Saci Pererê, Mula-Sem-Cabeça, Boitatá, Bicho-papão.
Certamente, esses famosos personagens do folclore brasileiro perderam ao longo
décadas e mais décadas a capacidade de assustar ou incutir pavor nas pessoas. Com
o avanço da ciência e da globalização à passos largos, eles passaram a ser
vistos, unicamente, símbolos inofensivos – mas muito importantes - da nossa
crendice popular.
Esta visão de hoje era completamente diferente na
época dos nossos bisavós quando tais figuras folclóricas tinham o poder de
assustar os caixeiros viajantes daquela época que cortavam estradas desertas
para negociar os seus produtos.
Quero propor algo para a galera. Que tal entrarmos
numa máquina do tempo e retornarmos apara a época dos nossos bisavós quando o
Saci Pererê ou a Mula-Sem-Cabeça ainda assustavam, e muito? Ok. Então, vamos
nessa. Os livros serão a nossa máquina do tempo. Nesta postagem escolhi seis obras
cujos autores brasileiros conseguiram transformar figuras pitorescas e porque
não, até inocentes, do nosso folclore, em personagens horripilantes com a
capacidade de assustar até mesmo os leitores mais corajosos. Vamos lá!
01
– O Escravo de Capela (Marcos DeBrito)
Esqueça o amigável Saci Pererê de Monteiro Lobato. A
origem da criatura é aqui resgatada por meio de lendas contadas por senhores de
engenho e por descendentes africanos.
O Saci idealizado por Marcos DeBrito é um escravo
torturado e executado que volta para o acerto de contas com os algozes. É no
sadismo destes que a obra mostra seu real terror. Portanto, esqueça o Saci
peralta e ‘boa gente’ do Sítio do Pica-Pau Amarelo. O personagem de O Escravo de Capela é vingativo,
sanguinário e violento.
Em seu livro, DeBrito utiliza como cenário, a cruel
época do Brasil Colônia quando a escravidão reinou no País. Já aviso que a
carga dramática do livro é enorme e com alguns trechos bem violentos, inclusive
um certo momento que deverá chocar muitos leitores. Afinal, não poderia ser
diferente, já que naquela época, a violência desmedida predominava nas grandes
fazendas de engenho que mantinham centenas de escravos nas senzalas vivendo sob
as piores condições, além dos pelourinhos onde vários desses escravos eram
castigados de maneira cruel. Toda essa realidade é retratada no livro.
Ficha
Técnica
Autor:
Marcos DeBrito
Editora:
Faro Editorial
Ano:
2017
Páginas:
288
02
– Assombrações do Recife Velho (Gilberto Freyre)
O sociólogo pernambucano Gilberto Freyre (1900-1987) sempre
nutriu grande interesse por lendas macabras e histórias de fantasmas. Prova
disso é o livro Assombrações do Recife
Velho publicado em 1955. A obra traz mais de 30 instigantes crônicas sobre
as fantasmagorias da capital pernambucana — um velho teatro assombrado,
tesouros revelados por almas penadas, espíritos pecadores em desespero pedindo
missas e orações, lobisomens perseguindo mulheres, um morto-vivo abordando
passantes nas ruas à noite, e por aí vai. Textos que recontam, de forma muito
particular, as lendas e os “causos” pertencentes ao imaginário dos moradores da
cidade, ou mesmo ocorrências inexplicáveis que chegaram a ser registradas pela
imprensa nas primeiras décadas do século 20.
Lendas populares, tais como: Perna Cabeluda, Boca de
Ouro e a Emparedada da Rua Nova, que fazem parte da história dos 480 anos de
Recife fazem parte do livro de Freire.
A obra, com 27 histórias d’outro mundo, é considerada
referência e fonte de pesquisa sobre os relatos assombrados da capital
pernambucana.
