A Passagem

09 novembro 2013


Tudo em excesso faz mal ou como costuma dizer o Kid Tourão: “Até muita água mata, nem que seja para morrer afogado”.  Esta máxima também se encaixa na literatura, mais especificamente ao escritor que pretende escrever uma obra. Há autores que exageram nas descrições em seus romances; mas exageram, de fato. Enche o saco do mais paciente dos leitores. E na realidade, quem mergulha no mundo mágico da leitura quer se envolver na trama dos personagens, amar, sofrer e lutar com eles. Não importa o gênero: romance, ação, terror, suspense e etc… No meu caso, quando a leitura começa a descambar para a descrição de lugares, paisagens ou então a exploração da genealogia dos principais personagens, desde o “tataravô do seu tataravô”, a leitura mela. E quando mela é difícil recuperar o fio. Nestas horas costumo dizer que dei uma ‘brochada literária’.
Acredito que as tão malfadadas descrições foram o maior defeito de “A Passagem”, de Justin Cronin; livro que foi tratado na época de seu lançamento como o pop-star da hora e que por algum fenômeno que só contexto editorial explica,  vendeu horrores dos horrores aqui, na terrinha, e também nos states. Como isso ocorreu? Não me pergunte. O livro vendeu tanto que até ganhou uma sequência chamada “Os Doze”.
Comprei “A Passagem” estimulado pelos comentários de leitores e resenhas favoráveis de blogs. Não pensei duas vezes, fiz uma compra relâmpago e comecei a ler. “Preciso encarar essa história com urgência, deve ser espetacular!”. Exclamei. O meu estado de ânimo tinha uma explicação, pois havia acabado de ler a “Trilogia da Escuridão” do Guillermo Del Toro e Chuck Hogan, uma outra obra ‘vampiresca’ que havia adorado. Então, aproveitei o trem e continuei no vagão. Resultado: arrependimento total. Posso dizer escrever com certeza que “A Passagem” foi o livro que mais consumiu o meu tempo de leitor. Talvez uns três meses. Cara, não tinha jeito, a leitura não fluía... travava toda hora. Culpa do maldito festival de descrições.
O romance de Cronin é dividido em duas partes: uma antes do caos e a outra depois da invasão do mundo pelos vampiros ou virais. A diferença de tempo entre os dois períodos é de aproximadamente 100 anos. Na primeira parte da história, conhecemos o trabalho de um grupo de cientistas liderados pelo Dr. Jonas Lear que testa – com fins beneméritos (aliás toda encrenca começa assim, não é?) – um vírus com o poder de livrar a humanidade de muitas doenças incuráveis, aumentando a expectativa de vida das pessoas. Bem galera, tudo seria uma festa se o Exército dos Estados Unidos não metesse o bedelho, passando a financiar toda a pesquisa. E os milicos não entram nessa com a nobre intenção de curar doenças, ajudando os pobres e moribundos. Na realidade, o verdadeiro objetivo dos militares é usar esse vírus para fins bélicos, criando uma raça de super-seres à serviço do Tio Sam, mas a experiência acaba fugindo do controle. As cobaias utilizadas nos experimentos – prisioneiros a caminho do corredor da morte – conseguem escapar do laboratório e iniciaram uma terrível carnificina, alimentando-se de qualquer ser com sangue nas veias e espalhando por todo o continente o vírus inoculado nelas.
Resultado da lambança: um em cada 10 habitantes pode ter sido infectado. Os outros nove se tornaram presas desses virais, criaturas animalescas extremamente ágeis e fortes – com as mesmas características dos vampiros -  cujos únicos pontos fracos parecem ser a hipersensibilidade à luz e uma pequena área frágil próxima ao esterno.
