Suicidas

16 novembro 2020

Não se comprar com JantarSecreto. E nem tem como, pois quando escreveu Suicidas, Raphael Montes tinha apenas entre 16 e 19 anos, sendo esse o seu primeiro livro. Você deve estar se perguntando: “Por não se compara com Jantar Secreto? Suicidas é ruim? Eu respondo: “Não, não é”. A escrita de Montes, apesar de ter sido o seu debut no concorrido e ao mesmo tempo desprestigiado mercado literário brasileiro, é fluida e faz com que o leitor se interesse pela trama. Tá bem, a trama... vamos lá, então. O início do enredo tem um clima de tensão e expectativa fodásticos.  Nove jovens são encontrados mortos no porão de uma casa de campo após terem participado de uma roleta-russa. O que ninguém consegue entender é por que esses jovens, aparentemente felizes e privilegiados, decidiram se envolver em um jogo tão tenebroso.

Em meio a esse contexto, o autor vai criando subtramas envolvendo os nove personagens e seus familiares, com direito a alguns plot twists, revelando aos poucos os seus segredos e a personalidade de cada um. Cara, não tem como deixar de devorar as páginas. No meu caso, estava desesperado para saber qual teria sido a motivação desses jovens para participarem de um jogo tão macabro. Estas subtramas e os plot twists aguçavam ainda mais a minha curiosidade.

Durante o enredo, o autor dá algumas pistas muito bem disfarçadas sobre essa motivação, mas todas inverossímeis, o que faz com que o leitor comece a formular as suas próprias pistas. E assim, vamos devorando páginas e mais páginas na ânsia de desvendar o mistério, mas quando, finalmente, o motivo da roleta-russa é esclarecido... sei lá galera... achei que faltou alguma coisa. Vou tentar explicar. Por exemplo: não captei a razão de três personagens terem escolhido participar do jogo. Acho que os seus motivos foram muito frágeis. Pensei comigo: “Putz, o cara ou a menina (não quero liberar spoiler) resolveu meter uma bala na cabeça por isso?!!! Se formos mais a fundo, acredito que apenas dois personagens teriam motivos verdadeiros para participar desse evento mortal. Um, por estar abalado emocionalmente após um crime e o outro por... bem, deixe-me parar para não liberar spoiler. Quanto aos demais, a impressão é que entraram meio assim... de gaiatos ou então com motivos pouco convincentes, principalmente três desses personagens.

Permitam-me agora, um spoiler pequenino. A roleta-russa está diretamente relacionada


com um assassinato que ocorre entre o início e o meio do livro. O leitor só vai descobrir o (a) assassino (a), praticamente, no final da história. Montes foi muito inteligente. Ele escreveu duas tramas paralelas que se cruzam em determinado momento: roleta russa e assassinato. É tiro e queda, o leitor fica louco para saber quais razões levaram nove jovens a entrarem numa disputa suicida e ao mesmo tempo descobrir o assassino de um personagem importante na história. “Pôxa, quem matou? Foi um dos nove jovens ou um de seus familiares? Onde a roleta-russa entra nisso tudo?”

Pois é, pena que a participação de alguns personagens na roleta não ficou muito bem esclarecida. Como se eles dissessem: “Vamos participar desse trem maluco aí prá ver no que é que dá”.

Excetuando esse detalhe, Suicidas tem plot twists interessantes, além de um clima muito tenso. Não recomendo o livro para pessoas muito sensíveis por causa de sua narrativa pesada. Cara, respirei fundo antes de encarar alguns trechos e confesso que só consegui seguir em frente após um intervalo.

O trecho de um vilipêndio de cadáver causa muita aversão, bem com a tortura de um jovem que tem os cílios arrancados a sangue frio. Estes são apenas dois pequenos exemplos das barbaridades que acontecem no porão da casa onde os jovens praticam a roleta-russa. O trecho em que um dos jovens toma uma atitude radical para encontrar a chave da porta é... Arghhh... me impressionou muito. My God!!

Por isso, leiam avisados de que irão encontrar pela frente verdadeiros trucões e gatilhos que podem mexer com a sua cabeça.

O livro tem três linhas narrativas que se alternam: uma delas é o diário escrito por um dos nove jovens, Alessandro ou simplesmente Alê, que narra os eventos que antecedem a roleta-russa. Outra são anotações também de Alê que conta em tempo real tudo o que aconteceu durante a roleta. E a terceira, um ano depois, acompanha uma delegada que juntamente com as mães dos jovens analisam essas mesmas anotações do personagem para tentar descobrir o motivo deles terem se reunido para tirar a própria vida.

