Resenhar “A Escrava Isaura” de Bernardo Guimarães é
complicado... muito complicado. Com certeza se analisá-lo de uma maneira
crítica, esquecendo-me de sua veia folhetinesca, irei levar alguns açoites no
lombo – pois nem todos os leitores poderão concordar com as minhas colocações –
por outro lado, se me ater apenas as peripécias, dramas e romances envolvendo
os seus personagens, corro o risco de levar outros acoites no mesmo lombo,
agora por acharem que estou sendo superficial e ingênuo. Resumindo: as lambadas
chegarão de qualquer maneira. Portanto – como já dizia Kid Tourão, ‘perdido por
perdido, truco!’. Irei escrever sobre essas duas vertentes da obra.
Talvez o que eu exponha agora, possa chocar alguns
defensores da obra de Bernardo Guimarães. Assim, me desculpem aqueles que
consideram “A Escrava Isaura” uma obra anti-escravagista ou abolicionista. Eu
não penso dessa maneira. Vejam bem, o autor coloca como heroína em plena
campanha abolicionista - período em que os escravos negros eram maltratados e
torturados por seus senhores - uma escrava branca, bonita, educada e que ainda
toca piano e se veste bem. Em contraste, temos Rosa – uma das antagonistas de
Isaura. Ela é negra, bem menos bonita, ardilosa, vingativa e invejosa. Capiche?
Todas as virtudes ficam com a escrava branca e todos os defeitos ficam a
escrava negra.
O autor faz questão de ressaltar de maneira
exaustiva a beleza pura e branca de Isaura. Isto fica evidente em vários
trechos da obra, onde Guimarães enaltece a sua pele branca como marfim e sem
nenhum traço africano. Cara, se pensarmos bem, não havia nada em Isaura que a
denunciasse como escrava.
Outra escolha do autor foi se deter muito pouco aos
sofrimentos provocados nos negros durante o regime escravocrata. Volta e meia aparecem no
enredo algumas frases abolicionistas, mas de pouca significância. A história
tenta camuflar tudo isso com muito drama, perseguições e romances proibidos
entre os seus personagens.
Desta maneira, não posso concordar com as pessoas
que comparam “A Escrava Isaura” com “A Cabana do Pai Tomás” de Harriet Beecher
Stowe, escrito em 1851 - 24 anos antes da obra de Guimarães – quando a
escravidão ainda imperava nos Estados Unidos com o contrabando de escravos
apoiado por muitos senhores do Norte. Foi nesta época que o livro de Harriet
Stone caiu como uma bomba mandando para os ares toda e qualquer pretensão a
favor da escravidão.
“A Cabana do Pai Tomás” teve um papel relevante na
libertação dos escravos nos Estados Unidos, acordando as consciências dos americanos
para a iniquidade da escravatura. A obra é um relato nu e cru das mazelas
enfrentadas pelos negros, vítimas do regime escravocrata americano. Um
verdadeiro libelo contra a escravatura.
Já, “A Escrava Isaura” pisa em ovos. A impressão que
tive é que o autor não queria provocar a fúria de seus leitores mais
conservadores do século XIX por isso
acabou optando por apenas cutucar o regime e não dar a estocada fatal. Acredito
que Guimarães escreveu um livro com o objetivo de atingir o publico alvo daquela
época (1875) formado por mulheres e moçoilas da sociedade que raramente saíam
de suas casas desacompanhadas e por isso tinham, somente, como diversão ficar
cosendo ou lendo histórias de amor.
O livro é ruim por não ser tão crítico e ácido
quanto a “Cabana do Pai Tomás”? Jamais. “A Escrava Isaura” é um romance muito bem escrito e com diálogos
maravilhosamente construídos e que deu ao seu autor a fama merecida.
O meu conselho é que não leiam a obra como
instrumento anti-escravagista, mas simplesmente como um romance muito bem
escrito. Se olharem por essa ótica, irão apreciá-lo muito. Praticamente, irão
devorá-lo como eu devorei.
O enredo, que se passa durante os primeiros anos do
reinado de D. Pedro II, em resumo, conta a história de Isaura, escrava branca,
bonita, bem vestida e educada que é assediada por Leôncio, seu cruel senhor,
recém casado com Malvina. Como Isaura se recusa a ceder aos apelos de Leôncio,
ele a manda para a senzala trabalhar com outras escravas. Vale lembrar que a
mãe de Isaura também sofreu na pele toda a tirania da família de Leôncio, para
ser mais exato, de seu pai que por não conseguir conquistar, a força, o seu
amor acabou por submetê-la a um tratamento tão cruel que matou a pobre mulher.
Boa leitura, mas sem olhares críticos.
Inté!
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