Para aqueles que leram a postagem anterior e estão
curiosos com relação a saga da minha Consul. Eu respondo: “Sim; ela continua
escancaradamente escancarada e... quebrada. Parece que os “doutores” estão
divergindo, e muito, sobre a sua “doença”. Sério: estou fortemente propenso a
comprar uma nova geladeira. Não sei, se Consul, novamente (rs). Mas vamos ao
que interessa, chega de divagações.
Galera, li recentemente Circe: Feiticeira, Bruxa, entre o castigo dos deuses e o amor dos
homens e amei! Madeline Miller que livro você escreveu! Uma justa homenagem
para uma das personagens mais icônicas da mitologia grega, mas que foi
injustamente explorada neste gênero literário. Que eu saiba, ela aparece em A Odisseia de Homero e em poucas linhas,
num trecho muito curto. Neste clássico da literatura mundial, ela é retratada
apenas como uma deusa feiticeira que transforma homens em porcos e acaba se
apaixonando por Ulisses e por isso decide utilizar alguns de seus artifícios
para prendê-lo na ilha de Eana. A
Odisseia como sabemos, tem todos os seus holofotes direcionados para o
herói grego Ulisses e suas aventuras visando o seu retorno a Ítaca, a pós a
Guerra de Tróia.
Quando li a obra de Homero, Circe me fisgou logo de
cara, mesmo aparecendo muito pouco na trama. Sua inteligência, personalidade e
sagacidade me conquistaram tanto que acabei ficando frustrado por ela ter sido
apenas uma mera coadjuvante nos versos ou prosa de A Odisseia. Por isso, há algum tempo, quando Madeline Miller
anunciou que escreveria um livro contando a história de Circe desde o seu
nascimento até a fase adulta, comemorei muito.
E esta comemoração foi ainda maior quando soube que a
autora construiu a história após ter lido muitas pesquisas, incluindo a própria
A Odisseia em grego antigo, além de
muitos estudos sobre o texto de Homero. Fiquei sabendo, após algumas pesquisas,
que foram dez anos dedicados ao aprofundamento no mundo da mitologia grega.
Vale lembrar que Miller é professora de latim e grego e atuou no departamento
de dramaturgia da Yale School of Drama, onde fazia adaptações dos textos
clássicos para a linguagem atual.
Madeline Miller |
Cara, com todas essas referências o meu termômetro de
expectativa com relação ao lançamento da obra ultrapassou os 40 graus. Assim, não
pestanejei nenhum segundo para comprar Circe:
Feiticeira, Bruxa, entre o castigo dos deuses e o amor dos homens.
Como já ‘disse’, a autora escreveu um livraço onde temos
a oportunidade de conhecer em detalhes essa personagem marcante da mitologia
grega. E o melhor: tudo narrado em primeira pessoa, ou seja, por ela, Circe. Fiquei sabendo que a famosa feiticeira da mitologia é filha de Hélio, o Sol, e por ser considerada
uma divindade menor, além de filha menos interessante em comparação com os seus
outros dois irmãos - Eeetes, rei da Cólquida, guardião do velo de ouro, e de
Pasífae, mulher de Minos – acaba sendo renegada. Ainda jovem, ao conversar com
Prometeu – às vésperas de sua punição por ceder o fogo à humanidade –, Circe
sente-se inexplicavelmente atraída pelos mortais.
É a partir dessa rejeição pelos deuses que tem início
o crescimento de Circe e o seu interesse pelos seres humanos. O seu
empoderamento começar a dar os primeiros passos depois da atitude tomada pelos
seus pais e apoiada pela poderosos deuses do Olimpo. Aos poucos, ela vai
descobrindo seus feitiços, um novo tipo de poder temido por titãs e olimpianos,
e é banida para uma ilha deserta chamada Eana. Nesta nova fase de sua vida, a
personagem vai crescendo, crescendo até se tornar uma deusa temida pelos
poderosos olimpianos, capaz de enfrentar até mesmo Atena, filha de Zeus, considerada
uma das deusas mais poderosas do Olimpo.
Representação de Circe transformando homens em porcos |
Mais do que ser uma obra sobre o empoderamento feminino,
Circe: Feiticeira, Bruxa, entre o castigo
dos deuses e o amor dos homens esmiuça várias passagens e histórias marcantes
da mitologia grega, as quais os leitores tem apenas um conhecimento básico ou
superficial. Por exemplo, o mito de Cilla, monstro marinho que em A Odisseia devorou seis dos companheiros
de Ulisses. Na mitologia, Cila é uma criatura sobrenatural, com 12 pés e 6
cabeças de longos pescoços, cada cabeça tinha uma fileira de afiados dentes
triplos, enquanto que os seus lombos foram cingidos com as cabeças de cães
latindo. Ela faz sons horríveis e devora qualquer marinheiro que se aproximar o
suficiente para que ela coloque seus pescoços para fora e agarrá-los.
A autora conta toda a origem de Cilla que antes de se
tornar esse terrível monstro era um ser humano normal que se relacionava com
Circe, mas algo nesse relacionamento acabou mudando para sempre o destino de
Cilla.
Miller seleciona ainda alguns outros mitos e
costura-os em uma narrativa coesa de modo a construir uma personalidade
consistente para Circe, justificando alguns de seus atos mais cruéis, como seu
péssimo hábito de transformar marinheiros em porcos, bem descrito no 10º canto
da Odisseia. E confesso que após ter conhecimento dos motivos que levavam Circe
a ter essa atitude, não tirei um grama de sua razão; se quer saber... até
vibrei.
O encontro de Circe e Ulisses na ilha de Eana também é
desmistificado pela autora que narra essa icônica passagem de A Odisseia sob a visão da feiticeira.
Neste trecho da obra passamos a conhecer um outro lado da personalidade de
Ulisses e que talvez possa chocar alguns leitores que o veem apenas como um dos
grandes heróis guerreiros de Ilíada e
A Odisseia.
Temos também a oportunidade de presenciar novas
passagens que nunca foram retratadas em outras histórias da mitologia como o encontro
de Circe com o Minotauro ou como ela conheceu Dédalo, outro importante
personagem da mitologia grega.
O livro confere profundidade a Circe, desmistificando
sua tirania – tão arraigada na cultura ocidental. Que livro! Que personagem! Valeu muito a
leitura.
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