Se existe uma frase que me irrita e muito, é aquela
que comumente também irrita a maioria dos leitores: “Para que ler o livro se eu
já assisti ao filme”. Não vá me dizer que essa bendita, ou melhor, maldita frase
não lhe tira do sério? Se for um leitor assíduo – daqueles que de fato podem
ser chamados de leitores – garanto que tal afirmação vai conseguir lhe tirar do
sério.
Mesmo o filme sendo um clássico, é impossível deixar
de ler o livro que originou esse clássico. Aliás, vou mais além, o correto
seria ler primeiramente a obra literária para somente depois, assistir a
produção cinematográfica.
O principal motivo é que o livro proporciona uma
riqueza detalhes relacionadas ao enredo e aos personagens que os filmes não apresentam.
Detalhes que no cinema pelas modificações necessárias - devido ao fator tempo -,
vão ser provavelmente ignorados.
Ler o livro primeiro também melhora a experiência de
visualização, proporcionando uma exploração mais profunda de temas, motivações
de personagens e histórias de fundo que podem ser perdidas na adaptação
cinematográfica. Ler o livro antes leva o leitor ao filme com um bom conjunto
de conhecimentos prévios. Dessa forma, vejo o filme como um complemento do que
li.
Na minha opinião, as pessoas que primeiro assistem ao filme, acabam matando o
enredo do livro tornando-o desinteressante. O mesmo não acontece quando você dá
prioridade ao livro e somente depois, assisti ao filme. Isto faz com que a
produção cinematográfica fique mais completa. Vejam bem, não se trata de uma
regra básica ou imutável, sei que muitos não pensam assim; mas... paciência; é dessa forma que me sinto ao inverter as
bolas, ou seja, deixar o livro como um complemento do filme.
Para aqueles que tem uma linha de raciocínio parecida
com a minha, escrevi essa postagem onde indico cinco adaptações cinematográficas
de grande sucesso, as quais você deveria ler o livro primeiro; e só depois,
assistir ao filme.
01
– O Silêncio dos Inocentes (1991)
Acho interessante ler O Silêncio dos Inocentes antes do filme porque o livro traz
informações importantes sobre alguns personagens que foram praticamente
suprimidas na adaptação cinematográfica de Jonathan Demme. O maior exemplo
disso diz respeito ao agente Jack Crawford, chefe de Clarice Starling, que no
filme passa quase despercebido, mas nas páginas tem uma participação destacada.
Ele atua como um importante mentor sobre a jovem agente; passando-lhe seu
legado de anos de experiência como agente do FBI. No filme, não aprendemos
muito sobre sua história de fundo, também aprendemos muito pouco sobre o quanto
ele se sacrifica por seu trabalho e, o mais importante, a conexão com o enredo
de Dragão Vermelho, onde Crawford vê
Clarice como uma forma de se redimir de seu tratamento com Will Graham que
deixou a desejar, colocando a vida daquele agente em perigo.
No filme também não fica claro o que o Dr. Chilton,
diretor do manicômio - onde o Dr. Lecter está encarcerado - faz com as fitas
das gravações clandestinas das conversas entre Lecter e Clarice. Mas no livro os
leitores ficam sabendo o destino dessas fitas.
Um livraço que complementa um filmaço e que deve ter a
sua leitura priorizada.
02
– O Grande Gatsby (2013)
A narrativa forte e envolvente de F. Scott Fitzgerald
é o grande diferencial do livro - publicado originalmente em 1925 - para o filme de Baz Luhrmann que tem nos papéis
principais Leonardo DiCaprio, Tobey Maguire e Carey Mulligan.
O narrador Nick Carraway tem um papel fundamental no
livro ao mostrar aos leitores todo o mundo de luxo e intrigas do personagem Jay
Gatsby, além de apresentar em detalhes alguns personagens do enredo. Sem a
força desta prosa, o espectador não consegue criar os laços com alguns desses personagens,
nem conhecê-los o suficiente para sentir e entender vários de seus sentimentos
como medo, dúvidas ou insegurança.
Não posso negar que o visual extravagante dos anos 20
no filme de Luhrmann é fantástico e embriagador, mas sem a narrativa de Nick
que temos a oportunidade de ver no livro, esse visual acaba ficando vazio. Por
isso, acho importante ler a obra literária primeiro para que possamos entender
as verdadeiras motivações desses personagens e depois... nos deliciarmos com o
visual do filme de 2013 que muitos críticos consideram a melhor adaptação do
livro de Fitzgerald.
03
– O Diário de Uma Paixão (2004)
Se você ler o livro de Nicholas Sparks antes do filme,
ficará conhecendo os detalhes da doença e do tratamento de Allie. Enquanto o
livro dedica tempo para explorar o diagnóstico e a jornada da doença da
personagem, o filme opta por uma abordagem mais simplificada, não especificando
a natureza de sua condição e focando mais na emoção de seus momentos de
lucidez.
