O principal motivo que me instigou a ler o livro do
escritor gaucho, David Coimbra foi a curiosidade despertada por um fato que
aconteceu em 1864 na cidade de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, e que ficou
conhecido nos meios policiais da época como “Os Crimes da Rua do Arvoredo”.
O caso foi tão macabro, mas tão macabro que apesar
de ter ocorrido no século 19, quando Porto Alegre ainda estava engatinhando –
contando com menos de 20 mil habitantes – nem mesmo a aura de tecnologia ultra
moderna do século 21 conseguiu apagar.
O crime que intrigou as autoridades policiais ocorreu
em 18 de abril de 1864. Neste dia, a polícia de Porto Alegre deparou-se com uma
cena horripilante: no porão da casa de José Ramos e Catharina Palse, na Rua do
Arvoredo, onde também funcionava o açougue do casal, estavam enterrados os
pedaços de um corpo humano, já em avançado estado de decomposição. O cadáver
havia sido retalhado, com a cabeça e membros separados do tronco, e este, por
sua vez, repartido em vários pedaços. A vítima identificada era o alemão Carlos
Claussner, antigo dono do açougue da Rua Arvoredo. Ao examinar um poço
desativado, no terreno dos fundos da casa, a polícia encontrou os corpos do taverneiro
Januário Martins Ramos da Silva e de seu caixeiro, José Ignacio de Souza Ávila,
de apenas 14 anos, igualmente esquartejados. As buscas no poço prosseguiram,
tendo a polícia encontrado ainda o cadáver de um cachorrinho preto, rasgado da
garganta ao ventre. A motivação dos crimes era evidente: Ramos e Palse mataram
para se apossar dos bens de suas vítimas, com exceção do caixeiro e do
cãozinho, que foram mortos como queima de arquivo.
Os crimes causaram repugnância, especialmente depois
que uma série de boatos davam conta de que o casal assassino fazia lingüiça com
a carne das vitimas e vendia o produto em seu açougue. A polêmica sobre a
veracidade da lingüiça de carne humana até hoje divide os gaúchos.
Reza a lenda que o açougueiro Ramos degolava, esquartejava,
descarnava, fatiava e guardava as vítimas em baús, moendo-as aos poucos e
transformando-as nas famosas linguiças, que eram vendidas em seu açougue. Os
gaúchos faziam fila para comprá-las e nem desconfiavam de que estavam
praticando canibalismo ‘por tabela’.
Ramos foi condenado à forca. Catarina foi internada
em um hospício, onde morreu louca.
Cara, esta história não saiu mais da minha cabeça.
Fiquei curioso para descobrir mais detalhes dos crimes da Rua do Arvoredo. E
foi nessa época que comecei a pesquisar na Net os nomes de alguns livros que
tratavam sobre o assunto, mas eles não acrescentavam nada do que eu já sabia. A
abordagem era excessivamente técnica o que o tornava as suas leituras
cansativas. Eu procurava algo diferente. Foi então que num lance de pura sorte,
quando zapeava a esmo na Net, acabei encontrando o livro “Canibais: Paixão e
Morte na Rua do Arvoredo” escrito pelo colunista esportivo do jornal Zero Hora,
David Coimbra.
A obra do autor foge inteiramente do convencional, à
começar que não se trata de um livro técnico, pelo contrário, Coimbra optou por
transformar a história do linguiceiro da Rua do Arvoredo num romance. Isto
mesmo! Numa história de ficção, mas nem por isso, menos interessante; pelo
contrário, o livro prende a atenção do leitor com facilidade.
Após pesquisar aproximadamente 18 obras sobre os referidos
crimes, Coimbra conseguiu construir uma narrativa simplesmente empolgante, que
tem como cenário uma Porto Alegre de escravos fugidos, imigrantes desgarrados,
enfim, bandidos de todos os tipos.
“Canibais: Paixão e Morte na Rua do Arvoredo” é um
livro de ficção baseado numa história real. A maioria dos personagens do livro,
de fato, existiram.
O enredo nos mostra um José Ramos culto, sensível,
amante da música clássica e da poesia, apesar de seu porte físico bruto. Ele
conseguiu transformar pacatos habitantes da então pequena Porto Alegre em
inconscientes canibais.
O livro tem cenas muito fortes e que poderão
impressionar os leitores mais sugestíveis como as passagens em que Catarina seduz
as vítimas, levando-a para a sua cama como se fossem gados à serem abatidos.
Após a inesquecível noite de sexo e orgias com a bela mulher, mal sabiam as
pobres vítimas que seriam mortas à machadas por Ramos e depois degoladas,
esquartejadas e descarnadas.
As cenas fortes de violência são amenizadas com a
reconstituição social da Porto Alegre do século 19, bem como os hábitos da
população daquela época.
Coimbra mescla com maestria personagens reais e
fictícios para contar em detalhes o caso que de tão macabro acabou se
transformando numa lenda urbana.
Enfim, um livro supimpa, daqueles que recomendo a
leitura, principalmente para os leitores que quiserem conhecer mais detalhes
sobre um dos casos mais macabros da história policial de nosso país.
Um comentário
Li o livro de David Coimbra há alguns anos e gostei demais, porquanto o enredo enseja uma viagem pela Porto Alegre de mais de cem anos atrás, num ambiente de mistério, suspense, medo e um bocado de sensualidade. Vale a pena!
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