"Deixe-me com os meus livros e não enche o saco!" Cobranças chatas e até humilhantes que nós leitores ouvimos de pessoas que não gostam de ler

18 outubro 2023

Não há nada mais irritante para um leitor de carteirinha – e quando ‘digo’ leitor de carteirinha, estou me referindo aquele leitor que não lê mas devora uma obra; aquele adora sentir o cheiro de livro novo; aquele que mergulha de cabeça numa história e aquele que volta e meia entra em Depressão Pós Livro, a conhecida DPL; enfim aquele leitor que sente tudo o que eu sinto (rs) – do que ouvir frases como: “Nossa! Você está lendo muito”! “Para um pouquinho de ler e vai se divertir”, “Caramba, você só sabe ler?”. Mas apelar e chamar alguém que ama ler de “come livro”, coisa do tipo: “Caraca, você parece um come-livro, para com isso”! Aí meu amigo, sinto dizer, mas arregaça as mangas porque é caso de briga, pra sair no pau, valendo tudo, inclusive cabelos no caso das mulheres) e golpe baixo (no caso dos homens). Rsssssssssssss!!! Brincadeirinha galera, não precisa chegar a tanto, mas que irrita, irrita, e muito.

Na postagem de hoje quero lembrar algumas dessas saias justas que passei quando tive a infelicidade de me encontrar com pessoas que... digamos... não tem os livros incluídos no rol de seus melhores amigos.

Uma dessas situações desagradáveis aconteceu há poucos dias e acredito que foi o que me levou a idealizar esse post. Tudo começou quando eu e Lulu estávamos na festa de aniversário de uma amiga e nos encontramos – numa feliz coincidência - com colegas com os mesmos gostos literários e, então, começamos a trocar ideias sobre os livros escritos pela Ana Cláudia Quintana Arantes. Enquanto conversávamos fomos interrompidos por um casal que estava na mesa ao lado. O homem tinha uns 30 anos; a mulher, acho que a mesma faixa etária. Eles estavam acompanhados de uma criança que não tirava os olhos do celular. Foi quando esse senhor ou esse rapaz, tanto faz, soltou a bomba: - “Vocês estão falando sobre livros né? Meu filho ‘tava’ nessa; só lia, lia e lia. Sabem? Tive que dar um basta. O moleque não se divertia mais, deixou até o seu videogame de lado. Falei: ‘parô’; deixa esse treco aí, vai se ‘diverti’ um pouco”. – PQP!! Pensei comigo: o FDP que teve a capacidade de cometer essa heresia com o seu filho, ainda tem a ousadia de chamar um livro de ‘treco’, como se fosse a ‘coisa’ mais vil e descartável do mundo?!.

Nesse momento, Lulu olhou disfarçadamente para mim, pedindo através daquele olhar: “Pelo amor de Deus, amor, não fala nada, não vale a pena”. Mas, infelizmente, o seu olhar chegou alguns segundos atrasado e, foi nesse atraso que automaticamente escapou da minha boca: “E isso está fazendo um bem danado para o seu filho, né? Respondi, olhando para o  Battle Royale que o garoto jogava no celular.

Quando disse isso, Lulu novamente através do seu olhar se expressou: “Fudeu tudo” (rs). Fomos salvos pelos anfitriões da festa que nos convidaram para ver um velho amigo que havia chegado de viagem. No final do encontro quando já estávamos indo embora, Lulu me disse que o sujeito me olhou pelas costas como se quisesse me devorar vivo. Ufaaaa! Foi por pouco, mas, confesso, que valeu a pena. Os colegas que estavam em nossa mesa também “zarparam” após darem uma desculpa qualquer, evitando assim, ficar ouvindo ataques desnecessários aos livros como se fossem o mal do século. 

O algoz de uma outra situação foi um amigo meu. Acredita! Sendo traído e espezinhado pelo próprio amigo (rs). É por isso, esse fato que eu vou contar agora, doeu tanto. Veja só o que aconteceu. Mariana e o Carlos Luiz a quem eu chamo de “Caco” moram em São Paulo, mas quase sempre eles “baixam” por aqui. O casal tem um filho de 7 anos, a quem eu chamo de Caquinho. Um amor de criança e um amor de casal. Tanto eu quanto Lulu, gostamos demais deles. Numa de suas visitas, a Mariana me pediu emprestado a saga “O Senhor dos Anéis” que por incrível que possa parecer, ela ainda não havia lido. Apesar de ter um ciúme enorme dos meus “bebês”, achei que seria deselegante recusar o seu pedido já que ela havia conhecido a minha sala de leitura. E assim, a Mariana levou os meus três volumes da saga que eu havia comprado na época de seu lançamento pela editora Martins Fontes. Isso lá nos idos de 2000.

