O Jabuti pode ser considerado um dos prêmios mais importantes da literatura brasileira, para não falar “o mais importante”. Acredito que o maior diferencial do Prêmio Jabuti, em comparação com outros prêmios, é sua abrangência: além de valorizar os escritores, ele destaca a qualidade do trabalho de todos os profissionais envolvidos na criação e produção de um livro.
O prêmio é tão cobiçado que anualmente, editoras dos
mais diversos segmentos e uma infinidade de escritores independentes de todo o
Brasil inscrevem suas obras na esperança de receber a almejada estatueta e o
reconhecimento que ela proporciona. Receber o Prêmio Jabuti é um desejo
acalentado por aqueles que veem o livro como um instrumento essencial para a
disseminação da cultura.
Neste ano, os escritores, aqui da terrinha, que
venceram em suas respectivas categorias estarão recebendo as estatuetas no dia
19 de novembro. Cada vencedor de categoria receberá a icônica estatueta do
Jabuti e um prêmio de R$ 5 mil, com exceção da categoria Livro Brasileiro
Publicado no Exterior. As editoras das obras vencedoras também serão agraciadas
com a estatueta.
E como estamos vivendo esse clima de premiação,
resolvi publicar essa postagem que eu acredito irá agradar aqueles leitores que
assim como eu, adoram devorar um livro nacional.
Selecionei dez obras que faturaram o Jabuti ao longo
dos anos, desde a implantação do prêmio em 1959. São obras que definitivamente
não podem faltar em suas estantes por serem boas demais; aliás, boas não;
excelentes. Vamos a elas.
01
– Por quem as panelas batem (Antônio Prata)
Vamos começar o nosso top list com o livro de Antônio
Prata que foi um dos grandes vencedores do Prêmio Jabuti de 2023 na categoria
“Crônicas”. Por quem as panelas batem
reúne crônicas publicadas pelo autor na Folha de S. Paulo entre junho de 2013 e
o final de 2021. Prata dá um mergulho na política brasileira contemporânea,
abordando desde o impeachment de Dilma Rousseff até a ascensão e influência do
bolsonarismo.
Utilizando-se de um formato que alterna entre a ironia
e a seriedade, Prata consegue, ao mesmo tempo, entreter e provocar reflexão.
Suas crônicas, por vezes humorísticas, por vezes carregadas de luto e
indignação, especialmente cobrindo os anos da pandemia, refletem a dualidade do
período.
Tomei conhecimento desse livro há poucos dias e as
opiniões positivas tanto de críticos literários quanto de leitores me
convenceram a incluir Por quem as panelas
batem em minha já extensa lista de leituras.
02
– “Rota 66 – A história da polícia que mata” (Caco Barcellos)
Considero o jornalista Caco Barcellos um dos
repórteres mais corajosos da televisão brasileira. O cara é fera. Os temas
polêmicos abordados por ele, quase sempre passam batidos por outros
profissionais por causa do perigo que envolve essas abordagens. Caco explora a
fundo esses temas e procura trazer para os seus leitores a podridão que se
esconde de baixo de uma camada linda e perfumada que é apresentada para
sociedade. Entenda essa camada como: instituições, governo e também alguns
fatos.
Rota
66 – A história da polícia que mata, livro que Barcellos escreveu em 1992
recebeu rasgados elogios dos leitores. Os críticos, então... simplesmente
babaram na obra. A partir daí, passou a ser relançado com frequência.
O livro levou sete anos para ser escrito, mas a
investigação por trás dele atravessa pelo menos duas décadas. Vencedor do
prêmio Jabuti de 1993, Rota 66 - A
história da polícia que mata é uma rigorosa investigação sobre o trabalho
da Polícia Militar de São Paulo entre as décadas de 1970 e 1990. Nele,
Barcellos denuncia a atuação irregular da Ronda Ostensiva Tobias de Aguiar
(Rota) como um verdadeiro aparelho estatal de extermínio. Um esquadrão da morte
responsável pela morte de milhares de pessoas. A maioria delas inocente. O
livro parte das origens da criação de um sistema mortal de extermínio,
demonstra seus métodos, desvenda sua consciência. Caco denuncia seus métodos de
atuação e mostra como o sistema incentiva esse tipo de ação. O livro pode,
tranquilamente, ganhar o status de emblemático e assume proporções de uma grave
denúncia social. O autor desmonta as engrenagens da Rota e o perfil de seus
principais matadores.
