Em 13 de outubro de 1972, o avião que transportava a
equipe de rúgbi uruguaia 'Old Christians Club' colidiu tragicamente contra uma
montanha na Cordilheira dos Andes com 45 pessoas a bordo, entre jogadores,
familiares e amigos. Os sobreviventes, confrontados inicialmente com o impacto
brutal da aeronave, logo se viram diante de adversidades implacáveis, como o
frio intenso, isolamento severo, ausência de perspectiva de resgate e fome.
Para não morrer, os sobreviventes concordaram em
recorrer a uma medida extrema: praticar o canibalismo, consumindo os corpos das
vítimas da tragédia. No desfecho dessa narrativa, 16 pessoas foram
eventualmente resgatadas, marcando o fim de uma jornada de sofrimento e
resiliência.
Quatro anos depois da tragédia seria lançado o filme
“Os Sobreviventes dos Andes”, uma produção mexicana bem modesta e com efeitos
especiais de quinta categoria – para não dizer de sexta categoria. Mas apesar
disso, a estreia do longa foi marcada por polêmicas envolvendo o canibalismo
retratado de forma realista e a exposição de cadáveres.
Lembro-me muito bem dessa polêmica. Tinha 16 ou 17
anos quando assisti ao filme no cinema da minha cidade. Não me pergunte como
consegui entrar na sala de exibição apesar da minha pouca idade; só sei que...
consegui, não me lembro como.
Uma das cenas que me marcou - tanto é verdade que
ainda me recordo dela, apesar de tantos anos decorridos – acontece no momento
em que o avião cai e um sobrevivente, estudante de medicina, tenta empurrar para
dentro da barriga de um moribundo parte do seu intestino que ficou exposto.
Brrrrrrr! A partir daquela cena, percebi que o filme ia ser trucão e o Jam,
“garoto de ontem”, sexagenário de hoje; teria de ser forte para aguentar o
repuxo. As próximas cenas não aliviaram e junto com elas vieram os momentos de
canibalismo. Hoje, ainda me lembro, que no momento dessas cenas quase que
explícitas, um silêncio total invadiu a sala de exibição.
Se hoje, o que chama a atenção dos cinéfilos nessa
produção mexicana de 1976 são os seus efeitos visuais risíveis, há
aproximadamente 48 anos, esses mesmo efeitos tinham o poder de impactar os
espectadores.
Nos livros, a tragédia nos Andes chegou três anos
antes do cinema. Em 1973, o escritor e jornalista inglês Piers Paul Read lançou
Os Sobreviventes que só iria parar
nas telonas vinte anos depois numa produção que contou com Ethan Hawke e
narração de John Malkovich.
Após ter assistido, recentemente, um filme sobre o
assunto na Netflix, decidi escrever essa postagem sobre os livros e as
produções cinematográficas que abordaram um dos acidentes mais graves da
aviação em todo o mundo. Selecionei quatro filmes e três livros para os nossos
seguidores que estão interessados em saber mais detalhes sobre esse acidente
que ficou conhecido como a “tragédia dos Andes”. Começando pelos livros.
Livros
Os
Sobreviventes (Piers Paul Read)
O livro de Piers Paul Read se tornou uma obra
raríssima e difícil de ser encontrada; apesar disso, o seu preço não valorizou.
Após zapear na Net descobri alguns poucos exemplares com preço médio de R$
30,00, o que para uma obra que está perto da extinção, sai praticamente de
graça.
Para compor a sua obra, Read entrevistou todos os
sobreviventes que narram detalhes sobre a tragédia e o que fizeram para
sobreviver. Por isso, alguns críticos reputam o livro do autor como o mais
completo de todos.
Os
Sobreviventes é um relato cru, sincero e visceral,
detalhado a um ponto de fazer o livro ser difícil de ler, mostrando o ambiente
isolado e inóspito dos Andes que levou um grupo de pessoas a optar pelo
canibalismo para tentar sobreviver, rompendo conceitos sociais e normas morais.
Ao longo da leitura, o relato ganha a forma de um romance de não-ficção. Foi
adaptada para os cinemas em 1993.
02
– Milagre nos Andes – 72 dias na montanha e minha longa volta para casa (Nando
Parrado)
Milagre nos Andes – 72 Dias na Montanha e Minha Longa Volta para Casa,
é um livro para leitores de estômago e nervos bem fortes. Nesta obra, o autor
Nando Parrado – que é um dos sobreviventes do grave acidente aéreo nas
profundezas dos Andes – exorciza todos os seus medos e angustias, fazendo um
relato detalhado dos 72 dias de sofrimento nas geladas e isoladas montanhas
andinas. Parrado não usa meias palavras e tão pouco esconde fatos ou segredos
que ocorreram no acidente, nem os mais traumáticos e chocantes. Costumo dizer
que ele “vomita” tudo o que aconteceu naquele fatídico dia em que o um time de
rugby do Uruguai decidiu emprestar um Fairchild F-227 da Força Aérea Uruguaia
para fazer uma partida amistosa no Chile.
Os sobreviventes dos Andes se alimentaram de carne
humana por um período de aproximadamente dois meses. No início, segundo
Parrado, apenas de pedaços superficiais do músculo do antebraço dos mortos, mas
quando o “alimento” começou a faltar, eles tiveram de comer também pulmões,
rins, cérebro e até coágulos de artérias. Ele dá detalhes de tudo isso sem
meias palavras.
