Nestes tempos de pandemia, muitas vezes nos vemos
viajando ao passado e curtindo uma deliciosa miscelânea de recordações. Acho
que isso é uma defesa do nosso organismo, especificamente do nosso cérebro, que
procura encontrar nas boas lembranças um antidoto para “bater de frente” com a
preocupação avassaladora dessa doença maldita que insiste em nos assombrar com
o surgimento de novas variantes. Desta forma, quando o nosso termômetro
emocional encontra-se acima dos 39 graus, o relé do nosso cérebro se desliga
para logo depois se reconectar automaticamente com as coisas boas que vivemos
no passado. É claro que essa sensação está mais para uma exceção do que para
algo comum, mas no meu caso, bem... ela ocorre com frequência. E por isso
mesmo, eu digo: “Graças a Deus!” pois caso contrário, acho que eu acabaria
pirando.
Um momento especial que revivo com frequência neste
período de pandemia diz respeito a minha época de leitor adolescente - ou até
mesmo antes dessa fase, ou seja, quando ainda era uma criança apaixonada por
livros. Relembro perfeitamente dessas ocasiões. Putz, que saudades! Dois
objetos catalisadores desses momentos mágicos que vivi há décadas são dois
armários: um na cozinha e outro no quarto de visitas. Costumo dizer para Lulu
que eles são a minha máquina do tempo que me transporta para o passado onde
vivi um período inesquecível.
O armário, estilo colonial, que se encontra atualmente
no quarto de visitas ficava num outro lugar. Há 50 anos atrás ele dominava a
sala de casa. Era nele que o meu irmão mais velho, o Carlos, guardava os seus
tesouros, quero dizer, os seus livros, além de outras “cositas mas”. Cara,
tinha de tudo por lá: cartas e fotos de namoradas, livros didáticos, revistas,
enciclopédias, troféus, álbuns de figurinhas e o escambau à quatro. Uma
verdadeira sala secreta de Hogwarts! O espaço maior era ocupado por um número
infindável de Best-Sellers, de bolso, brochura, capa dura, mole e etc, mais
etc. Eu sabia que ali havia um verdadeiro Oasis à ser explorado; não com água
fresca, cercada de coqueirais e mata virgem, mas dotado de um ‘manancial’ de
livros à ser devorado.
Ocorre que o mano tinha um ciúme enorme desse “Oasis”
e o guardava com a sua própria vida, não deixando ninguém chegar perto; mas
após várias ‘campanas’ acabei descobrindo onde ele escondia a chave. A partir
daí, teve início a ‘coisa’ proibida mais gostosa que fiz em toda a minha
infância: explorar aquele Oasis e que Oasis!!
O menino matreiro, aqui, esperava todos saírem de
casa, inclusive os meus pais, para começar a exploração do “reino encantado”,
quero dizer, do “armário encantado”. Quando abria as portas daquele armário –
na realidade, um tajer todo entalhado – era como se mergulhasse num mundo de
sonhos e fantasias. Entrava em êxtase pois não sabia o que agarrar ler
primeiro. Eram tantas joias raras: Vinte
Mil Léguas Submarinas, Os Irmãos
Corsos, As Aventuras de Hans Staden,
fascículos das enciclopédias Conhecer, Os Bichos, Medicina e Saúde; livros de
bolso da Brigitte Montfort, Coyote, Chumbo Quente; as revistinhas de terror Contos da Kripta; algumas obras do
Harold Robbins e Monteiro Lobato... Ufa! Ki loucura! Passava horas lendo e
lendo. Às vezes, a tentação era muito grande e eu acaba pegando “emprestado”
algumas obras, geralmente as que ficavam mais no fundo do armário – para não
dar na cara – e levava para o meu quarto onde lia escondido. No dia seguinte
devolvia para o armário, colocando a obra no mesmo lugar para não despertar
nenhuma suspeita. Repetia sempre esse processo até terminar a leitura.
Na realidade, acho que o meu irmão sempre soube das
minhas artimanhas porque ele nunca se preocupava em fechar o tal armário,
deixando inclusive as chaves na porta, várias vezes. Quanto ao meu irmão do
meio, gente boa, me pegou no flagra algumas vezes, mas nunca me dedurou.
