Dois armários “mágicos”, outrora repletos de livros, que me trazem recordações maravilhosas

11 junho 2022

Nestes tempos de pandemia, muitas vezes nos vemos viajando ao passado e curtindo uma deliciosa miscelânea de recordações. Acho que isso é uma defesa do nosso organismo, especificamente do nosso cérebro, que procura encontrar nas boas lembranças um antidoto para “bater de frente” com a preocupação avassaladora dessa doença maldita que insiste em nos assombrar com o surgimento de novas variantes. Desta forma, quando o nosso termômetro emocional encontra-se acima dos 39 graus, o relé do nosso cérebro se desliga para logo depois se reconectar automaticamente com as coisas boas que vivemos no passado. É claro que essa sensação está mais para uma exceção do que para algo comum, mas no meu caso, bem... ela ocorre com frequência. E por isso mesmo, eu digo: “Graças a Deus!” pois caso contrário, acho que eu acabaria pirando.

Um momento especial que revivo com frequência neste período de pandemia diz respeito a minha época de leitor adolescente - ou até mesmo antes dessa fase, ou seja, quando ainda era uma criança apaixonada por livros. Relembro perfeitamente dessas ocasiões. Putz, que saudades! Dois objetos catalisadores desses momentos mágicos que vivi há décadas são dois armários: um na cozinha e outro no quarto de visitas. Costumo dizer para Lulu que eles são a minha máquina do tempo que me transporta para o passado onde vivi um período inesquecível.

O armário, estilo colonial, que se encontra atualmente no quarto de visitas ficava num outro lugar. Há 50 anos atrás ele dominava a sala de casa. Era nele que o meu irmão mais velho, o Carlos, guardava os seus tesouros, quero dizer, os seus livros, além de outras “cositas mas”. Cara, tinha de tudo por lá: cartas e fotos de namoradas, livros didáticos, revistas, enciclopédias, troféus, álbuns de figurinhas e o escambau à quatro. Uma verdadeira sala secreta de Hogwarts! O espaço maior era ocupado por um número infindável de Best-Sellers, de bolso, brochura, capa dura, mole e etc, mais etc. Eu sabia que ali havia um verdadeiro Oasis à ser explorado; não com água fresca, cercada de coqueirais e mata virgem, mas dotado de um ‘manancial’ de livros à ser devorado.

Ocorre que o mano tinha um ciúme enorme desse “Oasis” e o guardava com a sua própria vida, não deixando ninguém chegar perto; mas após várias ‘campanas’ acabei descobrindo onde ele escondia a chave. A partir daí, teve início a ‘coisa’ proibida mais gostosa que fiz em toda a minha infância: explorar aquele Oasis e que Oasis!!

O menino matreiro, aqui, esperava todos saírem de casa, inclusive os meus pais, para começar a exploração do “reino encantado”, quero dizer, do “armário encantado”. Quando abria as portas daquele armário – na realidade, um tajer todo entalhado – era como se mergulhasse num mundo de sonhos e fantasias. Entrava em êxtase pois não sabia o que agarrar ler primeiro. Eram tantas joias raras: Vinte Mil Léguas Submarinas, Os Irmãos Corsos, As Aventuras de Hans Staden, fascículos das enciclopédias Conhecer, Os Bichos, Medicina e Saúde; livros de bolso da Brigitte Montfort, Coyote, Chumbo Quente; as revistinhas de terror Contos da Kripta; algumas obras do Harold Robbins e Monteiro Lobato... Ufa! Ki loucura! Passava horas lendo e lendo. Às vezes, a tentação era muito grande e eu acaba pegando “emprestado” algumas obras, geralmente as que ficavam mais no fundo do armário – para não dar na cara – e levava para o meu quarto onde lia escondido. No dia seguinte devolvia para o armário, colocando a obra no mesmo lugar para não despertar nenhuma suspeita. Repetia sempre esse processo até terminar a leitura.