03
– A Sociedade da Neve (Pablo Vierci)
A Sociedade da Neve de Pablo Verci intercala as narrativas
dos sobreviventes com relatos do autor que, por sua vez, dá detalhes sobre os
fatos relacionados ao acidente. Cada capítulo é iniciado com descrições de
Vierci sobre a tragédia, desde os momentos descontraídos que marcaram o
embarque dos jovens no avião da Força Aérea Uruguaia até o instante do resgate,
passando pela provação dos 72 dias que definiram a sobrevivência dos 16 jovens,
na época. Logo depois desses preâmbulos vem as narrativas com as experiências
pessoais de cada sobrevivente. O livro dedica um capítulo inteiro para cada um
dos sobreviventes contarem as suas sagas.
A
Sociedade da Neve mostra ainda como foi a reinserção dessas
16 pessoas na sociedade, as dificuldades que elas sofreram para voltar a ter,
novamente, uma vida normal; os momentos emocionantes que marcaram o resgate
após os 72 dias perdidos nos Andes; a reação de seus familiares quando souberem
que eles tiveram de praticar canibalismo para sobreviver; além de outros
assuntos.
Filmes
01
– Os Sobreviventes dos Andes (1976)
O filme mexicano foi a primeira adaptação a narrar o
desastre dos Andes no cinema. Poucos anos após o acidente, em 1976, a estreia
do longa foi marcada por polêmicas envolvendo o canibalismo retratado de forma
realista e a exposição de cadáveres. Por essa espetacularização do drama
enfrentando pelo grupo de sobreviventes, a produção cinematográfica recebeu
fortes críticas pela maneira como abordou.
O filme não tem boa performance no IMDb, obtendo nota
5.6, com base em 631 avaliações, mas teve bom retorno no Google, com 73% de
aprovação do público.
Com Direção René Cardona, o elenco é protagonizado por
Pablo Ferrel, ,, Hugo Stiglitz, Norma Lazareno, entre outros.
Onde
assistir: Plex TV
02
– Vivos (1993)
O filme “Vivos” baseado no livro homônimo de Piers
Paul Read, é a segunda versão lançada no cinema sobre a trágica história da
equipe de rúgbi uruguaia nas montanhas dos Andes. É por muitos considerado mais
fiel à realidade que a obra anterior, de 1976. Um dos sobreviventes do
desastre, Nando Parrado (interpretado por Hawke no filme), atuou como consultor
técnico do filme.
Os nomes das pessoas que morreram no acidente foram
alterados no filme. Havia três exceções principais: Eugenia e Susana Parrado
(mãe e irmã de Nando Parrado, respectivamente), e Liliana Methol (esposa de
Javier Methol).
Com direção de Frank Marshall (O Curioso Caso de
Benjamin Button), o longa de ficção é estrelado por Ethan Hawke, Vincent Spano,
Josh Hamilton, Bruce Ramsay entre outros nomes. “Alive” está disponível para
assistir na Apple TV+.
Onde
assistir: Aple TV+
03
– A Sociedade da Neve (2007)
Ao contrário da produção homônima da Netflix, este
filme de 2007 é um documentário que mostra o testemunho dos dezesseis
sobreviventes do acidente aéreo na Cordilheira dos Andes. Na obra, eles relatam
detalhes desde como foi a fuga, a decisão de se alimentar dos corpos dos
companheiros, até o resgate.
Dirigido pelo uruguaio Gonzalo Arijón (Battle for Rio),
o documentário “A Sociedade da Neve” foi sucesso de crítica. A produção obteve
nota 8.0 no IMDb e 93% de aprovação da audiência no Rotten Tomatoes.
Participam do documentário os sobreviventes José Pedro
Algorta, Roberto Canessa Alfredo Delgado, Daniel Fernández Bobby François, Roy
Harley, Coche Inciarte, Álvaro Mangino, Javier Methol, Carlos Páez, Nando
Parrado, Moncho Sabella, Fito Strauch, Eduardo Strauch, Tintín Vizintín e
Gustavo Zerbino.
Onde
assistir: Pluto Tv.
04
– A Sociedade da Neve (2023)
“A Sociedade Da Neve”, em cartaz na Netflix, é
dirigido pelo espanhol J.A. Bayona que ganhou respeito com produções
inteligentes, profundas e impactantes, tais como: “O Orfanato” (2007) e “Sete
Minutos Depois da Meia-Noite” (2016).
Em formato de ficção baseada em fatos reais, o filme
traz como um dos protagonistas Numa Turcatti (Vogrincic), uma vítima fatal,
como forma de dar voz àqueles que não voltaram da montanha.
Bayona quis focar no aspecto humano da tragédia e
optou por não tratar explicitamente dos atos de canibalismo. Assim, ele diz que
houve uma generosidade entre os sobreviventes — em referência a um acordo de
que, se morressem, eles podiam comer a carne dos corpos.
A crítica do jornal britânico The Guardian feita por
Peter Bradshaw analisa que “o próprio filme minimiza a repulsa explícita pelo
que estava acontecendo, em favor de destacar a agonia e a dura resiliência nas
condições extenuantes”.
A produção inspirada no livro de Pablo Vierci, amigo de
infância de algumas vítimas, foi indicado ao prêmio Oscar na categoria de "Melhor Filme Estrangeiro".
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