"Mundo Perdido", mais uma releitura concluída. Foi uma pena o filme de Spielberg ter cortado, além de alterado personagens tão importantes

29 agosto 2022

Vocês querem saber, de fato, quando um livro consegue ultrapassar um filme, deixando a película para trás comendo poeira? Ok, eu respondo na lata: leiam Mundo Perdido de Michael Crichton e depois assistam ao filme de Steven Spielberg. Cara, o livro é anos-luz melhor do que a produção cinematográfica de 1997, considerada a sequência direta do megassucesso “O Parque dos Dinossauros”, esse sim, uma adaptação à altura da obra literária.

Tudo no livro é melhor: enredo, personagens e claro, os dinossauros. Sinceramente acho que o roteirista David Koepp pisou feio na bola e entregou um material muito abaixo da expectativa para Spielberg dirigir. O livro é tão superior ao filme que eu já o reli três ou quatro vezes; quanto a película, assisti somente uma vez e confesso que após ter lido a obra de Crichton perdi, completamente, o interesse pelo filme.

Para variar, no mês passado bateu uma vontade enorme de reler – mais uma vez – Mundo Perdido o que consequentemente acabou resultando nessa postagem que você lê agora. Lembrando que já escrevi uma resenha sobre o livro nos primórdios do blog, em 2012; se quiser conferir acesse aqui.

Nessa nova resenha vou me ater mais na comparação da história escrita com o filme. Começando pelos personagens. Enquanto o roteirista da produção cinematográfica optou por centralizar a trama no personagem Ian Malcolm; no livro ele se apresenta quase como um personagem secundário, ou seja, um coadjuvante. Na minha opinião, os dois personagens principais no contexto idealizado por Crichton são Richard Levine e Sarah Harding. Justamente os mais prejudicados no filme. O primeiro deles foi cortado por Koepp e o segundo foi alterado pelo roteirista; diga-se, alterado para pior.

Talvez, para dar mais foco em Ian Malcolm, vivido por Jeff Goldblum, optou-se por cortar Richard Levine, o que achei um enorme erro. Sei lá, se essa decisão aconteceu por questões contratuais, exigência do ator ou o escambau a quatro. O que sei é que foi um grande erro. Na trama escrita, tudo gira em torno de Levine e Harding. Malcolm pouco faz no livro. Ele se apresenta como uma espécie de assessor. Fora isso, excetuando o trecho em que o Tiranossauro Rex ataca o trailer onde ele e Sara se encontram, suas aparições na trama são quase sem importância. Do meio da história em diante, ele pouco faz, a não ser ficar murmurando algumas frases desconexas sobre a “Teoria do Caos”.

O contexto muda quando nos referimos a Richard Levine, um paleontólogo autossuficiente e arrogante, mas por outro lado muito inteligente que resolve explorar uma ilha isolada onde acredita existir animais pré-históricos dos períodos Cretáceo e Jurássico. Levine acredita que a tal ilha chamada Sorna é o local onde os dinossauros da empresa de biotecnologia InGen eram clonados em suas várias instalações para depois serem transportados para o Sítio A, a Ilha Nublar, onde ficava o Jurássic Park. O paleontólogo crê que ainda existam alguns animais pré-históricos naquela ilha e assim, resolve montar uma expedição com veículos e equipamentos ultramodernos para explorar o local. Ele convida Malcolm e Sarah para participar, juntamente com outros integrantes. Tudo transcorre dentro da noirmalidade até que Levine é vencido por sua curiosidade e resolve partir para a ilha Sorna antes dos preparativos, acompanhado apenas de um guia. Chegando lá, “a coisa” se complicada.

Após receberem uma mensagem de Levine, onde supostamente entende-se que ele está em perigo, os seus amigos de expedição resolvem também partir para ilha na esperança de salvá-lo. Chegando lá, tem o início o “pega prá capá” o qual não pretendo estragar com spoillers.

Crichton foi muito feliz na criação de Levine. Ele é um personagem complexo e de muitas facetas: algumas você admira e outras você odeia. Crichton vai desconstruindo aos poucos um de seus personagens principais. No início vemos um Levine destemido, seguro e autossuficiente, mas conforme o enredo vai se desenrolando e chegando ao final, alguns fatos acabam mudando a sua determinação e com isso vamos conhecendo o verdadeiro Levine. Achei um put... de um personagem; um dos melhores criados pelo autor e que inexplicavelmente foi podado do filme.

