foram
muito bem idealizados. Temos ainda o bom caráter, à toda prova, de Vicente; a
arrogância e maldade de seu pai, Carlos George; a covardia de um personagem
fundamental que fica muito bem camuflada debaixo de uma falsa carapaça de coragem
e que engana a todos até perto do final da história. Enfim, personagens
fantásticos.
Outro ponto positivo da obra: o enredo. O autor
conseguiu desenvolver uma história ficcional de lobisomem com conteúdo e isenta
de estereótipos. A besta fera do romance
é visceral, sem lado bom, e segue apenas os seus instintos animais. Por isso,
vários trechos do livro que envolvem o ataque do lobisomem chegam a ser
chocantes e podem incomodar os leitores mais sensíveis, como por exemplo, o
momento em que o personagem já na sua forma humana, no dia seguinte após a
metemorfose, ao despertar encontra pedaços de carne humana mal mastigados em
sua boca. Arghhhhhhhh!!
Mas engana-se aqueles que pensam que o livro se resume
apenas aos ataques do monstro e a sua caçada. O enredo vai muito mais além
disso. Acredito até mesmo que DeBrito usou esse plot para explorar os dramas
dos moradores de Vila Socorro, local onde se desenrola a trama. Diz um velho ditado
popular que basta um fato extraordinário ou uma situação de extremo perigo para
que o verdadeiro ‘eu’ das pessoas venha à tona. É, exatamente, isso que
acontece em Vila Socorro quando os ataques brutais da besta ganham proporções assustadoras.
A narrativa do livro acontece em dois tempos distintos:
final do século XIX mostrando detalhes da vida de Bastiano e Clemenzia, pais de
Álvaro, imigrantes italianos que chegam ao Brasil em 1893 com a esperança de
uma vida nobre justificada pelo trabalho, onde acabam se tornando pequenos
agricultores. E o início do Século XX, mostrando o drama dos moradores de Vila
Socorro – um pequeno vilarejo no interior de São Paulo - que em 1920 veem as
suas vidas atormentadas por um ciclo de mortes que ocorre apenas nas noites de
lua cheia quando corpos de pessoas e animais são encontrados trucidados nos
arredores da floresta.
A origem da besta fera que ataca impiedosamente os
moradores de Vila Socorro tem ligação direta com esses dois períodos de tempo
(1893 e 1920).
Galera, enfim, livrão-livraço.
Valeu pela leitura
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