Não há nada mais irritante para um leitor de
carteirinha – e quando ‘digo’ leitor de carteirinha, estou me referindo aquele
leitor que não lê mas devora uma obra; aquele adora sentir o cheiro de livro
novo; aquele que mergulha de cabeça numa história e aquele que volta e meia
entra em Depressão Pós Livro, a conhecida DPL; enfim aquele leitor que sente
tudo o que eu sinto (rs) – do que ouvir frases como: “Nossa! Você está lendo
muito”! “Para um pouquinho de ler e vai se divertir”, “Caramba, você só sabe
ler?”. Mas apelar e chamar alguém que ama ler de “come livro”, coisa do tipo:
“Caraca, você parece um come-livro, para com isso”! Aí meu amigo, sinto dizer,
mas arregaça as mangas porque é caso de briga, pra sair no pau, valendo tudo,
inclusive cabelos no caso das mulheres) e golpe baixo (no caso dos homens).
Rsssssssssssss!!! Brincadeirinha galera, não precisa chegar a tanto, mas que
irrita, irrita, e muito.
Na postagem de hoje quero lembrar algumas dessas saias
justas que passei quando tive a infelicidade de me encontrar com pessoas que...
digamos... não tem os livros incluídos no rol de seus melhores amigos.
Uma dessas situações desagradáveis aconteceu há poucos
dias e acredito que foi o que me levou a idealizar esse post. Tudo começou
quando eu e Lulu estávamos na festa de aniversário de uma amiga e nos
encontramos – numa feliz coincidência - com colegas com os mesmos gostos
literários e, então, começamos a trocar ideias sobre os livros escritos pela
Ana Cláudia Quintana Arantes. Enquanto conversávamos fomos interrompidos por um
casal que estava na mesa ao lado. O homem tinha uns 30 anos; a mulher, acho que
a mesma faixa etária. Eles estavam acompanhados de uma criança que não tirava
os olhos do celular. Foi quando esse senhor ou esse rapaz, tanto faz, soltou a
bomba: - “Vocês estão falando sobre livros né? Meu filho ‘tava’ nessa; só lia,
lia e lia. Sabem? Tive que dar um basta. O moleque não se divertia mais, deixou
até o seu videogame de lado. Falei: ‘parô’; deixa esse treco aí, vai se
‘diverti’ um pouco”. – PQP!! Pensei comigo: o FDP que teve a capacidade de
cometer essa heresia com o seu filho, ainda tem a ousadia de chamar um livro de
‘treco’, como se fosse a ‘coisa’ mais vil e descartável do mundo?!.
Nesse momento, Lulu olhou disfarçadamente para mim,
pedindo através daquele olhar: “Pelo amor de Deus, amor, não fala nada, não
vale a pena”. Mas, infelizmente, o seu olhar chegou alguns segundos atrasado e,
foi nesse atraso que automaticamente escapou da minha boca: “E isso está
fazendo um bem danado para o seu filho, né? Respondi, olhando para o Battle Royale que o garoto jogava no celular.
Quando disse isso, Lulu novamente através do seu olhar
se expressou: “Fudeu tudo” (rs). Fomos salvos pelos anfitriões da festa que nos
convidaram para ver um velho amigo que havia chegado de viagem. No final do
encontro quando já estávamos indo embora, Lulu me disse que o sujeito me olhou
pelas costas como se quisesse me devorar vivo. Ufaaaa! Foi por pouco, mas,
confesso, que valeu a pena. Os colegas que estavam em nossa mesa também “zarparam”
após darem uma desculpa qualquer, evitando assim, ficar ouvindo ataques
desnecessários aos livros como se fossem o mal do século.
O algoz de uma outra situação foi um amigo meu.
Acredita! Sendo traído e espezinhado pelo próprio amigo (rs). É por isso, esse
fato que eu vou contar agora, doeu tanto. Veja só o que aconteceu. Mariana e o
Carlos Luiz a quem eu chamo de “Caco” moram em São Paulo, mas quase sempre eles
“baixam” por aqui. O casal tem um filho de 7 anos, a quem eu chamo de Caquinho.
Um amor de criança e um amor de casal. Tanto eu quanto Lulu, gostamos demais
deles. Numa de suas visitas, a Mariana me pediu emprestado a saga “O Senhor dos
Anéis” que por incrível que possa parecer, ela ainda não havia lido. Apesar de
ter um ciúme enorme dos meus “bebês”, achei que seria deselegante recusar o seu
pedido já que ela havia conhecido a minha sala de leitura. E assim, a Mariana
levou os meus três volumes da saga que eu havia comprado na época de seu
lançamento pela editora Martins Fontes. Isso lá nos idos de 2000.