Acredito que os dois, a exemplo dos meus pais, também ficavam felizes com o meu
interesse pela leitura, por isso, encontravam meios de estimulá-la. Vai saber
se “esquecer” a chave na porta do armário secreto não era um desses meios
encontrados.
Quando meus pais morreram, acabei herdando – de comum
acordo com os meus irmãos – a sua casa, e o tão famoso armário mudou de lugar e
de função. Como já disse no início da postagem, agora, ele está no quarto de
visitas e os livros cederam espaço para guardar documentos e alguns arquivos e
reportagens (áudios e textos) do meu trabalho como jornalista. Quanto ao outro
armário catalisador de emoções, continua no mesmo lugar, na cozinha, e nem
teria como muda-lo já que se trata de um armário embutido. Apesar de não ter
nada de secreto, como o saudoso armário de meu irmão, ele também me presenteou
com verdadeiras joias raras que eu julgava perdidas.
É enooorme, mas bota enooorme nisso! O engenheiro que
fez o projeto da ‘obra’ deve ser um alien, daqueles que vivem em nosso planeta
disfarçadamente, fingindo pertencer a raça dos terráqueos, como no filme
“Homens de Preto” com Will Smith.
Caráculas, o sujeito conseguiu embutir um armário
gigante e profundo numa parede pequena e rasa! Certo dia, entrei no armário e
comecei a medir a sua largura e profundidade. Tinha a impressão de que a minha
fita métrica era uma sonda de plataforma exploradora de petróleo e o tal
armário, o próprio oceano! Imediatamente me lembrei daquela sala secreta da
Escola de Bruxaria de Hogwarts, onde Harry Potter costumava guardar seus
badulaques. Lembram-se dela? Quanto mais coisas o Potter guardava, mais coisas
ali cabiam.
Acredito que ‘seo’ Basílio, o engenheiro que projetou
o armário famoso tenha utilizado tecnologia alienígena. Tanto que acredito que
ele não morreu, mas simplesmente retornou para o seu planeta de origem.
Há algum tempo atrás, quando resolvi reformar a casa,
também aproveitei para fazer uma faxina geral no tal “armário com tecnologia
alienígena”. Queria separar as panelas velhas das novas, os pratos que usava
daqueles que não utilizava e por aí afora. Tinha muitas bugigangas sem
utilidade ‘entocadas’ por lá. Durante a limpeza, eis o que a faxineira descobre
em um de seus compartimentos uma caixa de madeira, tipo bauzinho, pronta para
ser explorada. Na mesma hora me transformei num desbravador e ao abrir a caixa,
quase tive um treco. Ali dentro estavam verdadeiras relíquias literárias que
devorei a exaustão em minha infância e adolescência.
Não me perguntem como alguns livros e revistas foram
parar num armário de cozinha junto com um monte de panelas. Não sei explicar.
Talvez tenha sido mais uma das peças pregadas pela ‘caixa alienígena’ de seu
Basílio (rs).
Só posso dizer que sou grato por essa descoberta. E
aí? Prontos para conferir algumas das pérolas encontradas? Então vamos lá: Almanaque do Homem Aranha (1972), Gibi Jerônimo – O Herói do Sertão (1957),
Perdidos no Espaço (álbum de
figurinhas) e Almanaque do Mancha Negra,
A Horta do Juquinha (livro infantil
ilustrado). A cada uma dessas descobertas conseguia lembrar de alguns momentos
felizes que essas obras proporcionaram em minha infância. Uhauuu! Foi demais.
Nesta semana, estava preparando para escrever uma
reportagem em meu notebook na mesa da cozinha enquanto Lulu preparava um
delicioso strogonof de frango. Ao
‘bater’ os olhos no “armário alienígena do seu Basílio” veio à minha mente
todas essas recordações. Decidi deixar a reportagem de lado, abrir o blog e
escrever esse texto.
Simplesmente, uma questão de aproveitar o momento e
com ele aproveitar também as boas recordações guardadas nos dois armários
mágicos.
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