Lá estou eu, novamente, nadando contra a maré. E desta
vez uma maré muito, mas muito forte chamada Torto
arado. Amei o livro? Não. Gostei? Em parte, ou melhor, em partes já que foram duas. Transformando essas duas
respostas numa só: achei “Torto Arado” inicialmente razoável e depois bom –
como explicarei na conclusão desse texto - mas não excelente.
Falei acima que estou nadando contra uma maré muito
forte porque o livro de Itamar Vieira Junior além de ter vencido dois dos
principais prêmios da literatura brasileira (Oceanos e Jabuti) se transformou,
praticamente, em unanimidade nacional ganhando assim, o status de clássico da
nossa literatura.
Cara, desista de encontrar uma crítica desfavorável à
obra nas redes sociais porque todas a enaltecem ao extremo. Com muito custo,
após zapear na net, você conseguirá localizar “umas” cinco ou seis.
Esclarecendo que todas elas não chegam a ser desfavoráveis, do tipo: “não
gostei, achei o livro ruim e ponto final”. Estou querendo dizer que esses
poucos leitores acharam a obra razoável. No meu caso, o ‘meu nadar contra a
maré’ significa que gostei de duas partes e me decepcionei com outra.
O romance de Vieira Junior é dividido em três
capítulos: “Fio de Corte”, “Torto Arado” e “Rio de Sangue”. O autor narra a
vida dos trabalhadores rurais de Água Negra, uma fazenda na região da Chapada
Diamantina, interior da Bahia. Os trabalhadores de Água Negra não recebiam
salário para arar a terra, apenas morada, ou melhor, o direito de construir
casebres de paredes de barro e telhado de junco (construções de alvenaria eram
proibidas) e cultivar roças no quintal quando não estivessem plantando e
colhendo cana-de-açúcar e arroz nas terras do patrão. Só ganhavam algum
dinheiro quando vendiam na feira a abóbora, o feijão e a batata que cultivavam
no quintal ou quando conseguiam a aposentadoria rural. Eram quase todos negros,
descendentes dos escravizados libertos havia poucas décadas. A história aborda
o sofrimento e também a luta desses trabalhadores em busca de sua liberdade com
ênfase nas figuras femininas onde se destacam as irmãs Bibiana e Belonísia. A
primeira parte de Torto arado é
narrada por Bibiana; a segunda, por sua irmã, Belonísia. As duas são filhas de
Zeca Chapéu Grande, um dos trabalhadores de Água Negra.
Amei a primeira parte de “Torto Arado”, amei, de fato.
A narrativa fluída e o carisma dos personagens fizeram com que eu devorasse
essa primeira parte em menos de um dia. A narrativa fluida tem o poder de
transportar os leitores para o dia a dia dos trabalhadores de Água Negra como
se estivéssemos ali vivendo a sua labuta. Somos apresentados há vários
personagens interessantes bem como para a sua rotina de vida envolvendo
conflitos familiares e com patrões, sonhos, pequenas conquistas, alegrias,
sofrimento; enfim, uma miscelânea de emoções. Este capítulo aborda
principalmente o relacionamento entre Bibiana e Belonísia, desde a infância,
que ficou mais fortalecido ainda após um acidente envolvendo uma delas.
Esta fluidez da narrativa continua na segunda parte do
romance, no capítulo “Torto Arado”, dessa vez, narrado por Belonísia, Se no
capítulo “Fio de Corte” presenciamos a aproximação, o amor, o respeito e até
mesmo um pacto de união entre Bibiana e Belonísia, nesta segunda parte, o autor
narra o distanciamento gradativo entre as duas irmãs até culminar com a ruptura
que acontece após uma delas deixar Água Negra. Neste capítulo Vieira Júnior
mostra também as origens de Zéca Chapéu Grande, pai de Bibiana e Belonísia; de
Donana, avó das duas irmãs e também de outros personagens importantes na trama.
Outra parte importante da trama apresentada nesse capítulo está ligada ao
início da conscientização dos trabalhadores cruelmente explorados em Água
Negra. Esta conscientização parte de um personagem muito importante ligado diretamente
a Bibiana.
E tão chega a última parte, “Rio de Sangue” e pronto:
a fluidez cede lugar para uma narrativa arrastada e desinteressante que acaba
dispersando a atenção do leitor. Este capítulo é narrado por uma entidade de ‘jarê’
que é uma prática religiosa de matriz africana presente exclusivamente na
região da Chapada Diamantina. O espetáculo é considerado uma espécie de
“candomblé de caboclos”.
Este capítulo serve para fechar o destino dos
personagens principais e também do contexto de Água Negra. Podemos dizer que é
um capítulo de definição, mas infelizmente, nesse ponto a narrativa empaca.
Torna-se cansativa e desinteressante. Se eu li rapidamente “Fio de Corte” e
“Torto Arado” acabei empacando, mas empacando, de fato, em “Rio de Sangue”.
Tão logo acabei a leitura da obra, a sua última parte
arrastada acabou influindo negativamente na fluidez de seus dois primeiros
capítulos. Sei lá, acho que fiquei decepcionado com o destino dado para alguns
personagens e também com a definição para algumas situações, então, no calor da
emoção ou da decepção, acabei achando a obra apenas razoável. Mas depois, com
mais calma, analisando e relembrando várias passagens marcantes dos dois
primeiros capítulos, entendi que esse razoável seria injusto, assim, resolvi
classificar Torto arado como boa, mas
não excelente.
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