Quanto a Sarah Harding fiquei super-fã da jovem bióloga e naturalista, especialista em estudo de campo dos predadores da África, no caso leões e hienas, mas que acaba indo parar na ilha de Sorna, lutando pela sua sobrevivência em meio a perigosos dinossauros carnívoros.

De maneira oposta ao personagem do filme de 1997 vivida por Julianne Moore (diga-se de passagem, uma excelente atriz), a Sarah das páginas do livro te conquista logo de cara. Ela não é afoita como a sua cara metade dos cinemas. Ela é muito corajosa, mas toda essa coragem tem como alicerce uma inteligência aguçada baseada no senso. Ela enfrenta qualquer obstáculo, por pior que seja, mas sempre com conhecimento de causa. Ela é muito segura. Tão segura que qualquer um dos personagens do livro acaba se sentindo bem perto dela. A sua empatia é incrível. E, infelizmente, faltou isso, para a Sarah Harding do filme.

Outro personagem importante cortado do filme foi o Dr. Thorne, engenheiro responsável pela construção e montagem dos veículos e demais equipamentos da expedição. Ele é presença constante no livro, mas Koepp também optou por tesoura-lo.

Além da poda e da alteração nos personagens, o plot do enredo escrito por Crichton foi profundamente modificado pelo roteirista. Mêo! Ficou uma caca, muito estranho. Que loucura (que loucura no pior sentido) ver aquele Tiranossauro Rex perdido no meio da cidade! My God! Ao contrário do filme, no livro, toda a ação se passa na Ilha de Sorna, no chamado Sítio B da InGen. Enquanto a expedição de cientistas quer apenas estudar os dinossauros para descobrir como eles foram extintos, os vilões comandados por Lewis Dodgson querem roubar dos ninhos os ovos dos dinossauros para criarem um novo Jurassic Park num novo local. Ao contrário,  no filme, o personagem John Hammond – que na duologia de Crichton morreu no primeiro livro - quer que Ian Malcolm e um grupo de cientistas observem e documente as criaturas antes que mercenários cheguem até eles. Hammond revela que quer descobrir uma nova ilha onde as criaturas possam viver longe do contato com as pessoas. Paralelamente a isso, um grupo de mercenários planeja invadir a Ilha Sorna para capturar os animais vivos e leva-los para a cidade onde planejam montar uma espécie de “Hopi Hari Jurássico”, mas com dinossauros no lugar de brinquedos. Os dois grupos acabam entrando em conflito.

Resumindo, o plot original da obra literária é muuuuuito, mas muuuuuito melhor do que aquele desenvolvido por Koepp.  Quanto ao vilão Lewis Dodgson que no filme foi substituído pelo insosso sobrinho de Hammond é outro ponto alto do livro; muito diferente do Dodgson de “O Parque dos Dinossauros” que teve apenas uma aparição relâmpago naquele filme e do Dodgson caricato ao extremo da recente produção “Jurassic World 3: Domínio”.

E para finalizar essa resenha, não posso me esquecer, é evidente, dos dinossauros dos livros que são muito mais aterrorizantes do que os animais do filme. Os Tiranossauros (são dois no livro, isso mesmo) e os velociraptores são muito amedrontadores e com elementos de terror em alguns trechos.

Achei uma heresia o corte, por parte do roteirista, da cena arrepiante em que os personagens, perto do final do livro, se escondem num galpão, apenas para descobrir que os Carnotauros que os cercam podem se camuflar no meio da vegetação como se fossem camaleões, tornando-se praticamente invisíveis e por isso mesmo, mais letais; tão letais que chegam ao ponto de intimidar os Velociraptores e os Tiranossauros duante a noite.

Adorei a releitura! Quanto ao filme... apenas razoável.

Valeu!

2 comentários

  1. Que resenha perfeita. Consegui senti toda a sua paixão pela leitura daqui mesmo.

    Concordo contigo. O segundo filme é bem mais ou menos, mas o terceiro filme é um desastre tão grande que faz com que achemos o anterior uma obra-prima do cinema.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Obrigado! De fato, gostei muito do livro. Concordo com vc quanto a "Jurassic World: Dominium". Ficou algo estranho, fora da casinha. Aqueles gafanhotos gigantes.... aqueles dinossauros guiados por mira telescópica... Sinistro, muito sinistro (rs). Jurassic Park, continua imbatível.
      Abraços!!

      Excluir

Instagram