Suei uma barbaridade para terminar de ler “Contos Fantásticos
do Século XIX”. Posso dizer sem medo de errar que a minha leitura sucedeu-se
aos trancos e barrancos. Tropecei, patinei, cai. Mesmo assim, não consegui terminar
alguns contos, acabei pulando, pois já estava atordoado com as características
das histórias.
Você deve estar pensando nesse momento, que a
seleção de contos feita pelo escritor italiano Ítalo Calvino e publicada pela
Companhia das Letras em 2004 é muito ruim. Não é bem assim; mesmo porque eu
estaria fora do meu juízo normal se afirmasse que autores como Guy Maupassant,
Edgar Allan Poe, Ernst Theodor A. Hoffmann, Ambrose Bierce, entre outros, são
marreteiros, ou seja, não sabem escrever contos de terror.
Gente, tudo na vida evolui, inclusive a linguagem e juntamente
com ela a maneira de escrever um texto. Adoro Machado de Assis – Taí Capitu,
que não me deixa mentir – mas não consigo ler, na sequência, três ou quatro
obras suas. Tenho que dar um tempo, se não a leitura trava. Confesso que o
estilo de escrita de Assis é complexo e rebuscado, seguindo tendências
gramaticais daquela época. Gente, fazer o que? No século 19 se escrevia daquela
maneira. Isto significa que os autores de hoje, escrevem melhor? Não e não!
Alguns são verdadeiras feras na escrita, enquanto outros... Cristo! São autênticos
carniceiros. O que estou querendo dizer é que os leitores da minha geração estão
familiarizados com as tendências literárias do século XX - por enquanto, vou
deixar de lado o Séc. XXI, porque pouca coisa boa surgiu na última década e
meia – e também com o estilo de escrita desse período.
Não posso negar que ao ter contato com uma obra
contemporânea, a leitura flui como um rio que nunca desvia de seu curso, mas a
partir do momento que caem em minha mãos livros dos séculos XVIII ou XIX, a
leitura se desenvolve lentamente, pois o meu nível de concentração para poder
entender as colocações, suposições e informações contidas no texto cresce. Se
eu arrisco ler de uma vez só, dois enredos com essas características,
fatalmente, deixarei de viajar nas ‘asas da história’.
Foi isso que aconteceu comigo com relação a “Contos
Fantásticos do Século XIX”.
O início, o meio e o fim sempre fizeram parte do meu
processo habitual de leitura. Não costumo manter contato com um livro a
prestações, coisa do tipo: leio alguns capítulos um dia, dou uma esfriada, depois
mudo o foco para outra obra.
Não estou habituado com essa logística de leitura e
por isso, dificilmente a pratico. Mas... por mais insensato que possa parecer,
digo com toda convicção que eu deveria ter agido dessa maneira ao ler os contos
selecionados por Calvino. Cara, o meu erro foi querer ler o livro numa tacada
só. Me estrepei. Leitura cansativa, travada e chata.
A maioria dos 26 contos tem características semelhantes
o que prejudica a fluidez da leitura. Escritos em primeira pessoa, com
descrições de personagens e lugares em excesso (peculiaridade comum dos autores
do século XIX), além de uma linguagem rebuscada, definitivamente desestimula qualquer
leitor. E para complicar ainda mais, a Companhia das Letras lançou uma edição
com letras pequenas que preenchem as mais de 500 páginas da obra.
Jamais pensei que um dia chegaria ao ponto de dar um
conselho desses, mas se você decidir ler “Contos Fantásticos do Século XIX” nunca enfrente os 26 contos de uma só vez,
pois irá se arrepender. Escolha outros livros para intercalar a leitura. Leia
dois contos hoje, mais um depois de amanhã, espere três ou quatro dias, volte a
ler outro e assim sucessivamente. Então, acredito que conseguirá aproveitar o
conteúdo da obra.
O livro foi publicado originalmente em 1983 – dois
anos antes da morte do autor – e circulou em dois volumes, O fantástico
visionário e O fantástico cotidiano. A diferença entre ambos é que o
primeiro reúne contos cheios de visões e terrores do subconsciente, que surgem
em diferentes versões, das diabinhas traiçoeiras do polonês Jan Potocki em “A
história do demoníaco Pacheco” ao jeito de bicho-papão de “O homem de
areia”, de Hoffmann, que aterrorizava as criancinhas do mundo anglo-saxão.
Já os contos do segundo volume representam o
fantástico construído à base do absurdo e da incerteza como em “Os
construtores de pontes”, de Rudyard Kipling, ou escorado nas paixões dos
reprimidos em “Amour dure”, de Vernon Lee.
Capiche?
Portanto, aqueles que irão ler os contos organizados
por Calvino, nada de ir com muita sede ao pote. Um conto por vez e
espaçadamente.
Inté!
2 comentários
Ótima dica!
ResponderExcluirEu estou lendo Histórias Sobrenaturais de Rudyard Kipling seguindo essa mesma linha, devoro um conto por noite, ao todo são mais de trinta, depois passo o dia digerindo a estória. O livro é sensacional, mas enfrentar todos os contos de uma vez é coisa de louco. Existe todo um ritmo diferente nas histórias dos séculos passados, hoje em dia como dizem o tempo é dinheiro, todo mundo está atrasado para algo, há o trânsito, filas... A tencologia e a modernidade fizeram nossa sociedade veloz e isso se reflete na literatura com os chamados suspenses de uma noite só, as pessoas preferem livros fáceis e rápidos a uma leitura mais demorada e reflexiva. Afinal a frase mais dita por todos é: não tenho tempo para ler. Curiosamente ano passado visitei o sítio dos meus avós, lembrei de todas aquelas tardes intermináveis em que ficava lendo sob a sombra das árvores. No campo o tempo parece passar mais devagar, uma tarde de leitura na cidade e no campo são bem diferentes. Enfim, concluindo, mal tenho vinte e dois anos e sinto que preciso de no mínimo mais duas vidas para ler tudo o que quero haha
Muito bem explicado. Rafa, 22 anos??!! Caraca, voce tem a vida inteira de leituras pela frente. Mêo que inveja!!! (rssss)
ExcluirGrande abraço!