O Mauro, um colega dos meus tempos de universidade, era um
manguaceiro de mão de cheia. O cara chutava todas pra dentro. Com ele não tinha
esse lance de bebida destilada ou fermentada. Ele encarava – de peito aberto e
de bem com a vida – todas elas, sejam as branquinhas, as amarelinhas ou as
vermelhinhas. Mas acontece que nos momentos em que ele entra em ‘alfa’ por
causa do álcool, acabava ‘soltando’ umas frases pra lá de filosóficas. Sabe
daquelas frases que você não dá nenhuma importância ao ouvi-las pela primeira
vez, mas depois, com mais tranqüilidade, descobre que o que entrou pelos seus
ouvidos foi uma verdadeira pérola? Pois é, as famosas frases do Maurão eram
desse tipo.
E uma delas acabou me inspirando a escrever esse post sobre
livros tão bons, considerados verdadeiras obras primas, mas que tiveram a
infelicidade de terem continuações desastrosas.
Ah! Vocês devem estar aguardando a frase do ‘Mauro
Manguaça’. Ok, lá vai: “Não existe nada além do perfeito”. Cara, é verdade! As
vezes exageramos nos pleonasmos e nem percebemos. Por exemplo, quantas vezes
você já deve ter ouvido um amigo ou uma amiga dizer: “- Aquela pessoa é mais do
que perfeita”. Mêo, o perfeito é o ponto máximo da criação! Não existe nada
além disso. Capiche?
Acontece que muitos escritores famosos por não terem
entendido a antológica frase do Maurão, optaram por escrever malfadadas sequências
de obras com início, meio e fim perfeitos. Nestas horas, O desejo de ter
milhares de dólares nos bolsos ‘falou’ mais alto e eles ou elas acabaram sendo
seduzidos à, literalmente, matar uma obra prima. Guardada as devidas
proporções, imagine um lunático invadindo o Museu do Louvre, em Paris,
driblando todo o esquema de segurança e pichando a Mona Lisa original de
Leonardo da Vinci. Taí galera; foi mais ou menos isso que alguns autores ou
familiares desses autores metidos à besta fizeram. Bem, entenda-se familiares
como sendo filhos, mulheres ou parentes de 1º grau, considerados herdeiros do
espólio do escritor falecido, que decidiram chamar um ‘açougueiro’ para
descarnar e esquartejar a obra original.
Saibam neste post quais foram as tais obras. Vamos à elas!
01 –
Scarlett (Alexandra Ripley)
Sequência
de “E O Vento Levou”
Pode ser que eu esteja errado, mas Margareth Mitchell ao
terminar “E O Vento Levou” já alimentava a intenção de escrever uma sequência
para a sua obra máxima. Digo Escrevo isso porque o final envolvendo a
heroína Scarlett O’Hara ficou em
aberto. O mesmo aconteceu com outros personagens importantes
como Mammy e Ashley. Mas então, um táxi conduzido por um motorista distraído
acabou colocando um ponto final no sonho de uma possível continuação. Como
assim, um táxi?! É verdade galera. Mitchel morreu atropelada em 1949 por um
táxi ao tentar atravessar uma rua próxima a sua residência.
Mas, mesmo com os finais em aberto de alguns personagens
importantes, “E O Vento Levou” é o tipo do livro que só merecia uma sequência
se ela fosse escrita pela própria autora. Depois do lunático que invadiu o
Louvre, vamos com uma outra comparação: pense num autor inexperiente escrevendo
a continuação de uma história de Stephen King? Que tal se essa continuação
estivesse relacionada com a sua criação máxima “A Coisa”? Pois é, essa
comparação caberia perfeitamente no contexto de “E O Vento Levou” na época de
seu lançamento em 1936.
Galera, o enredo desenvolvido por Mitchel é uma verdadeira
obra de arte e nem mesmo o final do tipo: “o leitor é quem decide” atrapalhou a
obra. Pare e pense quantos livros ótimos você leu nos últimos anos com final de
‘quero mais’? Nem por isso, eles tiveram uma sequência.