Ficha
Técnica
Autor:
Gilberto Freyre
Editora:
Global
Ano:
2008
Páginas:
232
03
– Terra de Sonhos e Acaso (Filipe de Campos Ribeiro)
Em Terra de
Sonhos e Acaso, o escritor paulista Filipe de Campos Ribeiro povoa uma
cidade fictícia do interior de São Paulo com sinistras criaturas de nosso
folclore.
Campos Ribeiro narra a história de Ismael que após a
morte dos pais, decide voltar ao interior de São Paulo para reaver sua herança.
Inundada por uma tempestade e isolada do mundo a pequena e fictícia cidade de
Rio das Almas está sob intervenção militar. Seus habitantes, acuados por
estranhos crimes, professam uma inquietante religiosidade baseada num livro de
autor desconhecido.
Assim, sem nenhum familiar, Ismael decide viajar até
essa cidade onde pretende, além de vender a casa de seus pais, também encontrar-se
com um velho amigo de infância. Ao retornar para a casa onde passou suas férias
por tanto tempo, começa a constatar alguns acontecimentos estranhos em volta do
imóvel, principalmente em uma casa abandonada localizada logo ao lado. Ismael
testemunha aparições de uma jovem sinistra e que lhe mete um medo danado. Esta
aparição faz com que ele procurar a ajuda da prefeita da cidade e também de um
padre. Eles dão orientações para Ismael sair urgentemente da cidade.
Preste atenção nos elementos do folclore brasileiro
que aparecem na trama.
Ficha
Técnica
Autor:
Filipe de Campos Ribeiro
Editora:
Martin Claret
Ano:
2019
Páginas:
305
04
– A Sombra da Lua (Marcos DeBrito)
E você ainda tinha dúvidas se o famoso lobisomem,
lenda difundida na região Norte do nosso País, faria parte dessa lista? O
famoso ‘peludão’ não pode faltar.
A besta fera do livro de Marcos DeBrito é visceral,
sem lado bom, e segue apenas os seus instintos animais. Por isso, vários
trechos do livro que envolvem o ataque do lobisomem chegam a ser chocantes e
podem incomodar os leitores mais sensíveis, como por exemplo, o momento em que
o personagem já na sua forma humana, no dia seguinte após a metemorfose, ao
despertar, encontra pedaços de carne humana mal mastigados em sua boca.
Arghhhhhhhh!!
A narrativa de A Sombra da Lua acontece em dois tempos distintos: final do século XIX
mostrando detalhes da vida de Bastiano e Clemenzia, pais de Álvaro, imigrantes
italianos que chegam ao Brasil em 1893 com a esperança de uma vida nobre
justificada pelo trabalho, onde acabam se tornando pequenos agricultores. E o
início do Século XX, mostrando o drama dos moradores de Vila Socorro – um
pequeno vilarejo no interior de São Paulo - que em 1920 veem as suas vidas
atormentadas por um ciclo de mortes que ocorre apenas nas noites de lua cheia
quando corpos de pessoas e animais são encontrados trucidados nos arredores da
floresta.
A origem da besta fera que ataca impiedosamente os
moradores de Vila Socorro tem ligação direta com esses dois períodos de tempo
(1893 e 1920).
Ficha
Técnica
Autor:
Marcos DeBrito
Editora:
Rocco
Ano:
2013
Páginas:
288
05
– O Paciente do Dr. Van Linden (Jonas Filho)
Ainda me lembro que durante a minha infância, tinha
uma vizinha que vivia “gritando” para os seus dois filhos menores: - Olha que o
“Homem do Saco” vai passar daqui a pouco ‘catando’ os meninos que ficam
brincando até tarde na rua”! – Pois é, era só falar isso que os garotos sumiam
da rua; viravam pó (rs).
Existem muitas histórias em torno do personagem que se
dedica a levar embora, dentro de um saco, as crianças que se comportaram mal.
Na região Sudeste, o personagem folclórico ficou conhecido com o “Homem do
Saco” ou o Velho do Saco”.
