Bastaram apenas poucas páginas do livro As 100 Melhores Histórias da Mitologia
para provocar em mim uma baita ressaca literária, mas uma ressaca no bom
sentido, do tipo: “Putz! Vai ser difícil esquecer essa história da maneira como
foi narrada”. Estou me referindo ao mito de “Jasão e Medéia” que faz parte da
coletânea selecionadas pelo autores A.S. Franchini e Carmen Seganfredo.
Já li esse mito várias vezes e cada vez, escrito de uma
maneira diferente, mas sempre mantendo a sua essência, com cada autor organizando
a narrativa a seu bel prazer. A grosso modo vejo o mito de Medeia como a
receita de um prato especial onde os chefs de cozinha usam temperos diferentes.
Com isso, os pratos mantem – como já disse – a sua essência, mas dependendo do
tempero utilizado, alguns terão os seus sabores realçados e outros nem tanto.
Agora, transfira tudo isso para o contexto literário e teremos no lugar de um
prato delicioso, a história de Jasão e Medéia, e ao invés de chefs de cozinha,
teremos os autores que organizam as publicações da história. E posso garantir
que até agora, o prato mais saboroso foi o servido por Franchini e Seganfredo.
Os autores/organizadores não pouparam detalhes no
conto. No meu caso, por exemplo, desconhecia algumas atitudes tomadas por
Medeia como prova de seu amor por Jasão. E aqui cabe um spoiler: ‘para garantir
sua fuga da Cólquida onde Jasão foi buscar ou melhor... roubar o velocino de
ouro, Medeia chegou ao ponto de matar o seu irmão Apsirto e desmembrar todo o
seu corpo, jogando os pedaços ao mar, sabendo que seu pai, Rei da Cólquida,
ficaria devastado com a perda e pararia para coletar os restos do filho,
garantindo-lhe um funeral adequado’. Desta forma, Medeia e Jasão conseguiram
embarcar na nau Argos e fugir da Cólquida.
Medeia foi capaz de outras atrocidades para proteger o
seu amado. Comparo essa famosa feiticeira da mitologia grega como uma leoa
selvagem capaz de atacar qualquer um que ouse se aproximar ou fazer qualquer
mal para a sua prole.
Franchini e Seganfredo narram outras duas atitudes
digamos... pesadas de Medeia que afetaram diretamente a vida de outras pessoas
que desejavam prejudicar Jasão das piores maneiras. A feiticeira acabou sendo
mais esperta e como diz o ex-rubronegro Gerson: “Vapo”. Resultado: mandou os conspiradores para o
reino de Hades e Proserpina. ‘Entonce’, no decorrer da narrativa, a ganancia de
Jasão vai florescendo e ele resolve meter o pé na b... de Medeia. Pior, abandona
a mulher com os seus dois filhos e a coloca no olho da rua com uma mão na
frente e outra atrás.
Franchini e Seganfredo narram a briga do casal
detalhadamente, o que não vi em outros livros. A metamorfose de Jasão também é
muito bem explicitada em As 100 Melhores
Histórias da Mitologia. Num primeiro momento vemos um herói corajoso,
decidido e honesto, um verdadeiro líder à ser respeitado, capaz de comandar
outros heróis tão ou até mais famosos do que ele, entre os quais: Hércules,
Teseu, Castor e Pólux, e outros. Depois, ao recuperar o velocino de ouro, vemos
a sua metamorfose; aos poucos, ele vai se tornando mesquinho, ardiloso,
traiçoeiro e o pior: covarde. Toda essa transformação também é mostrada detalhadamente
pelos autores.
Medeia é uma personagem da mitologia grega, descrita
extensivamente na peça Medea, de Eurípedes e no mito de Jasão e os Argonautas.
Medeia era uma mortal filha do rei da Cólquida, e neta do deus do sol Hélio. Em
diversos mitos Medeia é descrita como uma feiticeira, muitas vezes ligada à
Hécate (deusa da bruxaria e das encruzilhadas).
Jasão e Medeia no filme "Jason and the Argonauts" de 1963
A história de Jasão e Medeia inicia-se com a chegada
do herói a Cólquida, para obter o Velo ou Tosão de Ouro (a lã de ouro de um
mitológico carneiro) necessário para sua volta ao trono da Tessália. Medeia
apaixona-se por Jasão e promete ajudar-lhe, com a condição de que se ele obter
o Velo de Ouro, a leve junto com ele, já que ela passará a ser vista como
traidora de seu povo. Para que Jasão obtenha o poderoso Velo, ele teve de
realizar várias tarefas consideradas mortais, mas graças a Medeia, ele consegue
completar todas elas.
A personalidade vil de Jasão chega ao ápice quando ele
confronta Medéia e tenta explicar-se, dizendo que vai se casar com a filha do
rei de Corinto pois só assim conseguirá ser o mandatário supremo daquele reino.
Por isso, Jasão não poderia deixar passar a oportunidade de se unir com uma
princesa já que Medéia é apenas uma mulher bárbara e sem instrução. Dizendo
isso, ele a expulsa de casa.
O fim de ambos é muito triste, principalmente o de
Medeia e de seus dois filhos. Na minha opinião é uma das histórias mais melancólicas
e dramáticas da mitologia grega porque além do “The End” trágico, o enredo
mostra, aos poucos, a desconstrução moral de um grande herói, mais que isso, a
desconstrução do amor.
No início vemos Jasão como o protótipo do herói
perfeito com virtudes que todos nós sonhamos ter, mas aos poucos essa imagem se
desfaz: O altruísmo cede lugar para a ambição e a honradez para a falsidade.
Enfim, Jasão vai perdendo todas as suas qualidades morais até chegar ao fundo
do poço, tornando-se um ébrio, esquecido por todos.
Quanto a história de amor vivida pelo herói e por
Medeia também vai se metamorfoseando gradativamente. No início, vemos ambos
completamente apaixonados, mas depois esse amor vai se degradando, convertendo-se
num sentimento falso e até mesmo doentio.
Enfim, um conto tenso e dramático, mas que merece ser
lido pelos amantes da mitologia grega.
Postar um comentário