Mas o filhos de Mtchell não pensaram dessa maneira e
acabaram ‘entregando’ de bandeja “E O Vento Levou” para Alexandra Ripley que
lançaria o fiasco “Scarlett” em 1991.
Apesar do fracasso da obra, alguns produtores gananciosos
pensando em espremer mais alguns dólares da sequência decidiram lançar em 1994
“E O Vento Levou 2” ,
minissérie de quatro capítulos baseada na obra de Ripley. Resultado: a
minissérie televisa repetiu o fracasso de “Scarlett” chegando perto de ganhar o
status nada desejado de “bizarra”.
Hô, hô, hô... penseou que terminou a via crúcis de “E O Vento
Levou”? No, no,no... logo após os dois retumbantes fracassos, tanto nas páginas
quanto na TV, viria ainda outra bomba homérica, um verdadeiro subproduto do
livro original: “O Clã de Rhett Butler”. No livro um escritor o qual me recuso
a citar o seu nome decide escrever (com o aval dos herdeiros de Mitchell) uma
paródia – isso mesmo, uma paródia!!! -
onde Scarlett ganha uma meia irmã. A história é contada a partir do
diário dessa meia irmã em termos mais do que apimentados.
Cara, olha... melhor parar por aqui.
02 – A
Volta do Poderoso Chefão (Mark Winegardner)
Sequência
de “O Poderoso Chefão”
Não vou me alongar muito nos comentários desse livro, mesmo
porque, ele já foi tema de dois posts, aqui, no blog (esse e mais esse). Por
isso, serei breve. Basta dizer que Winegardner trucidou os personagens criados
por Mário Puzo.
Que dó do Michael Corleone dessa obra; perdeu todo o seu
carisma, transformando-se num assassino simplório, burro e inocente. Fredo?
Melhor esquecer. Virou um homossexual pervertido que transpira prazer ao matar
as suas vítimas. Tom Hagen e Francesca Corleone caíram no limbo, já que
poderiam ser melhores explorados nessa sequência.
Outro pé no saco é o numero excessivo de personagens.
Imagine um romance com quatro famílias mafiosas e cada uma delas com 13
integrantes que insistem em ficar aparecendo toda hora na trama!! Não dá né?!
Com certeza, os leitores terão de consultar a cada minuto o índice com os nomes
dos personagens!
Mas Mário Puzo continuou se contorcendo e espumando de raiva
na cova ao saber que os seus familiares tinham autorizado uma nova continuação
de “O Poderosos Chefão”. Desta vez, um terceiro livro, escrito novamente por
Winegardner, chamado “A Vingança do Poderoso Chefão”, o qual, de verdade, eu
prefeito esquecer.
03 – A
Senhora do Jogo (Tilly Bagshawe)
Sequência
de “O Reverso da Medalha”
Caraca, estou pensando com os meus botões como seria uma
continuação de “O Reverso da Medalha” escrita pelo próprio Sidney Sheldon. Acredito
que não seria a ‘catástrofe pornô’ que foi “A Senhora do Jogo”. Mas, à exemplo
dos dois livros comentados acima, os milhares de dólares falaram mais alto do
que o bom senso e dessa maneira, os donos do espólio de Sheldon, ou seja, seus
familiares, aceitaram que uma escritora inexperiente e desconhecida
seqüenciasse um livro que encantou gerações de leitores. E como toda ação tem
uma reação: a ganância somada a irresponsabilidade de alguns herdeiros resultou
numa bomba homérica que foi a história de Tilly Bagshawe.
A personagem principal Lexi Templeton, filha de Alexandra
(neta da inesquecível Kate Blackwell) faz coisas que até Deus duvida quando o
assunto é sexo. Olha pessoal... não pensem que sou um puritano que acha o sexo
algo pecaminoso e imundo ou então um pastor fanático que condena ao inferno
todos aqueles que decidem se aproveitar das delícias de Eros na cama, no mato
ou no carro; mas é que Bagshawe transformou Lexi numa rameira de quinta
categoria.
Recordando as páginas que li de “A Senhora do Jogo”, juro
que sinto saudades da maestria de Sheldon em descrever as cenas de sexo
envolvendo os seus personagens.
