Mundo Perdido

02 fevereiro 2012
(O texto tem alguns spoilers) Infelizmente existem, ainda,  muitas pessoas que deixam de ler um livro somente porque a sua história foi adaptada para o cinema. Elas preferem assistir ao invés de ler o enredo; ou por impaciência de encarar 300, 800 ou até 1.000 páginas ou então, simplesmente porque não gostam de ler.
Não sei porque tenho uma sorte danada em encontrar pessoas que pensam dessa maneira. Para elas, basta assistir um film para dispensar a leitura do livro. Todas as vezes que tentei argumentar com elas acabei me dando mal. Cheguei a conclusão que a maioria daqueles que tem essa ideologia, são muito intransigentes e não aceitam em hipótese alguma uma contra-argumentação, do tipo: “olha fulano, acho que o enredo do livro é bem superior ao da tela grande”. E, então, quando insistimos... ai, ai, ai... a coisa complica. Por isso, quando encontro alguém com essa linha de raciocínio e o papo sobre o assunto começa a fluir, apenas ouço, ouço e ouço... nada mais. Evito entrar em detalhes, como fiz há algum tempo quando estava num ônibus seguindo para São Paulo numa noite chuvosa. Meu companheiro de viagem, além de um senhor calvo de aproximadamente 40 anos sentado ao meu lado, era o livro “Mundo Perdido”, de Michael Crichton. Cara! Eu não estava lendo, estava devorando com avidez as suas páginas, não me incomodando nem um pouco com a rala “iluminação de bico”; aquela que fica no teto do ônibus, sobre as poltronas dos passageiros. Inesperadamente, o senhor calvo, engravatado e bem vestido, com pinta de executivo, disparou a bomba: - “Pra que ficar sofrendo nessa semi-escuridão (isso mesmo que ele disse: ‘semi-escuridão), assiste ao filme que é a mesma coisa”. Depois desse petardo, esperei um pouco até passar o atordoamento e perguntei: “O senhor já leu o livro?” De imediato, ele respondeu: “Claro que não! Pra que perder tempo se eu tenho o cinema? Tudo o que está nessas páginas eu já vi”. Bem, depois desse massacre me senti o próprio soldado combatente estirado no fundo de uma trincheira, com o corpo despedaçado por um morteiro. Então,  pensei com os meus botões: “pobre coitado, mal sabe ele que assistiu a um filme que não tem nada a ver com o livro de Michael Crichton; um verdadeiro engodo”.
E é dessa maneira que classifico o filme “Mundo Perdido”, de Steven Spielberg, considerado a sequencia de “ O Parque dos Dinossauros, um engodo, sem nenhuma semelhança com a obra maravilhosa escrita por Crichton. Filme e livro são dois estranhos.
Prá começar, Spielberg optou por cortar os dois personagens principais do romance: o paleontólogo Richard Levine e o cientista da empresa de tecnologia genética Biosyn, Lewis Dodgson. Os dois, juntamente com o matemático Ian Malcolm formam a trinca do romance. Considero, inclusive, Levine e Dodgson bem mais importantes para o desenvolvimento do enredo do que o próprio Ian Malcolm.
Mas pêra lá! Estou aqui para falar do livro e não do filme... Então vamos lá. Virando o vinil. Já quero dizer logo de cara que “Mundo Perdido”  está no mesmo nível de “O Parque dos Dinossauros”, mas com algumas vantagens, o que o torna melhor do que o seu antecessor. Crichton não perde tempo com explicações longas e cansativas sobre manipulação genética, dinossauros de proveta, explicações técnicas sobre as características dos animais pré históricos; Sitio A e B, nada disso. De maneira inteligente e objetiva, ele explica apenas o essencial para que o leitor tenha uma noção do lado científico do romance. No mais, a ação e o suspense correm soltos, prendendo a atenção do mais distraído dos leitores.
Os personagens, também, são mais carismáticos do que os do “Parque dos Dinossauros”. Richard Levine e Sara Harding engolem Alan Grant e Ellie Satller. Os dois primeiros são personagens bem mais complexos, contrariando os padrões convencionais nos quais se encaixam os “certinhos” Alan e Ellie.