03
– Corpos Secos (Marcelo Ferroni, Luísa Geisler, Samir Machado e Natália Borges
Polesso)
E quem disse que brasileiro não sabe escrever romance
de ficção de científica?! Quatro escritores brasileiros provaram o contrário e
ainda foram mais além ao transformar a sua narrativa de ficção científica num
thriller psicológico. O resultado dessa ousadia literária foi o livro Corpos Secos que conquistou o Prêmio
Jabuti de 2021 na categoria “Romance”.
O livro escrito em conjunto por Marcelo Ferroni, Luísa
Geisler, Samir Machado e Natália Borges Polesso é um tiro certeiro no alvo para
os leitores que amam o gênero ficção científica temperada com muito suspense e
pitadas de ação. Um amigo leu o livro e adorou; e olha que ele não é fã de
livros nacionais. Após ver toda a sua empolgação com a obra, decidi também
incluí-la em minha lista de leituras que vocês já devem ter começado a perceber
está se tornando um calhamaço (rs).
Na história escrita a oito mãos, em um futuro próximo,
o uso abusivo de agrotóxicos no Brasil leva ao surgimento de um vírus mutante
que, além de matar os contaminados, os transforma em cadáveres ambulantes, os
“corpos secos” (a palavra “zumbi” não é usada no livro), que continuam transmitindo
a infecção. Alguns meses depois, há poucos sobreviventes. Um jovem
aparentemente imune à doença está sendo estudado por uma equipe médica e
precisa ser protegido a qualquer custo. Ainda fazem parte da narrativa, uma
dona de casa que vive em uma fazenda no interior do Brasil e se encontra
sozinha precisando reagir para sair de seu isolamento; uma criança quê vê a mãe
tentar de tudo para salvar a família e fugir do contágio; além de uma
engenheira de alimentos que percebe que seus conhecimentos técnicos talvez não
sejam suficientes para explicar o terror que assola o país. Juntos, eles vão
narrar suas jornadas, em busca do último refúgio ao sul do país.
04
– O Coronel e o Lobisomem (José Cândido de Carvalho)
A obra de José Cândido de Carvalho que faturou o
Jabuti nos primórdios do prêmio, em 1965 se tornou ao longo de décadas uma
verdadeira obra-prima da literatura brasileira.
O
Coronel e o Lobisomem é um dos livros mais importantes do
regionalismo fantástico da literatura brasileira. Publicado em 1964, o romance conta
com uma linguagem inovadora e original, usando o regionalismo e a fantasia para
abordar questões acerca do ser humano, como amizade, ambição, coragem e
loucura.
A obra narra a ascensão e queda do coronel Ponciano de
Azeredo Furtado, seguindo uma estrutura que lembra as aventuras de Dom Quixote,
repleta de episódios divertidos, referências a lendas brasileiras e resquícios
da literatura de cordel. Assim, a obra traça um retrato da sociedade brasileira
e explora situações satíricas para tecer críticas sociais.
05
– O Alienista – Edição em quadrinhos (Fábio Moon e Gabriel Bá)
Tenho certeza que nunca passou pela sua cabeça que um
dia o clássico O Alienista de Machado
de Assis poderia ser transformado numa história em quadrinhos. Pois é, mas o
surreal acabou virando realidade quando os irmãos gêmeos Fábio Moon e Gabriel
Bá tiveram essa ideia considerada tresloucada no início, mas que provou ser
genial no fim, uma verdadeira sacada de mestre. A prova disso é que a nova
versão de O Alienista foi a primeira
história em quadrinhos a receber o prestigioso Prêmio Jabuti.
