A Sangue Frio

12 junho 2019

Mesmo não sendo fã do “new journalism” ou jornalismo literário, tanto faz, acabei gostando de “A Sangue Frio”, tida como a obra máxima de Truman Capote que também pode ser considerado o criador desse estilo literário.
Por que não gosto, mas gostei? Ok. Vou tentar explicar essa confusão criada por mim. Não gosto do new journalism porque mistura jornalismo com literatura, ou seja, joga os fatos reais dentro de um enredo ficcional, possibilitando que o jornalista insira um pouco de literatura em suas matérias.
Acho um pouco arriscada essa fórmula que surgiu no final dos anos 50 com Capote, porque o jornalista corre o risco de se ser mais ficcionista do que repórter criando cenas e diálogos que não existiram na realidade. Resultado; a cabeça do leitor vira um trevo mal sinalizado, fazendo com que não saiba qual caminho deva seguir: o da realidade ou o da ficção. Com isso, a leitura acaba ficando, estranha, esquisita. Volta e meia você divaga e pensa que aqueles personagens e aquelas situações reais são todos fictícios. Então, pimba!! Você sai das divagações e cai na real por alguns minutos. – Epa, pera aí! Isto aqui, não é ficção não, é realidade!!
Este conflito acaba tornando a leitura confusa e por vezes, cansativa. Foi o que senti, por exemplo, lendo “Os Eleitos” de Tom Wolfe, também considerado literatura não ficcional. A primeira parte do livro-reportagem que conta a história dos “Mercury Seven”, os sete primeiros astronautas selecionados pela Nasa, que pilotaram as naves do programa Mercury, assim como de outros pilotos de teste, como o lendário Chuck Yeager, é tão cheia de adrenalina que me esqueci que estava lendo uma história real e embarquei na ficção. Já na segunda parte do livro, quando as cenas de ação foram trocadas por um enredo mais reflexivo, a leitura se tornou muito cansativa, pois ora imaginava estar com um texto jornalístico em mãos, ora com um texto literário.
Richard Eugene Hickock, em 1965, e Perry Smith, em foto de 1960. 
Mas então, porque gostei do livro de Capote? Acredito que tenha sido o enredo equilibrado. Capote não fez um mergulho cego e louco na ficção. Nada disso. Há os muitos diálogos entre os personagens reais da trama, mas também, na mesma proporção – talvez, até maior – há as descrições jornalísticas, como se o autor estivesse participando, em off, da história, dando detalhes sobre o massacre de todos os membros de uma tradicional família residente numa pequena cidade do Kansas.
Apesar de parecer um romance policial, em nenhum momento “A Sangue Frio” desvia o foco do leitor da realidade. Tudo por causa desse equilíbrio: ficção e realidade; para mim, perfeito.
Escritor Truman Capote
Capote narra a história a história do assassinato da família Clutter, uma das mais influentes na pequena cidade de Holcomb, no Kansas, onde residiam apenas 270 habitantes.
Poucos crimes na história chocaram tanto a população como o massacre dos quatro membros dessa família. Em 1959, na casa dos Clutter, onde estavam o casal Herbert e Bonnie e os filhos adolescentes Nancy e Kenyon, os ladrões Eugene Hickcock e Perry Smith após invadir a residência decidiram matar os quatro membros da família para não deixar testemunhas. 
Capote passou seis anos levantando informações e investigando passo a passo tudo o que ocorreu em Holcomb. Depois de muito trabalho, ele publicou a sua obra prima “A Sangue Frio”, livro que criaria um novo estilo literário com uma onda de seguidores.
O autor narra o crime da sua concepção à execução, além de fazer com que os leitores entrem na cabeça dos criminosos e conheçam os motivos que os levaram a cometer tal assassinato. A partir desse momento, você começa a ter contato com os pormenores da vida de Hickcoock e Smith – desde a infância a fase adulta - e, então, conhece os motivos que levou dupla a cometer tal atrocidade.
A intimidade dos relatos se deve ao fácil acesso que Capote teve aos assassinos. Ele visitava Hickcoock e Smith com frequência na prisão, fato que gerou muita polêmica na época, tanto é que surgiram indícios de que o autor teria se envolvido intimamente com um deles.
Controvérsias a parte, o que interessa é que “A Sangue Frio” é um grande livro e que, certamente, merece ser lido.

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