Como já disse no início dessa postagem, Suicidas foi escrito quando Montes tinha entre 16 e 19 anos. Acreditem galera, o livro começou a ser produzido quando o autor estava no ensino médio e foi concluído nos anos iniciais do curso de bacharelado em Direito. Depois da obra finalizada, Montes enviou os originais para várias editoras. Porém, todas recusaram-se a publicar a história. Apenas quando o romance foi finalista do Prêmio Benvirá de 2010, a chance de vê-lo impresso apareceu. Com isso, a Benvirá, editora do grupo Saraiva, decidiu lançar a obra. O romance foi publicado em 2012 e rapidamente se tornou finalista de importantes prêmios nacionais: Prêmio Machado de Assis de 2012 e Prêmio São Paulo de Literatura de 2013 na categoria autor estreante. Em 2015, o romance foi adaptado para o teatro.

Em 2017, a história foi publicada pela editora Companhia das Letras com um capítulo extra que torna a reviravolta final ainda mais perturbadora.

Acredito que Suicidas serve de aperitivo para Jantar Secreto. Este sim, um livro perfeito do primeiro ao último capítulo.

 

7 comentários

  1. Conheci Raphael Montes através de dicas suas nos teus posts aqui no blog.
    No caso foi com “O Vilarejo” (livro bem diferente dos outros do autor e tão bom quanto) e “Jantar Secreto”. Li os dois no comecinho do ano. Depois li “Bom Dia Verônica” que na compra nem me dei conta ser do autor, mas na hora da leitura, lá está seu estilo inconfundível.
    E agora a uns meses adquiri e li “Uma Mulher no Escuro” (muito interessante, te recomendo a leitura) e “Suicidas”. Gostei muito de “Suicidas”, é uma leitura instigante, que me fazia querer ler e seguir adiante para ver o que acontecia.
    Percebi pelo teu post que foi difícil escrever sobre o livro e não revelar spoilers. Rapaz, complicado mesmo comentar sobre esse livro e não revelar muito. No caso desse livro, diferente dos outros do autor eu desconfiei (acertadamente) quem era o mentor, culpado(a) ainda lá pelo meio do livro.
    E concordo com você, gostei bem mais de “Jantar Secreto”. Sem desmerecer claro “Suicidas” que tem uma trama bem original.
    Li já a alguns meses, por isso não tenho mais os mínimos detalhes do texto em mente, mas quanto aos suicidas, a motivação, ou falta de um motivo forte por parte de um ou outro, penso que talvez alguns desses jovens, em meio a drogas e bebidas, não estivesse em seu raciocínio perfeito e talvez alguns não considerassem que realmente fosse acontecer, foram pela diversão do pacto, por uma sensação diferente, imaginando que na hora H, não acontecesse. Talvez um ou outro tivesse ido com a intenção de evitar a morte de quem gostava.
    Acho que me falta ler só um dele.

    Abraço!

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    1. Olá Atas. Fiquei feliz em colaborar com a sua lista de autores, indicando o Raphael Montes. Saiba que você também me ajudou muito neste sentido, pois se não fossem as suas indicações não teria descoberto um excelente autor brasileiro chamado Marcos DeBrito. Agradeço muito, pois os seus livros são excelentes.
      Grande abraço meu amigo,

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  2. A-hááááá... apareci! E à moda antiga, visitando o blog, não no Instagram!

    Rapazzzzzz... sua opinião é relativamente parecida com a minha. Não vou entrar em detalhes, porque muitos aspectos do livro eu já não lembro muito bem, mas nossa opinião bate no sentido de que o começo do livro dá aquela instigada e a segunda metade meio que começa a desabar.

    Concordo com relação às motivações de alguns personagens e tal. Parece que faltou profundidade nesse sentido. Eu senti que a parte final do livro dá uma apressada pra terminar logo, sabe?

    Ahhhh... e aqueles trechos dos depoimentos das mães são TODOS descartáveis. Se o livro um dia virar filme, aquilo com certeza tem que ser tirado da história. Aqueles trechos quebram totalmente o ritmo da história.

    O plot twist final eu achei bem previsível, sabe? Meio preguiçoso e clichê. Teria sido bem melhor manter a história na simplicidade. Alguns plot twists - e aí incluo literatura, cinema, HQ's, etc - estragam as histórias. Nem sempre eles são necessários.

    E Jam, leia Sandman PELOAMORDEDEUS!!!!!!!!

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  3. Ahahahah!! Quem diria, trocou o Instagram pelo blog! Logo você que virou o "Rei do Insta" (rsss). Falar nisso, não vi mais o seu perfil por lá. O que aconteceu?
    Pois é, como você disse, nossas opiniões com relação a "Suicidas" tem vários pontos em comum, mas trata-se apenas do primeiro livro do Montes e ele escreveu quando ainda era praticamente um crianção; depois vieram histórias incríveis, entre elas: "Jantar Secreto".
    Quanto a Sandman pelo que eu vi, trata-se de uma obra icônica do Gaiman, mas são muitas HQ's do personagem publicadas. Quem não conhece a mitologia da história fica meio perdido por onde começar. Parece que há pouco tempo lançaram uma edição definitiva com aproximadamente 600 páginas. Esta edição contem todas as Hq's?
    Grande abraço meu amigo!