A adaptação do clássico de Machado de Assis foi
lançada originalmente em 2007, pela Agir. O trabalho da dupla, fiel ao texto
original, dá cores e movimentos à história do médico Simão Bacamarte — um dos
personagens mais marcantes da literatura nacional - responsável por fundar o
hospício Casa Verde. A narrativa é célebre por questionar, afinal, quem são
realmente os “loucos” na sociedade.
06
– Uma Mulher no Escuro (Raphael Montes)
Uma
Mulher no Escuro de Raphael Montes, o mesmo autor do
fenômeno literário chamado Jantar Secreto,
conquistou o Jabuti em 2020 na categoria “Romance de Entretenimento” que havia
sido criada naquele mesmo ano.
No livro narrado em terceira pessoa, um crime brutal
cometido há vinte anos tem apenas uma única sobrevivente, cuja vida se
transforma num terror quando o assassino decide retornar para concluir a sua
“tarefa”. Em quem essa sobrevivente poderá confiar?
De acordo com a sinopse da editora Companhia das
Letras, a personagem Victoria Bravo tinha quatro anos quando um homem invadiu
sua casa e matou sua família a facadas, pichando seus rostos com tinta preta.
Única sobrevivente, ela agora é uma jovem solitária e tímida, com pesadelos
frequentes e sérias dificuldades para se relacionar. Seu refúgio é ficar em
casa e observar a vida alheia pelas janelas do apartamento onde mora, na Lapa,
Rio de Janeiro; até que... leiam o livro
07
– Torto Arado (Itamar Vieira Junior)
Além de Raphael Montes, o escritor baiano Itamar
Vieira Junior também foi um dos vencedores do Jabuti em 2020, mas na categoria “Romance
Literário”, com o seu livro Torto Arado,
que traz a resistência e ancestralidade negra como foco principal. Na época, o
autor venceu outros autores renomados como Chico Buarque, Maria Valéria
Rezende, Paulo Scott e Adriana Lisboa.
Apesar de não ter gostado do livro num todo, não posso
negar que Torto Arado foi considerado
quase numa unanimidade entre leitores e críticos que classificaram a obra de
Itamar Vieira um clássico da literatura brasileira contemporânea.
O autor narra a saga de duas irmãs intrépidas –
Bibiana e Belonísia – que vivem no interior árido da Bahia. Elas deparam-se com
uma faca ancestral e enigmática escondida na mala sob a cama da avó. Um
incidente transformador ocorre, entrelaçando irrevogavelmente seus destinos, de
modo que uma se torna a voz da outra.
O romance narra uma saga de vida e morte, de lutas e
redenção. A narrativa revela uma fusão épica e lírica, mesclando elementos
realistas e mágicos.
08
– As Meninas (Lygia Fagundes Telles)
Cá entre nós: seria a maior sacanagem se uma das
maiores escritores brasileiras fosse “rifada” da premiação do Jabuti. Graças a
Deus, essa injustiça não aconteceu. Em 1974, Lygia Fagundes Telles faturou o
prêmio com o livro As Meninas, um dos
títulos mais aclamados da autora paulistana.
Este seu terceiro romance é marcado por um caráter
subversivo e nada morno. O livro também fica entre os selecionados como leitura
obrigatória para os vestibulares em todo o território nacional nos dias atuais.
Além do Jabuti, a obra ganhou o prêmio Coelho Neto da Academia Brasileira de
Letras.
A crítica literária especializada considera o romance As Meninas um dos mais ousados já
publicados no Brasil. Alguns vão mais além e proclamam a obra como a mais
ousada de todos os tempos. O motivo é que o livro foi escrito na época da
ditadura militar, período em que a censura imposta pelos militares acabou
fazendo muitas vítimas. Um dos grandes exemplos que deixa evidente a coragem a
autora, é a ampla descrição do episódio de uma sessão de tortura e das
repressões sofridas por quem se opunha ao regime.