O jovem paleontólogo Richard Levine, durante quase todo o romance, se revela um homem dinâmico, destemido e de uma auto-confiança a toda prova. Ao mesmo tempo, Levine é inconseqüente, egocêntrico e egoísta. Perto do final da história, quando o grupo de pesquisadores encontra-se em papos de aranha, cercados por velociraptores e carnotauros num abrigo pequeno e volútil, correndo risco de morte, Levine mostra uma outra fecta de sua personalidade: o lado covarde. É então que Sara Harding, a bióloga especializada em grandes predadores,  assume a liderança do grupo para enfrentar as feras pré-históricas. Apesar de ser o tipo de mulher independente e autoritária, acostumada a dormir por vários dias e várias noites na selva africana perto de leões e outros perigosos predadores, não se preocupando com a aparência ou maquiagem, ela não consegue esconder que no fundo é uma mulher atraente, delicada e sensível. Esse lado “maneiro”de Sarah quase sempre vem a tona quando ela está ao lado do matemático Ian Malcolm, pelo qual tem uma admiração e respeito enormes.
Crichton nos brinda ainda com um vilão de primeira linha: Lewis Dodgson. Se em “O Parque dos Dinossauros”, o cientista responsável pelo setor de estudos e desenvolvimento da Byosin, teve uma aparição ínfima, sendo citado somente no momento em que negociava com Nedry,  a compra de embriões congelados de várias espécies de  ‘dinos’ roubados da concorrente In Gen; em “Mundo Perdido”, Dodgson dá um verdadeiro banho de vilania. Por isso, com certeza já o coloquei na galeria dos piores vilões da literatura de todos os tempos. Além de inescrupuloso, sádico e ladrão, o sujeito ainda tem um instinto assassino. Elimina todos aqueles que se colocam em seu caminho ou então discordam de suas idéias.
Além desses personagens, há também um Ian Malcolm mais sarcástico do que nunca, o que faltava no livro anterior. Não posso me esquecer também do Dr. Thorne, o engenheiro- projetista que criou todos os veículos usados na localização dos dinossauros na Ilha Sorna.
A história de “Mundo Perdido” se passa seis anos depois do desastre secreto no “O Parque dos Dinossauros. Neste período, a Ilha Nublar foi fechada e os dinossauros eliminados. Bem... pelos menos se achava isso. Tudo se modifica quando estranhos animais começam a ser encontrados mortos na região costeira da Costa Rica. Isso é o suficiente para despertar o interesse de várias firmas de biotecnologias. O governo da Costa Rica tenta, de todas as formas, “abafar” o caso, mas não consegue. A proliferação dos boatos, aumenta a curiosidade do paleontólogo, Richard Levine que decide esclarecer o mistério. Ele organiza uma expedição a Ilha Sorna com o objetivo de encontrar o mundo perdido. Malcolm e Harding são convidados pelo paleontólogo a integrar a trupe de exploradores. Em resumo, esse é o enredo da sequência de “O Parque dos Dinossauros”.
Se no primeiro livro, o autor trabalhou com a hipótese de se criar, geneticamente, dinossauros em laboratórios a partir do DNA de mosquitos presos no âmbar de árvores, e que no passado picaram animais pré-históricos; desta vez, Crichton aborda o tema extinção dos “dinos”. O autor – através de seu personagem Ian Malcolm – questiona se realmente a causa da extinção dos dinossauros da face da terra foi a queda de um meteoro. Ele deixa no ar se os animais não deixaram de existir devido a um problema comportamental, ou seja, não conseguiram se adaptar a um novo eco-sistema.
Ainda, durante a leitura do romance, descobrimos que a Biotecnologics In Gen, na realidade, “fabricava” dinossauros de maneira aleatória na Ilha de Sorna, conhecida como “Sítio B”, localizada a mais de 100 milhas da Costa Rica, depois quando eles chegavam perto da maturidade acabavam sendo transportados para a ilha Nublar que nada mais era do que uma vitrine de exposição dos dinossauros já desenvolvidos. Todos os experimentos genéticos eram realizados em Sorna.
