Pense num livro que imediatamente vem à sua cabeça,
sem a necessidade de parar, pensar e refletir antes de responder: “qual livro
marcou determinada fase de minha vida”?
Os
12 Trabalhos de Hércules de Monteiro Lobato. Taí. No meu
caso, já dei a resposta. Alguns podem me questionar: “Pô! Mas é um livro
infantil e você já é um balzaquiano!”. E eu respondo um “e daí!!!”; bem sonoro e com direito a três sinais de exclamação,
sendo que caberia muito bem quarto, um quinto e por aí afora.
Não vou nem mesmo utilizar o argumento de que a
literatura infantil possui um encanto que alcança as crianças, mas também toca
de forma especial os adultos dispostos a se aventurar sem medo de julgamentos.
Vou também dispensar o argumento de que muitos adultos consagrados em seu campo
profissional adoram esse tipo de livro. Vou dizer apenas que adorei a história
e que essa obra de Lobato marcou muito determinado momento de minha vida. Foi o
dia em que a minha mãe me levou pela primeira vez à uma biblioteca. Esta é uma
das recordações que jamais iriei esquecer: a imagem de dona Lázara me buscando
na escola primária. Antes de irmos para casa, ela fazia questão de toda a
semana dar uma passadinha comigo na a Biblioteca Pública Municipal. Ela fazia
isso com a desculpa de que iria conversar um pouco com a sua amiga que era a bibliotecária.
Quando chegávamos por lá, antes ficar papeando com a
amiga, ela me levava para o setor de literatura infantil e dizia para que eu
escolhesse alguns livros para ler. Depois colocava esses livros sobre a mesa,
ficava um pouquinho comigo, e ia por as “histórias da cidade” em dia com a
amiga bibliotecária.
Foi ali que tive o meu primeiro contato com o mundo
mágico do Sitio do Pica Pau Amarelo e de seus personagens. Um dos livros que
marcou essa minha fase de leitor foi Os
12 Trabalhos de Hércules, obra que até hoje trago guardada na memória,
tanto é que já reli várias vezes, a mais recente, aconteceu na semana passada.
Entonce... e não é que depois de muitos anos, descobri
que essas idas de minha mãe à biblioteca para “fofocar” (rs) com a sua amiga,
na realidade, não passavam de um pretexto para que eu criasse o hábito pela
leitura. Quem me revelou o segredo foi a própria bibliotecária, pouco tempo
depois da morte de mamãe. Ah, dona Lázara, só mesmo a senhora...
Alguns ainda podem afirmar que o livro de Lobato não
passa de um gatilho que dispara uma memória afetiva muito querida em minha
vida, me ajudando a reconstruir um momento importante que vivi no passado. Não
é só isso galera, ocorre que o enredo é muito bom.
Existem livros infantis e infanto-juvenis que tem o
dom de fisgar a atenção dos leitores adultos por causa de seus personagens e
enredos muito bem compostos. Os 12
Trabalhos de Hércules é um desses, principalmente se você – assim, como eu –
adora mitologia grega.
A genialidade de Monteiro Lobato fica evidente nessa
obra. Ele consegue ensinar mitologia grega, explorando vários momentos
importantes desse gênero de uma maneira leve e divertida. É algo ímpar, uma verdadeira
magia, ver Pedrinho, Narizinho, Emília, enfim, toda a turma do Sítio do
Pica-Pau Amarelo interagindo com personagens marcantes da mitologia grega.
Outro detalhe importante que vale a releitura foi a ideia genial que Lobato
teve ao compor um Hércules diferenciado daquele ser poderoso e infalível da
mitologia. O Hércules de Lobato é mais “acessível”, ou seja, mais humano. Ele
também erra, tem as suas falhas, além de ser menos arrogante do que o Hércules
original que aprendemos a conhecer. Gostei muito dessa reconstrução do
personagem.
O autor conduz os leitores mirins e adultos para uma
das passagens mais icônicas da mitologia grega: os 12 trabalhos realizados pelo
famoso semideus, entre os quais: matar o leão da Neméia, capturar o javali de Erimanto
e o touro de Creta, além de outros. Adorei ver os personagens do Sítio do Pica
Pau também metidos no meio dessas aventuras.
Através das viagens que os personagens do sítio
empreendem com Hércules, Lobato não conta só os doze trabalhos, como também os
principais e mais belos trechos da mitologia grega, em uma linguagem apropriada
para crianças com uma riqueza de detalhes raramente encontrada em outros
livros, mesmo para adultos. Por exemplo, os deuses são mostrados de forma fiel
à mitologia com todas as suas trapaças em contraste com a versão mais amena da
Disney que suprime todas essas mesmas trapaças. Talvez, por isso, alguns
críticos literários tenham defendido, na época, que a obra não se encaixava no
gênero de literatura infantil. Não quero entrar no mérito dessa questão,
gostaria apenas de dizer que o enredo do livro não teve nenhuma influência
negativa no meu desenvolvimento moral.
Os
12 Trabalhos de Hércules pode ser considerado como uma “meia
sequência” de um outro livro de Lobato chamado O Minotauro, onde Pedrinho após testemunhar a morte da Hidra de
Lerna, fica obcecado em conhecer Hércules e por isso, decide retornar à Grécia Antiga
com Emília e Visconde para presenciar os outros onze trabalhos do semideus.
Valeu galera!
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