O Senhor da Guerra (Crônicas Saxônicas – Livro 13)

12 dezembro 2021



Sou suspeito para comentar qualquer um dos 13 livros da saga “Crônicas Saxônicas” porque adorei Uhtred, da mesma forma que fiquei fã de Artur -outro personagem criado pelo escritor inglês Bernard Cornwell. Os dois são fantásticos à sua maneira. Ambos com personalidades completamente distintas – Artur: cristão, educado e um verdadeiro cavalheiro; Uthred: pagão, boca suja e arrogante – mas admiráveis, independentemente dessas particularidades.

Já resenhei a trilogia As Crônicas de Artur (ver aqui, aqui e mais aqui), mas hoje quero falar escrever sobre o último livro das Crônicas Saxônicas que fecha com chave de ouro a saga de Uthred e a sua luta para conquistar a fortaleza de Bebbanburg, tendo como pano de fundo a história da formação da Inglaterra. Cornwell foi muito feliz ao ter tido a ideia de misturar ficção com realidade inserindo personagens fictícios, no caso Uhtred e todo o seu núcleo, dentro de um contexto histórico. Por exemplo, ver Uhtred interagindo com o Rei Alfredo, “O Grande”, personagem histórico muito importante na formação da Inglaterra, é algo viciante.

Uhtred, mesmo criança, sempre foi muito questionador a respeito da religiosidade cristã a qual era cercado. Quando se torna guerreiro do Reino de Wessex, a serviço do rei Alfredo lutando contra os dinamarqueses – que também sonhavam em conquistar os reinos saxões - Uhtred se transforma num guerreiro vitorioso, impiedoso e de muita fama. Os embates ideológicos entre o guerreiro pagão e o seu rei são várias vezes antológicos. Cada um defende o seu ponto de vista com sagacidade e várias tiradas de “sarro”, mas sempre se respeitando mutuamente.

Mas o que chama a atenção na saga, de fato, é a descrição perfeita das batalhas entre saxões, dinamarqueses, noruegueses e escoceses; todos cobiçando os reinos que futuramente dariam origem à Inglaterra. Como já havia feito em As Crônicas de Artur, Cornwell descreve com maestria como era, naquela época, fazer parte de uma parede de escudos. Os desafios de Uhtred, ao longo da saga, onde enfrenta os mais perigosos adversários como os vikings Ubba, Erik, Sigifrid, Cnut – ‘O Espada Longa’, além de outros - são fantásticos e empolgam os leitores. Enfim, uma saga maravilhosa para ser devorada com prazer.

Em O Senhor da Guerra, o autor consegue fechar a saga de 13 livros com perfeição. Cornwell foi muito realista com relação a Uhtred e seus guerreiros, talvez por esse motivo a história tenha desagradado um pouco aquelas pessoas que sonhavam ver um Uhtred violento, desafiando para o combate guerreiros enormes, verdadeiros brucutus com espadas afiadas ou machados enormes. Cara, se isso acontecesse, a narrativa ficaria totalmente “fora da casinha” porque o tempo passa e nós, simples mortais, ainda não descobrimos o segredo da juventude eterna. O mesmo acontece com os personagens criados por Cornwell.

Ficaria muito estranho, por exemplo, observarmos o garoto Athelstan – que teve Uhtred como mentor e protetor ao longo da saga – crescendo e tornando-se um grande rei e ao mesmo tempo vermos Uhtred, ao seu lado, ainda jovem, forte e sem nem um fio de cabelo ou barba brancos. Mais estranhos ainda, seria ver Athelflaed - filha de “Alfredo, O Grande” - que foi uma das amantes de Uhtred, envelhecer e morrer, enquanto o nosso guerreiro continuasse belo e formoso.

Cornwell respeitou a linha do tempo em sua saga e por isso, ela se transformou num dos maiores fenômenos literários das últimas décadas. Sei que escrevendo dessa maneira, os leitores do blog podem até mesmo imaginar um Uhtred velho, inválido e sem graça em O Senhor da Guerra. Não, pelo contrário. O Uhtred desse último livro é muito mais sagaz, inteligente, um estrategista brilhante, além de continuar com a língua afiada e a coragem mais fortes do que nunca. No decorrer da narrativa ocorrem momentos em que o personagem se defronta com dilemas e dúvidas que poucas vezes vimos durante toda a série, uma delas e muito importante está relacionada com o seu primeiro filho que optou por tornar-se padre, o que fez com que o seu pai o desertasse. Prestem atenção nesse trecho: muito emocionante.

Certamente é um dos livros com menos ação dessa saga. Por isso, se você espera ver Uhtred matando inimigos à vontade vai ficar desapontado porquê dessa vez o autor focou em mostrar o que os anos de experiência deram ao guerreiro pagão. Assim, ele se mostra como ser um grande líder e como já escrevi acima: um estrategista militar brilhante. Apesar dos anos, o nome do famoso personagem ainda gera temor e respeito, tanto de seus aliados quanto dos inimigos.

Apesar dos anos terem deixando as juntas de seu corpo um pouco endurecidas, ele ainda faz questão de participar de uma parede de escudos e liderar os seus homens em batalha, mas de uma maneira real, sem aquelas estrepolias dos primeiros livros. Confesso que esses detalhes fizeram com que eu considerasse O Senhor da Guerra uma das melhores narrativas de toda a saga.

Neste 13º volume, após anos lutando para recuperar a fortaleza que era sua por direito, Uhtred retornou à Nortúmbria e a tomou de seu tio traiçoeiro. Agora, com seus guerreiros leais e uma nova companheira, a fortaleza de Bebbanburg parece em segurança. Uhtred, entretanto, está longe de gozar da mesma tranquilidade. Para além das muralhas inexpugnáveis de Bebbanburg, tem início uma disputa por poder.

Ao sul, o rei Æthelstan unificou os reinos de Wessex, da Mércia e da Ânglia Oriental, e agora tem os olhos voltados para a realização irrevogável do sonho de seu avô Alfredo: a criação de um único reino unificado na Britânia. Enquanto isso, ao norte, o rei Constantino e outros líderes escoceses e irlandeses desejam ampliar suas fronteiras, cientes da ameaça que Æthelstan representa. O jovem monarchus totius Britanniae, o monarca de toda a Britânia, ainda não conquistou a Nortúmbria, o último reino ao norte, as terras que fazem fronteira com a Escócia de Constantino.

No olho da tempestade está Uhtred. Preso por um juramento a Æthelstan, mas em busca de paz em sua querida Nortúmbria, ele se vê ameaçado e subornado pelos dois lados do conflito, enquanto precisa encarar uma escolha impossível: manter-se longe da disputa, arriscando sua liberdade e a perda da formidável Bebbanburg, ou se lançar na guerra rumo à mais terrível batalha que os reinos já enfrentaram. Só o destino dirá o resultado.

Como costumo escrever: “Livraço!” Vale a pena ser lido e devorado.


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