Após ter lido o livro de Naná Queiróz, cheguei a
conclusão de que os presídios brasileiros não estão preparados para receber
mulheres em cumprimento de pena. Cara, as nossas cadeias e penitenciárias foram
concebidas para ‘abrigar’ homens; aliás, tudo – desde a construção física ao
atendimento dado aos sentenciados, visa preencher as necessidades masculinas.
Se não vejamos: o kit-higiene mensal distribuído -
tanto nos presídios femininos quanto nos masculinos - contém, entre outros
itens, apenas dois rolos de papel higiênico, o que pode ser suficiente para um
homem, mas nunca para uma mulher, que os usam para duas necessidades distintas.
Fazem parte ainda desse kit, dois pacotes com oito absorventes cada, ou seja,
uma mulher com um período menstrual de quatro dias tem que se virar com dois
absorventes ao dia; uma mulher com um período de cinco, com menos que isso.
Queiróz ouviu o relato de presidiárias que são obrigadas a sair catando jornal
e pedaços de papel sujos no chão – com muita sorte, quando os encontram – para
se limparem após as suas necessidades.
Por incrível que pareça, por causa do baixo número
de presídios femininos construídos no Brasil, muitas mulheres ainda são
encaminhadas para presídios mistos, sendo obrigadas a conviver em celas com
homens, correndo o risco de serem estupradas. Outra informação alarmante é que
até mesmo as presidiárias que acabaram de dar a luz, muitas vezes, são forçadas
a dormir no chão, nessas celas, com os seus bebês.
Outro detalhe que deixa evidente o descaso com as
mulheres que cumprem pena está relacionado aos sanitários dos presídios mistos
e, pasmem, de algumas penitenciárias femininas, recentemente readaptadas, que
não passam de um simples buraco no chão. Para essa situação inusitada vale até uma
pergunta mais do que lógica: ‘Como uma detenta que esteja com a sua gravidez
avançada conseguirá fazer as suas necessidades nestas condições... de
cócoras?!!
Jornalista Naná Queiróz |
‘Presos Que Menstruam’ explora ainda o drama das
presidiárias que após serem trancafiadas pelos seus crimes acabam perdendo a
guarda de seus filhos ou então daquelas que são obrigadas a dar a luz na prisão
com o bebê já nascendo preso.
A autora do livro vai a fundo, fazendo uma viagem no
âmago dos problemas enfrentados pelos presídios femininos e mistos de vários
estados. Confesso que muitos relatos me deixaram estupefato devido às situações
que de tão graves chegam a se tornarem surrealistas, como os casos de agressões
de carcereiros e guardas em presidiárias que estão nos meses finais de gestação.
Alguns podem pensar que ‘Presos Que Menstruam’ não
passa de um livro sobre vítimas do cárcere. Nada a ver, na realidade, a
jornalista mostra os dois lados da moeda: o das presidiárias que entraram no
mundo do crime contra a sua vontade e daquelas que são criminosas assumidas,
tendo praticado atos terríveis, mas todas elas enfrentando o mesmo problema: conviverem
em locais sem nenhuma estrutura capaz de atender as suas necessidades femininas
mais básicas.
O livro de Queiróz não fica preso somente ao relato
da situação das detentas dentro do presídio, mas também fora dele. Além do
cotidiano no cárcere, a autora também revela os episódios que levaram essas
mulheres à cadeia. Várias dessas histórias, de fato, conseguem prender a
atenção dos leitores como por exemplo, o relato de Safira que entrou no mundo
do crime após ver todas as suas tentativas de sobrevivência esgotadas numa
sociedade regidas por normas legais. Sem ter o que comer, com um filho pequeno
no colo, sem apoio dos pais ou marido, não enxergou outra possibilidade se não o
de ingressar na marginalidade.
Há, também, a história daquelas que entraram no crime
pelas portas do fundo, sem terem nenhuma culpa ‘no cartório’. São os casos de
Júlia, estudante de Direito, que carregou a sina de se apaixonar por sujeitos
errados, como seqüestradores e ladrões, sem saber o ofício dos namorados; e
também da índia Glicéria que foi presa, injustamente, por participar de uma
manifestação com outros índios de sua tribo a favor da demarcação de suas
terras.
Até mesmo duas presas famosas dão as caras na obra.
A autora descreve como é o dia a dia de de Suzane von Richthofen, condenada a 39 anos de
prisão por matar os pais; e de Caroline Jatobá, acusada do assassinato de
Isabela Nardoni, de cinco anos. Lesbianismo, sexo entre presas e guardas em
troca de favores, além de outros temas polêmicos também fazem parte do pacote.
Um tipo de leitura pesada, mas que
consegue prender o leitor da primeira a ultima página.
Recomendo.
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