Torto arado

29 agosto 2023

Lá estou eu, novamente, nadando contra a maré. E desta vez uma maré muito, mas muito forte chamada Torto arado. Amei o livro? Não. Gostei? Em parte, ou melhor, em partes já que foram duas. Transformando essas duas respostas numa só: achei “Torto Arado” inicialmente razoável e depois bom – como explicarei na conclusão desse texto - mas não excelente.

Falei acima que estou nadando contra uma maré muito forte porque o livro de Itamar Vieira Junior além de ter vencido dois dos principais prêmios da literatura brasileira (Oceanos e Jabuti) se transformou, praticamente, em unanimidade nacional ganhando assim, o status de clássico da nossa literatura.

Cara, desista de encontrar uma crítica desfavorável à obra nas redes sociais porque todas a enaltecem ao extremo. Com muito custo, após zapear na net, você conseguirá localizar “umas” cinco ou seis. Esclarecendo que todas elas não chegam a ser desfavoráveis, do tipo: “não gostei, achei o livro ruim e ponto final”. Estou querendo dizer que esses poucos leitores acharam a obra razoável. No meu caso, o ‘meu nadar contra a maré’ significa que gostei de duas partes e me decepcionei com outra.

O romance de Vieira Junior é dividido em três capítulos: “Fio de Corte”, “Torto Arado” e “Rio de Sangue”. O autor narra a vida dos trabalhadores rurais de Água Negra, uma fazenda na região da Chapada Diamantina, interior da Bahia. Os trabalhadores de Água Negra não recebiam salário para arar a terra, apenas morada, ou melhor, o direito de construir casebres de paredes de barro e telhado de junco (construções de alvenaria eram proibidas) e cultivar roças no quintal quando não estivessem plantando e colhendo cana-de-açúcar e arroz nas terras do patrão. Só ganhavam algum dinheiro quando vendiam na feira a abóbora, o feijão e a batata que cultivavam no quintal ou quando conseguiam a aposentadoria rural. Eram quase todos negros, descendentes dos escravizados libertos havia poucas décadas. A história aborda o sofrimento e também a luta desses trabalhadores em busca de sua liberdade com ênfase nas figuras femininas onde se destacam as irmãs Bibiana e Belonísia. A primeira parte de Torto arado é narrada por Bibiana; a segunda, por sua irmã, Belonísia. As duas são filhas de Zeca Chapéu Grande, um dos trabalhadores de Água Negra.

Amei a primeira parte de “Torto Arado”, amei, de fato. A narrativa fluída e o carisma dos personagens fizeram com que eu devorasse essa primeira parte em menos de um dia. A narrativa fluida tem o poder de transportar os leitores para o dia a dia dos trabalhadores de Água Negra como se estivéssemos ali vivendo a sua labuta. Somos apresentados há vários personagens interessantes bem como para a sua rotina de vida envolvendo conflitos familiares e com patrões, sonhos, pequenas conquistas, alegrias, sofrimento; enfim, uma miscelânea de emoções. Este capítulo aborda principalmente o relacionamento entre Bibiana e Belonísia, desde a infância, que ficou mais fortalecido ainda após um acidente envolvendo uma delas.

Esta fluidez da narrativa continua na segunda parte do romance, no capítulo “Torto Arado”, dessa vez, narrado por Belonísia, Se no capítulo “Fio de Corte” presenciamos a aproximação, o amor, o respeito e até mesmo um pacto de união entre Bibiana e Belonísia, nesta segunda parte, o autor narra o distanciamento gradativo entre as duas irmãs até culminar com a ruptura que acontece após uma delas deixar Água Negra. Neste capítulo Vieira Júnior mostra também as origens de Zéca Chapéu Grande, pai de Bibiana e Belonísia; de Donana, avó das duas irmãs e também de outros personagens importantes na trama. Outra parte importante da trama apresentada nesse capítulo está ligada ao início da conscientização dos trabalhadores cruelmente explorados em Água Negra. Esta conscientização parte de um personagem muito importante ligado diretamente a Bibiana.

E tão chega a última parte, “Rio de Sangue” e pronto: a fluidez cede lugar para uma narrativa arrastada e desinteressante que acaba dispersando a atenção do leitor. Este capítulo é narrado por uma entidade de ‘jarê’ que é uma prática religiosa de matriz africana presente exclusivamente na região da Chapada Diamantina. O espetáculo é considerado uma espécie de “candomblé de caboclos”.

Este capítulo serve para fechar o destino dos personagens principais e também do contexto de Água Negra. Podemos dizer que é um capítulo de definição, mas infelizmente, nesse ponto a narrativa empaca. Torna-se cansativa e desinteressante. Se eu li rapidamente “Fio de Corte” e “Torto Arado” acabei empacando, mas empacando, de fato, em “Rio de Sangue”.

Tão logo acabei a leitura da obra, a sua última parte arrastada acabou influindo negativamente na fluidez de seus dois primeiros capítulos. Sei lá, acho que fiquei decepcionado com o destino dado para alguns personagens e também com a definição para algumas situações, então, no calor da emoção ou da decepção, acabei achando a obra apenas razoável. Mas depois, com mais calma, analisando e relembrando várias passagens marcantes dos dois primeiros capítulos, entendi que esse razoável seria injusto, assim, resolvi classificar Torto arado como boa, mas não excelente.

Postar um comentário

Instagram