Há livros que podemos ler várias vezes e mesmo assim, queremos ler outras várias vezes. Os seus enredos nos prendem de uma tal maneira que seis meses ou um ano após termos lido, queremos lê-los novamente. Sei lá, é como se tivéssemos um vício, mas um vício salutar. Incidente em Antares escrito em 1971 por Érico Veríssimo é um deles.
Lí a obra, pela primeira vez, na década de 90, bem
antes da minissérie global homônina, dirigida por Paulo José, que foi adaptada do
texto de Veríssimo. Tanto livro quanto minissérie marcaram a minha fase dos
trinta e poucos anos.
Como gostei muito da história, fiquei eufórico quando
soube que as suas páginas seriam adaptadas para a telinha, tendo ainda a
talentosa Fernanda Montenegro num dos papéis principais. Não perdi nenhum dos
12 capítulos de Incidente em Antares.
Minissérie e livro são fantásticos!
O livro é um romance, portanto uma história de ficção, no estilo modernista, mas Veríssimo utilizou um truque de linguagem muito inteligente onde simula transcrições de falsos autores, entre os quais um padre e um jornalista gaúcho. Em determinado ponto do enredo, esses personagens se tornam narradores, jurando que viveram a experiência fantástica contada pelo autor que teria acontecido na fictícia cidade gaúcha de Antares.
A obra de Veríssimo é dividida em duas partes. Na
primeira, o autor nos apresenta duas famílias gaúchas rivais: os Campolargo e
os Vacariano. Mediante o surgimento de uma “ameaça comunista”, as duas famílias
resolvem se unir. A tal da ameaça comunista nada mais é do que o crescimento da
classe operária que se une e começa a exigir os seus direitos. Dentro desse
clima o autor simula a transcrição de trechos de jornais dando a entender que
os fatos fictícios realmente aconteceram.
O “Incidente” do título da obra se refere a segunda
parte do romance quando os coveiros de Antares decidem entrar em greve por
melhores salários e condições de serviço. E no exato momento em que deflagram a
greve o que é que acontece?? Simplesmente, morrem sete pessoas, incluindo a matriarca
dos Campolargo. Os coveiros se negam a fazer o enterro e se aproveitam da
situação para pressionar os seus patrões.Cena da minissérie global da década de 90 baseada no livro de Veríssimo
Os mortos, então, adquirem "vida" e saem das
suas covas, passando a vasculhar a vida dos parentes e amigos, descobrindo,
toda a podridão da sociedade. A grande sacada do autor foi deixar claro que por
serem cadáveres, os ‘insepultos’ estão livres de sofrerem pressões, ameaças e
chantagens por parte da sociedade que, por sua vez, tem a sua máscara
derrubada. Se aproveitando disso, os cadáveres passam a criticar de maneira
violenta os pseudo moralistas de Antares. É onde começam a aparecer as
histórias “cabeludas”.
Comandados pela matriarca dos Campolargo, Dona
Quitéria, os cadáveres arquitetam um plano para conseguir seus enterros.
O livro é repleto de informações históricas e
culturais dos séculos XVIII, XIX e XX do Brasil. Enganam-se aqueles que pensam
que a estrutura narrativa de Incidente em
Antares se apoia unicamente na comicidade. Nada disso. Por trás de todo o
seu humor, Veríssimo apresenta aos seus leitores um retrato da falta de
liberdade, inclusive de expressão, no triste período da Ditadura Militar no
Brasil.
Enfim, um livraço que certamente estarei relendo
muitas outras vezes.
Postar um comentário