Cara, me lembro do dia em que comi carne de capivara
sem saber que era carne de capivara. Isto foi há muitos, mas há muitos anos e
coloca mais anos nisso. Muito longe dos meus sessenta e pouquinhos anos atuais,
mas ainda me lembro da experiência macabra que tive. Escolhi a palavra
“macabra” porque segundo o Dicionário Oxford, o termo significa “horrendo”,
“hediondo”, algo que desperta o horror”. E todos esses adjetivos se enquadram
perfeitamente na experiência que vivi.
Foi na casa de um amigo meu. Na ocasião, ele me disse
que se tratava de carne de porco, mas ao experimentar um pedaço – pedaço que
infelizmente e incautamente degluti – percebi um gosto muito adocicado e...
parei na mesma hora.
Vem do o meu semblante com um olhar estupidificado.
Ele decidiu revelar o teor de sua brincadeira – para mim, de muito mau gosto –
juro que fiquei um bom tempo sem comer carne de porco ou de vaca, além de ter
sido obrigado a lidar com um verdadeiro motim provocado pelas minhas tripas; um
motim que incluiu todos os tipos de revoltas: das náuseas aos vômitos, passando
pelo mau estar prolongado.
Ao escrever essa postagem fico imaginando como vários
moradores residentes em Porto Alegre se sentiram no período de 1863 a 1864 ao
descobrirem que comeram durante todo esse período linguiças preparadas não com carne
de capivara, mas com carne humana!! Isto mesmo! Você sabia que na capital do
Rio Grande do Sul, um casal assassinou homens, moeu as carnes e os transformou
em linguiças comercializadas por toda a cidade? Os moradores, por sua vez,
comeram essa iguaria imaginando que estavam deglutindo linguiças preparadas com
carne suína ou bovina. Pode parecer uma história macabra, digna de filme de
terror, mas foi isso que Catarina Palse e José Ramos fizeram em Porto Alegre,
no século XIX.
A prática insólita dos crimes era feita da seguinte
forma: os acusados atraiam vítimas para matá-las e, provavelmente, desfaziam de
partes dos corpos produzindo linguiças de carne humana pra serem vendidas em um
açougue da cidade. Catarina seduzia e atraía os homens para a sua casa, onde o
seu marido José Ramos – que ficava escondido no quarto – matava as vítimas. O curioso
nisso tudo é que Catarina, pelo que consta, não era uma mulher bonita e muito
menos atraente.
Apesar de ser um caso real, ele ainda está presente no
imaginário popular local, tendo-se tornando uma espécie de lenda urbana da
cidade gaúcha. O fato ficou conhecido no meio policial daquela época como “Os
crimes da Rua do Arvoredo”, local onde foram encontrados os restos dos corpos
das vítimas e onde as linguiças macabras eram produzidas.
Este enredo hediondo e real valeu um livro chamado Canibais: Paixão e Morte na Rua do Arvoredo
de David Coimbra que foi colunista do jornal Zero Hora. No livro publicado em
2005, o autor que faleceu em 2022 aos 60 anos - vítima de um câncer - optou por
dar aos fatos jornalístico um tom de romance o que deixou o enredo bem mais
fluído.
Escritor, jornalista e roteirista Tailor Diniz
Agora, quase 20 anos após a publicação dessa obra, “Os
Crimes da Rua do Arvoredo” voltam as livrarias, mas pelas mãos de um outro
escritor, também gaúcho: Tailor Diniz. O escritor, jornalista e roteirista de
cinema revive as figuras assombrosas de Catarina Palse e José Ramos na obra Os canibais da Rua do Arvoredo. Neste
enredo, o autor satiriza os fatos, também numa linguagem fluida, onde um casal
de jovens se muda para antiga residência dos assassinos e quando descobrem um
porão, coisas bizarras começam acontecer. Possuídos pelos espíritos dos antigos
criminosos, sentem-se designados a cumprirem uma missão de vingança, que, em
princípio, não sabem exatamente qual é. Até que cometem o primeiro crime.
Em uma mistura de realidade e ficção, o autor constrói
um enredo instigante e assustador que retrata até mesmo os desejos mais
estranhos do ser humano.
Os
canibais da Rua do Arvoredo é o 22º livro de Diniz e, entre
eles, estão Em linha reta,
semifinalista do Prêmio Oceanos de Literatura 2015; Crime na Feira do Livro, traduzido na Alemanha e lançado na Feira
de Frankfurt, em 2013; Transversais do
tempo, Prêmio Açorianos de Literatura – Melhor Livro de Contos de 2007; e A superfície da sombra, traduzido na
Bulgária e adaptado para o cinema pelo diretor Paulo Nascimento, em 2017.
Os
Canibais da Rua do Arvoredo teve os seus direitos adquiridos
pela Accorde Filmes que fará uma adaptação para o streaming roteirizada pelo
próprio Diniz e levando a assinatura do diretor Paulo Nascimento ('A Oeste do
Fim do Mundo'). O projeto será distribuído pela Paris Filmes.
O livro lançado pela Citadel Grupo Editorial em 30 de
dezembro de 2023 está à venda nas livrarias físicas e virtuais do País.
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