Os Eleitos

22 janeiro 2017
C-a-r-a-c-a!!! Vou pedir pra rezar uma novena para todos os santos, agradecendo por ter conseguido me desenroscar de “Os Eleitos” de Tom Wolfe. Sabem aquelas obras que desafiam a paciência de qualquer leitor perseverante? Pois é, “Os Eleitos” se enquadra nessa categoria.
Tudo bem que grande parte da galera considere o livro de Wolfe uma verdadeira obra prima, daquelas que merecem ficar expostas na galeria dos ‘séculos dos séculos, mas me perdoem os que pensam assim, porque discordo. Achei a história cansativa e muitas vezes, pensei em abandoná-la.
Para não dizer que estou sendo tremendamente injusto com a obra, gostaria de frisar que os seus três primeiros capítulos são excelentes, mas acontece que eles duram menos de 75 páginas; muito pouco para um livro que tem quase 390!
Wolfe  escreve sobre duas categorias de eleitos: os fodásticos pilotos de provas da Base de Edwards, no deserto da Califórnia, envolvidos na pesquisa aeronáutica de alta velocidade e os astronautas do Projeto Mercury, a primeira tentativa de vôo espacial tripulado dos Estados Unidos.  
Enquanto o autor mantém o foco nos eleitos de Edwards, a leitura flui de uma maneira fantástica. A vida daqueles pilotos era pura adrenalina. Os caras desafiavam a morte todos os dias para tentar estabelecer novos recordes de velocidade em aeronaves com segurança mínima. Além de suas próprias vidas, eles colocavam em risco o bem estar de suas famílias, com esposas e filhos sofrendo toda vez que o sujeito entrava num avião para voar rumo ao desconhecido. Afinal, cada vôo poderia ser o último.
Wolfe explora essa agonia dos familiares dos pilotos da Base de Edwards no primeiro capítulo de “Os Eleitos” chamado “Os Anjos”. Quando algum piloto morria durante esses testes – o acontecia com certa freqüência – a notícia do seu falecimento era guardada a sete chaves na base. Ninguém, absolutamente ninguém, poderia avisar a esposa, a não ser um dos capelães da Base, conhecidos por “Anjos da Morte”. Eles entravam na casa dos familiares da vítima entoando um cântico que exaltava a coragem do piloto falecido, dizendo que agora ele estava pilotando nos céus e blá, blá e mais blá, blá.
Mas o que, de fato, prende a atenção no livro é o dia a dia desses homens que desafiavam a morte sem nenhum temor. E por que eles faziam isso? Por dinheiro? Fama? Nada disso. Eles agiam dessa maneira porque tinham fibra. Guardadas as devidas proporções, entendam essa tal fibra como sendo a famosa “Força” de Guerra nas Estrelas (Star Wars); uma mistura de coragem, inconseqüência, bravura e perícia. Todos eram amigos, mas isso não os impedia de competirem entre si, para tentar quebrar os recordes de velocidade um dos outros.
Entre esses pilotos, havia um que era considerado um “Deus do Olimpo”. Ele se chama – ainda está vivo, com 90 anos - Chuck Yeager. Com certeza, ele é o cara. Yeager não só foi o primeiro piloto a quebrar a barreira do som – e vale dizer que nessa altura ninguém sabia dizer se um ser humano sobreviveria a tal velocidade – como estabeleceu várias outras marcas fundamentais para a aviação.
Yeager conseguiu romper a velocidade do som pilotando um pequeno Bel XS-1 com duas costelas quebradas, após ter caído de um cavalo enquanto cavalgava durante a madrugada, digamos que estivesse meio ébrio. Ele atingiu a velocidade Mach 1 (1225 Km/h), feito até então considerado impossível por pilotos e engenheiros da Força Aérea. Podem acreditar! O cara conseguiu essa façanha que mudou os rumos da aviação mundial, mesmo com uma dor quase insuportável do lado direito do corpo.
Livraço! Pena que só dure em torno de 75 páginas. Quando Wolfe começa a falar escrever sobre os eleitos do Projeto Mercury, toda a magia dos primeiros capítulos do livro se esvai. A história dos sete astronautas escolhidos para fazerem parte do projeto espacial é comum e consequentemente sem emoção. Além disso, os personagens não são carismáticos. A sensação que fica é de encheção de lingüiça. Isto se evidencia quando o autor começa a descrever os vôos sub-orbitais dos eleitos, volta por volta com os astronautas narrando, maravilhados, as belezas do planeta terra visto lá do alto. Nem mesmo, os pequenos imprevistos mecânicos nas cápsulas espaciais que ocorrem algumas vezes, despertam o interesse do leitor.
Perto do que Yeager e os outros pilotos de elite da base de Edwards faziam, ir para o espaço era, do ponto de vista técnico, uma barbada, já que a pilotagem era essencialmente feita em terra, a partir do centro espacial de Houston; o que o astronauta tinha de heróico de fato era saber que estava sendo catapultado rumo ao grande desconhecido no nariz de uma ogiva gigantesca e tremendamente inflamável. Era perigoso, sim, mas nada comparado a voar num avião com poucos equipamentos com a missão de romper a barreira do som.

O livro de Wolfe, escrito em 1979, foi adaptado para os cinemas em 1983 numa produção de mais de três horas, dirigida por Philip Kaufman. Apesar do filme de ser menos cansativo do que o livro - acredito que os motivos sejam os excelentes trabalhos de fotografia, som e montagem; todos indicados ao Oscar – também sofre do mesmo problema: uma primeira e pequena parte emocionante, e uma segunda e enorme parte enjoativa. 

Postar um comentário

Instagram