Na realidade, acho que o meu irmão sempre soube das minhas artimanhas porque ele nunca se preocupava em fechar o tal armário, deixando inclusive as chaves na porta, várias vezes. Quanto ao meu irmão do meio, gente boa, me pegou no flagra algumas vezes, mas nunca me dedurou. Acredito que os dois, a exemplo dos meus pais, também ficavam felizes com o meu interesse pela leitura, por isso, encontravam meios de estimulá-la. Vai saber se “esquecer” a chave na porta do armário secreto não era um desses meios encontrados.

Quando meus pais morreram, acabei herdando – de comum acordo com os meus irmãos – a sua casa, e o tão famoso armário mudou de lugar e de função. Como já disse no início da postagem, agora, ele está no quarto de visitas e os livros cederam espaço para guardar documentos e alguns arquivos e reportagens (áudios e textos) do meu trabalho como jornalista. Quanto ao outro armário catalisador de emoções, continua no mesmo lugar, na cozinha, e nem teria como muda-lo já que se trata de um armário embutido. Apesar de não ter nada de secreto, como o saudoso armário de meu irmão, ele também me presenteou com verdadeiras joias raras que eu julgava perdidas.

É enooorme, mas bota enooorme nisso! O engenheiro que fez o projeto da ‘obra’ deve ser um alien, daqueles que vivem em nosso planeta disfarçadamente, fingindo pertencer a raça dos terráqueos, como no filme “Homens de Preto” com Will Smith.

Caráculas, o sujeito conseguiu embutir um armário gigante e profundo numa parede pequena e rasa! Certo dia, entrei no armário e comecei a medir a sua largura e profundidade. Tinha a impressão de que a minha fita métrica era uma sonda de plataforma exploradora de petróleo e o tal armário, o próprio oceano! Imediatamente me lembrei daquela sala secreta da Escola de Bruxaria de Hogwarts, onde Harry Potter costumava guardar seus badulaques. Lembram-se dela? Quanto mais coisas o Potter guardava, mais coisas ali cabiam.

Acredito que ‘seo’ Basílio, o engenheiro que projetou o armário famoso tenha utilizado tecnologia alienígena. Tanto que acredito que ele não morreu, mas simplesmente retornou para o seu planeta de origem.

Há algum tempo atrás, quando resolvi reformar a casa, também aproveitei para fazer uma faxina geral no tal “armário com tecnologia alienígena”. Queria separar as panelas velhas das novas, os pratos que usava daqueles que não utilizava e por aí afora. Tinha muitas bugigangas sem utilidade ‘entocadas’ por lá. Durante a limpeza, eis o que a faxineira descobre em um de seus compartimentos uma caixa de madeira, tipo bauzinho, pronta para ser explorada. Na mesma hora me transformei num desbravador e ao abrir a caixa, quase tive um treco. Ali dentro estavam verdadeiras relíquias literárias que devorei a exaustão em minha infância e adolescência.

Não me perguntem como alguns livros e revistas foram parar num armário de cozinha junto com um monte de panelas. Não sei explicar. Talvez tenha sido mais uma das peças pregadas pela ‘caixa alienígena’ de seu Basílio (rs).

Só posso dizer que sou grato por essa descoberta. E aí? Prontos para conferir algumas das pérolas encontradas? Então vamos lá: Almanaque do Homem Aranha (1972), Gibi Jerônimo – O Herói do Sertão (1957), Perdidos no Espaço (álbum de figurinhas) e Almanaque do Mancha Negra, A Horta do Juquinha (livro infantil ilustrado). A cada uma dessas descobertas conseguia lembrar de alguns momentos felizes que essas obras proporcionaram em minha infância. Uhauuu! Foi demais.

Nesta semana, estava preparando para escrever uma reportagem em meu notebook na mesa da cozinha enquanto Lulu preparava um delicioso strogonof  de frango. Ao ‘bater’ os olhos no “armário alienígena do seu Basílio” veio à minha mente todas essas recordações. Decidi deixar a reportagem de lado, abrir o blog e escrever esse texto.

Simplesmente, uma questão de aproveitar o momento e com ele aproveitar também as boas recordações guardadas nos dois armários mágicos.

 

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