Ok, deixe-me contar um segredinho: na minha
infância, sempre sonhei ser médico. E olha que esse sonho durou bastante, pelo
que eu me lembre, até... os meus 18 anos. Tanto é que cheguei a me inscrever
para o vestibular de medicina, mas depois desisti. Sei lá, simplesmente desisti
e, então, acabei encontrando o que eu amo até hoje: o jornalismo.
Talvez por essa “paixão adolescente”, após décadas,
eu ainda me amarro em livros que abordem temas relacionados a história da
medicina, principalmente no que diz respeito a sua evolução através dos tempos.
Desse modo, quando vi o lançamento de “Medicina dos Horrores” da escritora e doutora
em história da ciência, Lindsey FitzHarris, não titubeei nem um segundo e já
reservei o meu exemplar que na época estava em pré-venda.
O livro é fantástico, pois a autora numa linguagem
fluída e descomplicada faz com que os leitores tenham uma ampla noção de como
era a prática da medicina no século XIX e a luta de um jovem cirurgião chamado
Joseph Lister em adotar métodos antissépticos que evitassem as infecções
pós-operatórias que matavam milhares de pacientes naquela era.
Cirurgião Robert Liston fazendo a amputação de uma perna em seu paciente. Tempo: 30 segundos! |
O desconhecimento de que o ar continha
microrganismos que causavam graves infecções em feridas abertas, levavam esses
médicos a realizar publicamente suas operações. Por essa razão, o anfiteatro
cirúrgico do University College Hospital de Londres recebia em média, 200
pessoas que se aglomeravam para assistir as cirurgias em uma espécie de
arquibancada com grades semicirculares para que o público composto pelos
estudantes de medicina, aprendizes, assistentes de cirurgiões e até mesmo espectadores
curiosos pudessem acompanhar todo o procedimento. Muitos deles arrastavam
consigo para o recinto a sujeira e a fuligem do dia a dia da Londres vitoriana.
As cirurgias no século XIX eram realizadas em anfiteatros lotados de espectadores |
As pessoas se amontoavam como sardinha em lata, e as
que ocupavam as últimas fileiras se acotovelavam constantemente para conseguir
um ângulo melhor, gritando “Abaixem a cabeça!” toda vez que sua visão ficava
bloqueada.
Os médicos e cientistas acreditavam que as doenças
contagiosas eram causadas pelo miasma, um odor ruim das ruas e dos rios que se dissipava
pelo ar. Por isso, não se usava nenhum método antisséptico na sala de cirurgia.
Na década de 1800, médicos amputavam os dedos das mãos e pés com facas simples |
Caixas de madeiras com areia ou serragem eram
utilizadas para transportar o sangue das operações, e os cirurgiões e seus
assistentes só lavavam as mãos após os procedimentos, assim como os
instrumentos cirúrgicos. Os médicos realizavam a operação rapidamente para
minimizar possíveis hemorragias. Os cirurgiões andavam com os jalecos manchados
de sangue pelas ruas, como se fosse uma espécie de troféu.
Pois é galera, foi esse cenário que Lister tentou
modificar. Já adianto que ele conseguiu, mas a duras penas. Ele teve que lutar
muito antes de ter os seus métodos aceitos e dessa forma, ser reconhecido como
uma verdadeira sumidade na história da medicina. Antes disso, ele foi
desacreditado e até mesmo ridicularizado.
Joseph Lister, o médico que revolucionou o apavorante e bizarro mundo das cirurgias do século XIX |
Os cirurgiões daquele tempo,
simplesmente não aceitavam que criaturas minúsculas e invisíveis presentes no
ar, estavam matando seus pacientes. Levou décadas, além de uma nova geração de
cirurgiões, para mudar o paradigma. A aplicação da teoria dos germes à prática
médica certamente está entre um dos mais importantes avanços da medicina.
Lister foi o criador da cirurgia antisséptica. Na
Escócia, ele investigou problemas relacionados às operações, como a inflamação,
a cicatrização das feridas e o papel da coagulação.
Por volta de 1865, o cientista francês Louis Pasteur
desenvolveu a teoria da produção da doença infecciosa por germes, e coube a
Lister a plena compreensão do significado e da importância do trabalho de
Pasteur. Portanto, a antissepsia e o controle inicial da infecção têm nesses
dois nomes a referência histórica que fez mudar os horizontes da cirurgia,
fazendo dessa arte uma ciência mais segura no combate às enfermidades.
Escritora e doutora em história da ciência, Lindsey FitzHarris, autora do livro "Medicina dos Horrores" |
“Medicina dos Horrores” não se resume apenas a uma
biografia de Lister com detalhes curiosos sobre a sua vida. O livro é muito
mais do que isso. A autora descreve como foi descoberto o primeiro anestésico,
o que levou os médicos a realizarem cirurgias mais demoradas; antes esses
procedimento ficavam restritos às amputações. Ela ainda relata casos de
cirurgias complexas – que apesar da falta de assepsia – já eram realizadas
naquele tempo, como tumores malignos no rosto e nas mamas. Os leitores ainda
tem a oportunidade de conhecer os médicos famosos da década de 1800, como Robert
Liston que foi considerado o cirurgião mais rápido do mundo. Ele ficou famoso
pelo inusitado talento de amputar uma perna em menos de 30 segundos.
Mas – pelo menos no meu caso – o que me chamou mais
a atenção foram os capítulos dedicados a Liston que mostraram como foi a sua
luta para mudar o panorama caótico das cirurgias do século XIX, fazendo com que
elas deixassem de ser realizadas nos teatros abarrotados de pessoas e passassem
para as salas cirúrgicas dos hospitais com todos métodos antissépticos necessários.
Além disso, “Medicina dos Horrores” mostra também os
desafios de Liston como cirurgião que tinha o hábito de enfrentar casos
complicados que outros médicos sempre procuravam evitar.
Enfim, um livro incrível e que eu recomendo para
todos os leitores do blog. Parabéns ainda para a editora Intrínseca que
caprichou no layout da obra. A publicação em capa dura e com as bordas das
páginas na cor preta, certamente, merece um lugar de destaque em sua estante.
Boa leitura!
2 comentários
Ótima resenha! Esse livro parece proporcionar uma leitura bastante elucidativa a respeito da evolução da ciência médica!
ResponderExcluirA propósito, parabéns pelo blog, do qual gostei muito. :)
http://tudoquemecomove.blogspot.com/
Que bom que gostou, fiquei feliz.
ExcluirQuanto ao livro é muito bom, aliás, excelente.
Volte sempre e abraços!