Além das sessões pornográficas, não gostei da construção da
personagem. Enquanto em o “Reverso da Medalha”, Sheldon compôs uma Kate
Blackwell calcada na ambiguidade, fazendo com que os leitores a amassem em
determinados momentos e em outros a odiassem; em “A Senhora do Jogo”, Bagshawe
criou uma Lexi egoísta, vingativa, interesseira e “piranhaça” ao extremo. Por
isso, fica difícil simpatizar-se com uma personagem com essas características.
E o pior de tudo é que o chamado ‘final sem fim’ de “A
Senhora do Jogo” indica que teremos uma nova provável sequência por aí. Ai...
ai... ai!!
04 – O
Espírito do Mal (William Peter Blatty)
Sequência
de “O Exorcista”
Fugindo um pouco do padrão dos três livros citados neste
post, a sequência de “O Exorcista” foi escrita pelo próprio autor da história
original, sem a desastrada intervenção de herdeiros, mesmo porque Peter Blatty,
pelo que eu sei, ainda estava vivo. Apesar disso, a continuação saiu uma b....
“O Exorcista” é o tipo da obra perfeita com início, meio e
fim; sem espaço para nenhuma sequência; os personagens principais tiveram os
seus destinos todos definidos da melhor maneira. Aqueles que tinham que morrer
morreram e aqueles que tinham que viver viveram. Por isso não sobrou nenhum
resquício para continuações, mesmo porque os personagens que restaram não eram
tão importantes ao ponto de valer uma “segunda parte”.
Como já escrevi no post sobre o livro (acessar aqui) Não dá
para ter uma nova história de “O Exorcista” depois da morte do padre Damien
Karras. O sacerdote, simplesmente, deixou de existir naquele capítulo
antológico em que conseguiu expulsar “a socos” o demônio Pazuzu do corpo da
pequena Reagan. Os dois personagens
principais - os padres Merrin e Karras - morreram; quanto a Reagan, ficou
liberta e Pazuzu, dançou; sobrou quem para uma sequencia??? Ninguém! Pera aí...
ninguém não! Sobrou o chato do Kinderman, aquele inspetor amorfo que no livro
“O Exorcista” foi o responsável pela investigação dos casos de violações e
mortes provocados pela pequena Reagan possuída. E o maior erro de Peter Blatty
foi, justamente, acreditar que o tal inspetor teria fôlego para ‘segurar’ uma
nova sequencia da história.
“O Espírito do Mal” tem um enredo confuso, cansativo e sem
graça. Nada à ver com brilhantismo de “O Exorcista”.
05 – 60
Anos Depois, Do Outro Lado do Campo de Centeio (Fredrik Colting)
Sequencia
de “O Apanhador do Campo de Centeio”
Cara, a sequencia de “O Apanhador do Campo de Centeio” foi
tão ruim, mas tão ruim que o autor do livro original, J.D. Salinger entrou com
uma ação proibindo a venda nos Estados Unidos de “60 Anos Depois, Do Outro Lado
do Campo de Centeio”.
Quem leu “O Apanhador no Campo de Centeio”, obra antológica
de Salinger lançada em 1951, com certeza se apaixonou pelo personagem Holden
Caufield, aquele adolescente rebelde e desbocado que desprezava características da
vida adulta. O ‘moleque Caufield’ como muitos leitores tinham o hábito de
chamá-lo conquistou várias gerações de leitores.
Então, em 2009, o escritor sueco Fredrik Colting decidiu publicar uma
sequencia não autorizada da obra de Salinger. Pronto! Nascia assim, o fiasco “60 Anos
Depois, Do Outro Lado do Campo de Centeio”. Colting teve a audácia de
transformar aquele adolescente rebelde, desbocado e que detestava, um dia, se
tornar adulto numa versão idosa, chata e arrogante. Isso mesmo, um Holden
Caufield com 76 anos.
É claro que Salinger surtou e mandou que os livros não
fossem lançados. A briga judicial foi ferrenha, mas no final, a Editora Verus
acabou conseguindo colocar a obra no mercado... Infelizmente.
Taí galera, nem todas as continuações convencem.
Eh!Eh!Eh!... To parecendo o Maurão falando (rs)
Inté!
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