Vou usar o mesmo termo que uma leitora do blog,
Débora Araújo, usou ao comentar um post que escrevi na época do lançamento do
livro da jornalista Manuela Castro: chocante. Pois é, é dessa maneira que
defino o livro “A Praga – O holocausto da hanseníase. Histórias emocionantes de
isolamento, morte e vida nos leprosários do Brasil”. Os fatos investigados pela
jornalista e expostos aos leitores, de fato, chocam; da mesma maneira que
chocaram as descobertas de outra jornalista, Daniela Arbex, em sua obra
“Holocausto Brasileiro” em que narra a
história de milhares de pacientes internados à forças, sem diagnóstico de
doença mental, num enorme hospício na cidade mineira de Barbacena. Quero
aproveitar o ‘gancho’ para parabenizar a editora Geração Editorial por ter
apostado nestes dois livros-reportagem, dando um presente fantástico a todos
nós, leitores.
Através de uma narrativa fluída, Castro narra em sua
obra as histórias de pessoas que foram caçadas no Brasil por causa da doença. Após serem ‘jogadas’ nos leprosários, mães
diagnosticadas com hanseníase eram, definitivamente, separadas de seus filhos
que, por sua vez, acabavam sendo encaminhados para adoção ou então para abrigos
onde, quase sempre, sofriam todos os tipos de abusos – violência sexual, física
e psicológica - praticados por funcionários despreparados. Casos de crianças
portadoras de hanseníase que de uma hora para outra, foram levadas de seus
lares para as colônias de leprosos (como eram conhecidos os leprosários) e
nunca mais voltaram a ver os seus pais. Exemplos de internos que conseguiram
sobreviver nesse verdadeiro inferno, conquistando o seu espaço na sociedade e
tornando-se verdadeiros exemplos na luta contra o preconceito.
A autora abre o baú das verdades com revelações
estarrecedoras e que mexem com os leitores. A história de Conceição é uma das
mais marcantes e dolorosas do livro. Aos sete anos, ela foi afastada dos pais.
Internada, nunca mais voltou para casa. Adulta, se apaixonou por um interno,
casou-se e teve de encarar a dura realidade de não poder constituir família.
Por sete vezes engravidou, por sete vezes os filhos nasceram saudáveis, por
sete vezes olhou-os rapidamente para os seus rostinhos e teve de se despedir
para nunca mais vê-los. Enfim, o livro mostra um mundo de histórias
emocionantes de pessoas que enfrentaram isolamento, preconceito e morte nos
leprosários.
Castro ainda explora duas importantes vertentes
sobre o assunto em seu enredo: o atraso da chegada da cura da lepra no Brasil que
acabou gerando sérias conseqüências para inúmeros pacientes, além de um
panorama da origem da doença, explicando, inclusive, como ela chegou ao Brasil.
“A Praga – O holocausto da hanseníase” revela que
durante milênios, o leproso foi isolado da sociedade, abandonado para ser morto
em florestas e cavernas, deteriorado a tal ponto que simplesmente olhá-lo era
considerado mau agouro. Vinda da Ásia e
do Oriente Médio, a doença acabou penetrando na Europa. A discriminação e o
medo sempre a cercaram. No Brasil, a lepra chegou marcada por todos os
antecedentes negativos e não teve destino diferente.
A autora faz uma revelação que deixa os leitores
boquiabertos: apesar da cura da doença ter surgido nos anos de 1940 - época em
que muitos países europeus começaram a fechar os seus leprosários, liberando os
seus pacientes para o tratamento domiciliar – no Brasil, o isolamento
compulsório prosseguiu em leprosários até 1986!
“A Praga – Holocausto da hanseníase” traz também
fartas ilustrações sobre o tema, com imagens de colônias, antigos leprosários,
pacientes, etc. Muitas dessas ilustrações nem sequer precisam de textos, pois
as imagens já dizem tudo.
Um relato emocionante sobre um dos períodos mais
tristes na história da saúde pública no Brasil.
Leitura indispensável.
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