Dois personagens presentes no livro, publicado pela primeira vez em 1996, não aparecem no
filme de 2004: o cão Clem e um personagem chamado Gus. O cinema não mostra a amizade de
Noah com Gus e no filme, Noah se envolve com uma viúva, a qual no livro ela
apenas é amiga dele.
O final do enredo literário é completamente diferente
daquele que vocês viram nos cinemas. Juro que chorei lendo o final do
livro. Cara, emocionante demais. Você também poderá comparar os dois finais,
mas prepare as lágrimas ao ler o “The End” do livro.
04
– A Garota do Trem (2016)
O filme com Emily Blunt adaptado do livro de grande
sucesso da autora Paua Hawkins mantém o cerne do livro, mostrando o crescente
envolvimento da alcoólatra e divorciada Rachel (Emily Blunt) com um casal
perfeito que vê diariamente pela janela em seu trajeto de trem para o trabalho.
Apesar de não destoar tanto do livro, a produção cinematográfica enxugou e
também suprimiu vários trechos, alguns importantes, da obra de Hawkins.
Enquanto o livro é extremamente fluido, o longa-metragem
dá a impressão de ser um pouco
arrastado, principalmente para quem não leu a obra original. No livro, Rachel
pega o trem diariamente em direção à Londres todos os dias. No filme, o cenário
foi mudado para Manhattan.
Diferentemente do livro, em que Hawkins consegue pela
narrativa prender a atenção do leitor, o longa abusa dos recursos de slow
motion e até da trilha sonora para criar a situação, soando tudo muito
exagerado.
Por ter uma narrativa muito mais completa e
envolvente, aconselho ler o livro de Hawkins primeiro, depois mergulhe no
filme.
05
– Rambo – Programado par Matar (1982)
Primeiro Sangue (1972) de David Morrel publicado dez anos antes do filme
“Rambo – Programado para Matar” - que transformou Sylvester Stallone num ícone
das produções de ação em Hollywood - é muito mais profundo e sério do que a sua
adaptação para os cinemas. Primeiro
Sangue é uma reflexão sobre os traumas da guerra, a alienação dos
veteranos, o abuso de poder e a moralidade da violência.
David Morrell, de fato, caprichou em seu enredo o qual
considero um dos thrillers de ação sobre a Guerra do Vietnã mais importantes
das últimas décadas. Creio que esteja no mesmo nível de O Franco Atirador de E.M. Corder. Curiosamente esses dois livraços
que exploram os terrores psicológicos enfrentados por alguns soldados
americanos no Vietnã acabaram sendo ofuscados por suas adaptações
cinematográficas: “Rambo – Programado para Matar” (1982) e “O Franco Atirador”
(1978)
No filme “Rambo”, o diretor Ted Kotcheff foca principalmente na ação,
deixando de lado as origens do personagem e os seus traumas vividos no Vietnã.
O plot do filme gira em tono do conflito de Rambo com o xerife de uma pequena
cidade do Kentucky.
Um dos pontos fortes do livro é a construção dos
personagens principais. Rambo não é retratado como um herói ou um vilão, mas
como um homem traumatizado pela guerra e pela rejeição da sociedade.
Ao ler o livro antes, os leitores terão a oportunidade
de conhecer os traumas enfrentados pelo personagem e que até certo ponto,
transformaram a sua personalidade. Depois disso... divirta-se com o filme que
nada mais é do que um festival de explosões, tiros e pancadaria.
Bônus: Tubarão (1975)
Por que ler Tubarão (ver resenhas aqui e também aqui) antes do filme? Simples. Vários conflitos interpessoais, vários núcleos do
romance e várias situações foram podadas para transformar o filme num
blockbuster de aventura e suspense. Acrescente-se a isso, as alterações
significativas na personalidade de personagens importantes da trama. Quer mais?
Ok; vamos lá: o livro de Peter Benchley é um estudo do medo com personagens
mais desenvolvidos deixando à mostra, de maneira escancarada, todos os seus
medos, receios e inseguranças.
Por exemplo, quando os personagens Brody, Quint e
Hooper saem em alto mar à caça do grande tubarão branco que fez várias vítimas
na praia da pequena cidade de Amity, os três vivem uma série de conflitos que
foram cortados do filme. Além disso, os receios, dúvidas e inseguranças tanto
da tripulação quanto de outros personagens que vivem na cidade costeira de Amity
são explorados de maneira mais profunda na obra literária de Benchley. Um
desses conflitos envolve o xerife Brody e sua esposa Ellen que literalmente foi
cortado da produção cinematográfica.
Na minha opinião, a galera que optar por assistir ao
filme depois de ter completado a leitura do livro, verá na tela personagens
mais completos com muitas de suas qualidades e principalmente defeitos expostos
de maneira bem clara. Resumindo: o livro é muito mais completo. Por isso deve
ser lido antes.
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