A dúvida que paira no ar é se o governo costa-riquenho também tinha conhecimento dessa ilha, considerada o berço de várias espécies de “dinos”; se não tinham, certamente, os filhotes dos animais continuaram se desenvolvendo. Em fim, essa é a temática central de “Mundo Perdido”. Mas vamos deixar de lado o bla-blá-blá científico e partir para a ação. Crichton provou que é mestre em descrever essas cenas, como no momento em que Arby, um adolescente que acompanha o grupo, ao cair de uma árvore, consegue se refugiar de um bando de velociraptores numa gaiola de metal. Os animais que são as “estrelas” dos dois livros de Crichton, saem chutando a gaiola com suas garras letais de 15 centimetros, correndo atrás do equipamento como se fosse uma bola de futebol. Eles querem levar a gaiola junto com o garoto para os ninhos onde estão os filhotes. Em motos ultra-equipadas, Sarah Harding, Dr. Thorne e apequena Kelly, amiga de Arby, comandam uma perseguição de vida ou morte aos velociraptores, na esperança de salvar o garoto. Esse capítulo tem dois momentos antológicos: o soco que Sarah desfere no focinho do animal quando ele está prestes a atacá-la e a perseguição de moto a um velociraptor que está com a chave da gaiola enroscada nos dentes. Sarah conduz a moto com Kelly na garupa, numa perseguição desenfreada ao animal, passando por debaixo de um bando de apatossauros que foge em pânico dos velociraptores. O risco da moto com as duas mulheres ser esmagada pelas patas dos dinossauros é muito grande. Juro que não larguei o livro um minuto sequer, até a conclusão do capítulo.
Outro trecho que merece destaque é o ataque do temível tiranossauro rex a um dos personagens da história. O animal leva a pobre vítima atordoada presa em sua boca até o ninho para servi-lo de jantar aos seus filhotes. Puro suspense, pura adrenalina. Confira esse pequeno trecho e veja se não estou com a razão: “O tiranossauro estava muito perto. Ele (não vou citar o nome do personagem por causa de spoiler) sentia o cheiro de podre do carnívoro... “Rolando no ar, caiu da boca do tiranossauro. Dentro das paredes de terra haviam três filhotes no ninho. Ele viu os filhotes se aproximando dele com os dentes afiados. Os corpos dos filhotes estavam cobertos de carne podre e escremento. O cheiro era horrível. Então alguma coisa segurou a sua perna; ele olhou para trás e viu...” Bem, já deu pra sentir como a narrativa é “pesada” e exige nervos e estomago de aço do leitor.
Esses são apenas dois pequenos exemplos para confirmar que, de fato, vale à pena a leitura de “Mundo Perdido”. Poderia citar ainda o ataque de um grupo de  velociraptores à uma vítima horrorizada que tentava roubar ovos dos dinossauros ou então a perseguição do Tiranossauro Rex a uma moto conduzida pelo Dr. Thorne com Levine na garupa ou ainda, o ataque do tiranossauro ao trailler de pesquisa onde Sarah e Malcolm cuidam de um filhote de Rex com a pata fraturada. Enfim, momentos de pura emoção; momentos aflitivos como costumo dizer. Crichton não poupa detalhes na descrição dos ataques dos animais.
Um livro que não dá pra deixar de ler... ao contrário do filme.
Em tempo: A rápida aparição dos carnotauros no final da história já vale a leitura do romance de Michael Crichton.
Inté!

2 comentários

  1. muito bom o livro ja esta na minha lista de leituras

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  2. Eu também já desisti de discutir com essas pessoas que acham perda de tempo ler o livro já que já existe um filme sobre ele!
    O pior no seu caso foi que você nem 'procurou' a briga, né! rs
    Fico imaginando como você deve ter ficado sem ação diante desse ataque gratuito... rs
    Já li a noite no ônibus e posso dizer que quando o livro é bom a gente nem se importa com a iluminação precária!
    Com certeza lerei esse livro, e o Parque dos 'Dinos' também. Vou ver se encontro na minha próxima ida ao sebo.

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