Mas para quem foi criado em Pernambuco, Paraíba e
algumas outras áreas do nordeste brasileiro, pode contar-nos com detalhes, uma
história bem mais assustadora. Por lá, o “Homem do Saco” é conhecido por
“Papa-Figo”. Trata-se de uma lenda popular contada no boca-a-boca, de um homem
de aparência horrenda, orelhas grandes, portador do Mal de Hansen e Doença de
Chagas. Este infortúnio o fazia caçar as crianças desobedientes e comer-lhes o
fígado para obter a sua cura. Por isso, ele sai durante as noites pelas ruas
raptando crianças e colocando-as dentro de um saco que trazia nas costas. A
lenda não tem origem definida, mas é contada na região com bastante frequência
até hoje.
Foi baseado nesta lenda que o pernambucano Jonas
Filho, natural de Recife escreveu o seu primeiro livro chamado O Paciente do Dr. Van Linden. A obra foi dividida em dois volumes.
O primeiro volume é mais focado no diálogo do Dr Abel
Van Linden, um renomado hepatologista, com seu estranho paciente antes de
realizar-lhe um transplante de fígado, numa época que tal cirurgia ainda nunca
havia sido feita.
A criatura conta a sua história e todos os
acontecimentos à sua volta que o transformou nesta figura perturbada, o
“Papa-Figo”. Passado na Inglaterra em 1935, dá a impressão que não há ligação
com a lenda brasileira, mas aos poucos o leitor percebe onde a história
pretende chegar.
O segundo volume, acontece 27 anos depois na cidade do
Recife, onde o médico já não exercia mais a sua profissão de hepatologista, mas
vive ainda na sombra de seu pertubador passado e aterrorizado pela volta do seu
pior inimigo.
Ficha
Técnica
Volume
I
Autor:
Jonas Filho
Editora:
Frevo
Ano:
2012
Páginas:
270
Volume
II
Autor:
Jonas Filho
Editora:
Frevo
Ano:
2012
Páginas:
230
06
– Quando o Saci Encontra os Mestres do Terror (Vários autores)
Quando
o Saci encontra os mestres do terror teve como proposta
resgatar alguns mitos do folclore brasileiro, dando um toque a mais de terror
ou suspense, ou ainda de trazer para essas lendas uma narrativa ao estilo dos
mestres do terror.
Alguns mitos se repetiram dentro da seleção de contos
da editora Estronho, mas segundo a organizadora Ana Cristina Rodrigues, essas
histórias ganharam narrativas e ideias diferentes entre si. Onde não esteve
presente o terror, pode-se ver uma narrativa bem ao estilo Edgar Allan Poe ou
talvez de um H. P. Lovecraft.
Foram selecionados os autores: Chico Pascoal (Mr.
Bierce e o duende dos Pampas), Cristiano Rosa (A estrela das águas), Cindy
Dalfovo (Iara, meu amor), Dana Guedes (Um causo dos que não se contam na
floresta de concreto), Eriwelton Alves Soares (Olhos tristes no cinza do
asfalto), Florestano Boaventura (Tempat Bagi Orang Yg Terlantar), Lemos Milani
(Os pesares da noite), Lucas Lourenço (Pacto hereditário), Natália Couto
Azevedo (Lírios, na beira da cachoeira), Nikelen Witter (Embornal dos olhos),
Rogério Silvério de Farias (O horror em chamas), Verônica Freitas (O homem sem
mãos), Felipe Santos (Devoradora), Flávio de Souza (Noite sem lua) e Walter
Tierno (Cobrança da pisadeira), além da organizadora dos contos Tânia Souza
(Nem todo verão pertence ao sol).
Ficha
Técnica
Autora:
Ana Cristina Rodrigues (Organizadora)
Editora:
Estronho
Ano:
2012
Páginas:
240
Já imaginaram?! Quem disse que Saci Pererê e companhia
limitada não tinham mais o poder de assustar as pessoas. Estes seis livros
provaram o contrário: que eles ainda tem sim, o poder de provocar calafrios.
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