As
Meninas acompanha a jornada de três jovens mulheres
universitárias no início da década de 70. Lorena, Ana Clara e Lia são de mundos
distantes, vivendo impasses muito parecidos e ao mesmo tempo diferentes, cada
qual com seu próprio drama durante o período turbulento da ditadura. Elas têm
seus destinos cruzados quando dividem o mesmo teto em um pensionato de freiras
na cidade de São Paulo e acabam por se aproximar, tornando-se amigas e
confidentes.
09
– 1822 (Laurentino Gomes)
Na minha época de ginasiano, a minha turma tinha um
professor de História fantástico; tão fantástico que após mais de meio século
ainda guardo o seu nome na memória. O “seo” Luiz explicava História do Brasil
de uma maneira fluida, num estilo coloquial que fazia com que a nossa classe –
que tinha vários alunos bagunceiros – ficasse num silencio “sepulcral”. Todos
nós viajávamos nessa aula, como se estivéssemos ali, ao lado de Dr. Pedro, da
Família Real, da Princesa Isabel, vivendo juntamente com eles, as suas
aventuras e desventuras.
Apesar de ainda não ter lido 1822 de Laurentino Gomes, pelos comentários que vi nas redes
sociais, posso comparar o escritor com o meu antigo professor, o “seo” Luiz. A
grande maioria dos leitores que leram 1822
colocaram a obra no “céu”, enaltecendo, principalmente, a sua narrativa
fluida e capaz de prender a atenção até mesmo dos mais absorto dos leitores.
Em 1822,
Laurentino Gomes compara diferentes relatos sobre o dia 7 de Setembro e a
proclamação da independência. A verdade é que esse fatídico dia foi bem menos
épico do que a pintura “Independência ou Morte”, de Pedro Américo, nos mostra.
Segundo sinopse oficial da obra, mais do que
desmistificar o grito às margens do Ipiranga, o escritor analisa como Dom Pedro
conseguiu, apesar de todas as dificuldades, fazer do Brasil uma nação na
sequência das mudanças provocadas pela fuga da família real portuguesa em 1808.
O autor mostra como as Guerras Napoleônicas, a Revolução Francesa e a
independência dos Estados Unidos, entre outros acontecimentos, criaram um
ambiente favorável à criação de um novo país nos trópicos.
Merecidamente a obra foi vencedora do Prêmio Jabuti de
“Melhor Reportagem” em 2022. O livro, de acordo com a sinopse, nos leva a
compreender melhor as origens do Brasil e como problemas estruturais ainda
influenciam a nossa realidade hoje numa leitura fácil, agradável e fluída.
Taí, com certeza, 1822,
também entrará na minha já extensa lista de leituras.
10
– Fim (Fernanda Torres)
Depois de anos dedicados à dramaturgia, com trabalhos
super reconhecidos em televisão, cinema e teatro, em 2013 Fernanda Torres lançou
o seu primeiro livro de ficção.
Além de ter sido muito bem recebido pela crítica Fim ‘papou’ de cara o Prêmio Jabuti.
Provando que não estava para brincadeiras, Fernanda Torres em sua primeira
experiência como escritora, acabou levando para casa um dos maiores prêmios da
literatura brasileira.
Fim
chegou a ficar entre o oitavo livro mais vendido em 2013. Em 2023, ele voltou
com toda a força após o lançamento da série, com o mesmo nome, pela Globoplay.
Fim
conta a história de cinco amigos oriundos do Rio de Janeiro que revisitam
momentos marcantes de suas trajetórias: festas, uniões, separações, peculiaridades,
inibições e remorsos. No entorno deles, desfilam mulheres com distintos perfis
— neuróticas, amargas, sedutoras, despreocupadas, descartadas e resignadas. A
trama inclui um padre em crise com sua vocação e uma variedade de personagens
cariocas, fruto da aguçada capacidade de observação da autora.
Bem... torço para que essa lista sirva de base para os
seguidores do blog escolherem um bom livro que ajude a combater a ressaca
literária pela qual, talvez, vocês estejam passando.
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