Um Diário do Ano da Peste

19 maio 2020

Se há uma coisa que detesto são livros com capítulos enormes, daqueles que parecem que nunca vão terminar. Cara, que pipoco! Me dá desespero! Vou lendo, vou lendo e a leitura não flui, por melhor que seja a história. Na minha opinião, obras de qualidade com capítulos curtos – por maior que seja o número de páginas – deixam a leitura mais dinâmica e com isso você acaba devorando as páginas.
Por que estou dizendo escrevendo isso? Simples. Sofri muito para ler Um Diário do Ano da Peste de Daniel Defoe. No total, a publicação de 284 páginas da Artes e Ofícios Editora tem apenas quatro capítulos, mas quando o autor começa, de fato, a narrar o seu diário, ele faz isso num único capítulo. Cara, são mais de 250 páginas corridas, no pau, sem respiro para o leitor!
Esta sucessão ininterrupta de frases, parágrafos, pontos finais e o escambau a quatro foi me dando um desespero, um suador que por pouco não entrei em pânico. Como se eu estivesse perdido no meio do oceano e não enxergasse nenhuma ilha à frente – entenda-se ilha por capítulo. Por esse motivo, a história é ruim? Aí é que está; ela não é. É claro que tem os seus altos e baixos – os altos do início para meio do enredo e os baixos do meio para o final, principalmente no final – mas num todo podemos classifica-la de razoável para boa, só que... já sabe né? A falta de capítulos acaba deixando a leitura muito arrastada.
Agora, se você não liga para esse detalhe, com certeza irá gostar do livro de Defoe, principalmente até a metade da história quando o autor narra os efeitos diretos da peste na vida dos moradores da Londres do século XVII.
Acredito que o verdadeiro precursor do new jornalism – que é o método de transformar uma reportagem numa criação literária – se chama Daniel Defoe. Quase 300 anos antes de Truman Capote e Tom Wolfe ficarem conhecidos como os precursores desse gênero literário com os bestsellers A Sangue Frio e Os Eleitos, respectivamente, Defoe com o seu Um Diário do Ano da Peste já tinha descoberto o new journalism.
Por isso mesmo, Um Diário do Ano da Peste se diferencia de todas as demais abordagens da epidemia de peste bubônica que assolou Londres no verão de 1665, dizimando a maior parte de seus moradores. Esta diferenciação com relação as demais obras que tratam desse assunto ocorre porque Defoe transformou uma farta informação jornalística de credibilidade inquestionável sobre a peste negra – como ficou conhecida no século XVII - num romance; numa obra ficcional. Com isso, o autor trama a narrativa fundindo fato e ficção, através de minuciosa coleção de detalhes.
Publicado em 1722, como relato de uma  testemunha ocular só identificada no final do texto pelas iniciais H.E., Um Diário do Ano da Peste é uma narrativa em primeira pessoa feita por um narrador anônimo e imaginário, sobre os horrores enfrentados pela cidade de Londres durante o surto de peste bubônica em 1665. Vale lembrar que Defoe tinha quatro anos de idade no período da peste; o livro só veio a ser escritor 55 anos depois.
No enredo, esse narrador que por alguns motivos não quis sair da cidade durante a peste, conta detalhes sobre a chegada e progressão da epidemia em Londres registrando observações e comentários à margem dos acontecimentos. O desenrolar da ação é determinado e conduzido pelo conflito entre as duas personagens centrais: de um lado, a peste se alastrando pela cidade; de outro, a população de Londres enfrentando, fugindo ou resistindo ao assalto repentino enfermidade.
Um Diário do Ano da Peste tem alguns trechos que podem impressionar os leitores mais sensíveis. Eu, mesmo, fiquei chocado com algumas passagens descritas pelo narrador fictício.
Nos deparamos com pessoas que sãs trancadas em suas casas juntamente com familiares doentes, uivos de mulheres desesperadas nas janelas das residências marcadas com a peste; valas abertas onde os cadáveres eram simplesmente jogados, sem terem sequer um enterro cristão, pois ninguém se arriscaria a ser contaminado; médicos que no afã de aliviarem o sofrimento dos pacientes chegavam ao ponto de jogar ácido ou outras substâncias corrosivas nas ínguas que surgiam nas virilhas, axilas e pescoço dos doentes na tentativa de supurá-las; mulheres grávidas que estavam doentes e que na hora no parto não encontravam ninguém para assisti-las já que médicos e parteiras não queriam se contaminar, com isso eram obrigadas a parir sozinhas. Cara, alguns trechos do livro, de fato, são trash.
Separei algumas passagens que achei bem impressionantes. Confiram:
 - “Às vezes, um homem ou uma mulher caía morto no próprio mercado, já que muitas pessoas tinham a peste e não sabiam até que a gangrena interior atingia os órgãos vitais, quando morriam em poucos minutos”
 - “Os inchaços que geralmente surgiam no pescoço ou na virilha, quando endureciam e não arrebentavam mais, tornavam-se tão doloridos que eram iguais a mais sofisticada tortura. Alguns incapazes de suportar o tormento atiravam-se pelas janelas, davam tiros ou se eliminavam de qualquer maneira”
- Por não terem nenhuma parteira ou médico para assisti-las, algumas mulheres grávidas feriram-se dando à luz... Devo dizer que crianças sem conta foram assassinadas... muitas vezes, mãe e filho se perdiam da mesma maneira”.
Estes são apenas alguns trechos, existem muitos outros considerados mais tensos e que exigirão estômago dos leitores.
Como disse no início do post, antes do final do livro, a história vai ficando um pouco redundante e somado ao texto corrido e falta de capítulos, o enredo acaba ficando cansativo.
Quero frisar que li a edição da Artes e Ofício Editora, quanto a publicação da L&PM não conheço, por isso não posso dizer se essa editora optou pela inclusão de capítulos ou pela manutenção do texto original.
Inté!

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