Após ‘uns’ três meses, eles voltaram e no momento em
que a Mariana me devolveu a trilogia, o Caco soltou ‘pérola’: “Tá loco! Vocês
são uns come-livros. Não sei como aguentam!” – e logo em seguida, olhando para
a mulher, fechou com chave de ouro o seu ‘pronunciamento’: “Essa aí só sabe
ficar lendo, não faz outra coisa na vida”. Pera aí que ainda não acabou porque o Caco
soltou outra pérola ainda “mais lapidada”: “O gente, larga um pouco isso aí,
faz mal ficar só lendo, lendo e lendo”.
Como eu tenho muito liberdade com o casal eu já estava
preparado para mandar o meu digníssimo o meu amigo para a PQTP. Mas no final, a
Mariana acabou sendo a minha porta-voz contra o marido: “Melhor do que ficar
enchendo o ‘pandu’ de cerveja e salsisha estragada curtida com vinagre, ouvindo
um monte de besteiras na mesa de um bar. Ao final, todos nós acabamos rindo
quando o Caco respondeu todo murcho: “Pô amor, eu só ‘tava’ brincando, eu até
gosto dessa história que passou na TV – Eheheheh, garanto que ele não gosta
porque nunca leu Tolkien e nenhum outro livro. Na verdade, ele conhece todos os
lançamentos de games. Um expert no assunto.
E para fechar, conto o terceiro golpe recebido. Essa
foi como um tiro com bala de prata na alma de um lobisomem. Me matou. Já contei
esse caso aqui no blog quando resenhei o livro “Mundo Perdido” de Michael
Crichton, mas a situação foi tão sui generis que merece ser relembrada. Infelizmente
existem muitas pessoas que deixam de ler um livro só porque a sua história foi
adaptada para o cinema. Elas preferem assistir ao invés de ler o enredo. Talvez
por impaciência de encarar 300, 800 ou até 1.000 páginas ou então, simplesmente
porque não gostam de ler.
Não sei porque tenho uma sorte nada agradável em
encontrar pessoas que pensam dessa maneira. Para elas, basta assistir um filme
para dispensar a leitura do livro. Todas as vezes que tentei argumentar com
elas acabei me dando mal. Cheguei à conclusão que a maioria daqueles que tem
essa ideologia, são muito intransigentes e não aceitam em hipótese alguma uma
contra-argumentação, do tipo: “olha fulano, acho que o enredo do livro é mais
completo do que o seu roteiro adaptado para as telonas” e por aí afora. Então,
quando insistimos, a coisa complica. Por isso, quando encontro alguém com essa
linha de raciocínio e o papo sobre o assunto começa a rolar, apenas ouço, ouço
e ouço... nada mais. Evito entrar em detalhes, como fiz há muito tempo quando
estava num ônibus seguindo para São Paulo numa noite chuvosa.
Meu companheiro de viagem, além de um senhor calvo de
aproximadamente 40 anos sentado ao meu lado, era o livro Mundo Perdido, de Michael Crichton. Cara! Eu não estava lendo,
estava devorando com avidez as suas páginas, não me incomodando nem um pouco com
a rala “iluminação”. Inesperadamente, o senhor calvo, engravatado e bem
vestido, com pinta de executivo, disparou a bomba: - “Para que ficar sofrendo
nessa semi-escuridão, assiste ao filme que é a mesma coisa”. Depois desse
petardo, esperei um pouco até passar o atordoamento e perguntei: “O senhor já
leu o livro”? De imediato, ele respondeu: “Claro que não! Pra que perder tempo
se eu tenho o cinema? Tudo o que está nessas páginas eu já vi”. Bem, depois
desse massacre me senti o próprio soldado combatente estirado no fundo de uma
trincheira, com o corpo despedaçado por um morteiro. Então, pensei com os meus
botões: “pobre coitado, mal sabe ele que assistiu a um filme que não tem nada a
ver com o livro de Michael Crichton; uma história completamente diferente”.
Melhor deixa-lo na luz da sua ignorância e, assim, continuei devorando a obra.
Este fato rolou na época do lançamento de Mundo
Perdido nos cinemas.
Pois é galera, nós devoradores de livros, muitas
vezes, somos obrigados a ter uma paciência de Jó.
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