Após ‘uns’ três meses, eles voltaram e no momento em que a Mariana me devolveu a trilogia, o Caco soltou ‘pérola’: “Tá loco! Vocês são uns come-livros. Não sei como aguentam!” – e logo em seguida, olhando para a mulher, fechou com chave de ouro o seu ‘pronunciamento’: “Essa aí só sabe ficar lendo, não faz outra coisa na vida”.  Pera aí que ainda não acabou porque o Caco soltou outra pérola ainda “mais lapidada”: “O gente, larga um pouco isso aí, faz mal ficar só lendo, lendo e lendo”.

Como eu tenho muito liberdade com o casal eu já estava preparado para mandar o meu digníssimo o meu amigo para a PQTP. Mas no final, a Mariana acabou sendo a minha porta-voz contra o marido: “Melhor do que ficar enchendo o ‘pandu’ de cerveja e salsisha estragada curtida com vinagre, ouvindo um monte de besteiras na mesa de um bar. Ao final, todos nós acabamos rindo quando o Caco respondeu todo murcho: “Pô amor, eu só ‘tava’ brincando, eu até gosto dessa história que passou na TV – Eheheheh, garanto que ele não gosta porque nunca leu Tolkien e nenhum outro livro. Na verdade, ele conhece todos os lançamentos de games. Um expert no assunto.

E para fechar, conto o terceiro golpe recebido. Essa foi como um tiro com bala de prata na alma de um lobisomem. Me matou. Já contei esse caso aqui no blog quando resenhei o livro “Mundo Perdido” de Michael Crichton, mas a situação foi tão sui generis que merece ser relembrada. Infelizmente existem muitas pessoas que deixam de ler um livro só porque a sua história foi adaptada para o cinema. Elas preferem assistir ao invés de ler o enredo. Talvez por impaciência de encarar 300, 800 ou até 1.000 páginas ou então, simplesmente porque não gostam de ler.

Não sei porque tenho uma sorte nada agradável em encontrar pessoas que pensam dessa maneira. Para elas, basta assistir um filme para dispensar a leitura do livro. Todas as vezes que tentei argumentar com elas acabei me dando mal. Cheguei à conclusão que a maioria daqueles que tem essa ideologia, são muito intransigentes e não aceitam em hipótese alguma uma contra-argumentação, do tipo: “olha fulano, acho que o enredo do livro é mais completo do que o seu roteiro adaptado para as telonas” e por aí afora. Então, quando insistimos, a coisa complica. Por isso, quando encontro alguém com essa linha de raciocínio e o papo sobre o assunto começa a rolar, apenas ouço, ouço e ouço... nada mais. Evito entrar em detalhes, como fiz há muito tempo quando estava num ônibus seguindo para São Paulo numa noite chuvosa.

Meu companheiro de viagem, além de um senhor calvo de aproximadamente 40 anos sentado ao meu lado, era o livro Mundo Perdido, de Michael Crichton. Cara! Eu não estava lendo, estava devorando com avidez as suas páginas, não me incomodando nem um pouco com a rala “iluminação”. Inesperadamente, o senhor calvo, engravatado e bem vestido, com pinta de executivo, disparou a bomba: - “Para que ficar sofrendo nessa semi-escuridão, assiste ao filme que é a mesma coisa”. Depois desse petardo, esperei um pouco até passar o atordoamento e perguntei: “O senhor já leu o livro”? De imediato, ele respondeu: “Claro que não! Pra que perder tempo se eu tenho o cinema? Tudo o que está nessas páginas eu já vi”. Bem, depois desse massacre me senti o próprio soldado combatente estirado no fundo de uma trincheira, com o corpo despedaçado por um morteiro. Então, pensei com os meus botões: “pobre coitado, mal sabe ele que assistiu a um filme que não tem nada a ver com o livro de Michael Crichton; uma história completamente diferente”. Melhor deixa-lo na luz da sua ignorância e, assim, continuei devorando a obra. Este fato rolou na época do lançamento de Mundo Perdido nos cinemas.

Pois é galera, nós devoradores de livros, muitas vezes, somos obrigados a ter uma paciência de Jó.

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