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    1. Sim, foi exatamente isso que mencionou. Troquei o Insta pelo blog. Pelo menos por ora, excluí meu perfil de lá. É meio terra de ninguém e estava mais me irritando do que qualquer outra coisa.

      Quando eu tinha o Gato Smucky, não tinha redes sociais. Aliás, até tinha Facebook, mas nunca fui muito chegado. Eu acho o seguinte: metaforicamente falando, é como se um blog fosse a nossa casa virtual e as redes sociais fossem como "sair pra rua", onde você encontra todo mundo andando de um lado pro outro, esbarra com um, vê o status de outro, etc.
      Se alguém comenta algo no seu blog, é porque realmente entrou aqui pra ver o que você produz. Literalmente, a pessoa te visitou. Agora, feed de rede social, é como fazer aquela caminhada na Paulista, você vê quem quer, quem não quer, vê de tudo. Talvez pareça filosofia de boteco - e é mesmo - mas é isso que eu sinto.
      Eu mesmo estou esboçando uma volta a um blog só meu. Ele até já está publicado, mas as postagens boas ainda estão todas em rascunho. Volto a falar disso em breve.

      Quanto a Sandman, é o seguinte: por conta da muitas vezes bagunçada indústria editorial brasileira, várias editoras já publicaram a obra, completa ou não. Mas vou esmiuçar direitinho pra você entender.
      Originalmente, foram 75 edições lá nos EUA, naquele formato americano clássico de HQ's, com 36 páginas. Mais algumas edições especiais.

      Aqui, até hoje a única editora a publicar a série nesse formato original foi a Globo, entre 1989 e 1998. Lançou os especiais também.
      Depois disso, algumas editoras independentes tentaram republicar, mas a maioria não chegou ao fim.
      Sendo mais detalhado:

      Editora Globo: 75 edições (completa) + 3 especiais (1989-1998)

      Atitude/Tudo em Quadrinhos/Brainstore: republicação - 26 edições (incompleta) (1999-2003)

      Em 2001, a Conrad assumiu o licenciamento. Eles conseguiram republicar a série inteira, mas em 10 edições encadernadas com capa dura. Publicaram alguns especiais também.

      Editora Conrad (10 encadernados englobando as 75 edições, 2005-2008)

      Prelúdios e Noturnos
      A Casa de Bonecas
      Terra dos Sonhos
      Estação das Brumas
      Um Jogo de Você
      Fábulas e Reflexões
      Vidas Breves
      Fim dos Mundos
      Entes Queridos
      Despertar

      Essa coleção da Conrad (mais os dois especiais) é possível de ser encontrada em sebos ou na internet, mas é MUITO cara. Pra se ter uma idéia, há um sebo em Santo André que está vendendo os dez volumes (sem os especiais) a $1000!

      Em 2010, a Panini assumiu. É quem está com os licenciamentos dele hoje em dia. Acho que são as edições mais "viáveis" pra quem for procurar a série completa hoje em dia. São elas:

      Sandman: Edição Definitiva - 5 volumes que englobam as 75 edições (2010-2018). Acredito que estejam na casa dos $110 cada volume.

      E, a que provavelmente é a opção mais viável atualmente, a republicação especial de 30 anos, começada por eles em 2019. Atualmente está em andamento e foram publicados sete volumes até agora, a preço médio de $40 cada um. Essa é a opção com melhor custo benefício atualmente. Os cinco encadernados têm um acabamento show e tal, mas tem esse valor salgado.

      Cara, eu insisto tanto pra que você vá atrás dessa saga por dois motivos: pra mim, é a melhor história já escrita em QUALQUER formato. Cinema, literatura, escolha uma delas. E a segunda razão é porque em breve devem adaptar a séria pra cinema ou TV. Acredite: você vai apreciar muito mais a versão original.

      Grande abraço!

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    2. Cara, espera aí... será que li direito?!... ou tudo não passa de 'metáforas metaforicamente... metáforas (rssss). Você vai reassumir as suas raízes blogueiras? Verdade?! Você não imagina como eu venho torcendo por isso. Fui um leitor ativo, daqueles de carteirinha do "Gato Smuck". Tenho até, mesmo, alguns posts guardados. Só posso dizer que estou muito feliz, pois a blogosfera, principalmente no contexto cultural precisa de blogs com conteúdo e independentes, sem a ancoragem de editoras e outros patrocínios preadores.
      Quanto a Sandman, pretendo ler, sim. Só estava postergando porque não entendia a ordem cronológica das histórias. Vou deixar para fazer isso quando entrar numa fase mais tranquila de minha vida.
      Muito criativa e sagaz a sua definição de Instagram. É por aí mesmo.
      Abraço e volte logo com o blog. Torcendooo e muiuto!

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