Já na segunda parte do livro, damos esse ‘pulo’ de um século na história e vamos parar numa fortificação – conhecida por Colônia - construída nas montanhas, cercada de muralhas de concreto e holofotes superpotentes, onde uma comunidade tenta sobreviver aos constantes ataques noturnos dos virais que dominaram os quatro cantos do planeta. Mas a precária estrutura que protege essa comunidade está com os dias contados: as baterias que alimentam as luzes começam a falhar e uma invasão dos virais é iminente.
Não se sabe o que aconteceu ao resto do mundo: a comunicação foi cortada, não há governo e o Exército nunca cumpriu a promessa de voltar. Provavelmente estão todos mortos. Mas a chegada de uma misteriosa andarilha traz novas expectativas: ao que tudo indica, ela tem as mesmas habilidades dos virais, mas não sua necessidade de sangue. Agarrando-se a essa esperança, um grupo parte da Colônia para buscar mais sobreviventes – e a verdade fora dos muros.
Taí. Em resumo, essa é a essência do contexto de “A Passagem”. Daria uma boa ótima história não é mesmo? Que fique bem claro, daria... se não fossem as ‘maledetas’ das descrições, além do corte abrupto na passagem temporal entre os dois períodos da história, sem contar  um toque de  X-Men no final!
O que vocês acham disso: “Peter jogava paciência com um baralho em que faltavam três cartas e folheava livros que havia encontrado numa caixa no depósito. Um conjunto de títulos variados: A Fantástica Fábrica de Chocolate, História do Império Otomano, O forasteiro, de Zne Grey, clássicos do Velho Oeste” e vai e vai e vai.... Pêra aí que tem mais: “Na contracapa de cada livro havia um bolso de papelão, impresso com as palavras Propriedade da Biblioteca Pública de Riverside County e, dentro dele, um cartão com listas de datas....” Arghhhhh!!! Vou parar por aqui. Isto é apenas um pequeno exemplo do exagero de descrições na obra. E é assim com lugares e personagens.
O maior problema dessas descrições é que elas quebram o ritmo da leitura. Quando o suspense, clima amoroso ou o ‘pega prá capá’ está no auge da história... pimba! O clima é quebrado com as tais descrições. Esta sequência fragmentada foi a principal causa da minha leitura arrastada da obra.
Outro ‘lance’ que achei estranho foi o corte seco na passagem da primeira para a segunda parte da história. O agente do FBI, Wolgast que é o responsável pelo recrutamento das cobaias para a experiência financiada pelo exército americano, é um sujeito hiper carismático que poderia ser melhor explorado, bem como os seus fantasmas pessoais. O drama da sua separação; a dor de ver a sua ex-mulher – pela qual ainda carrega um caminhão de tomates – convivendo com outro homem, que por sua vez, o humilha toda vez que ele liga para a ex no meio da noite; a perda de sua filha pequena e que por sinal acabou sendo a causa de sua separação. Todos esses dramas pessoais foram podados com o fim da primeira parte da história. Quando acontece a fuga dos virais, simplesmente, esse relacionamento mal resolvido de Wolgast é esquecido e enterrado e assim, passamos a acompanhar apenas a sua saga ao lado da pequena Amy (a garota que foi infectada pelo vírus, mas estranhamente não se tornou uma viral sedenta de sangue). Saga, que por sinal, dura pouquíssimo tempo. De repente, já acontece o corte para a comunidade da Colônia, 100 anos adiante no enredo. Putz! Fiquei fulo da vida. “O que aconteceu com Wolgast?”, “Cadê a sua esposa e como ela foi contaminada?” e o relacionamento entre os dois? Caraca! Poderia ter sido resolvido antes da podada. Então, repentinamente já nos vemos na Colônia, convivendo com outros personagens, em um outro tempo.
Com relação ao “toque X-Men”, quase perto do final da história, Cronin decide transformar uma personagem importante numa viral do bem, capaz de dar saltos gigantescos, triturar qualquer um que cruze o seu caminho e pasmem... voar!!!. Caramba! Cronin, menos né?!
Com certeza, muitos leitores estarão discordando da minha análise, mas afinal vivemos num mundo democrático, onde a liberdade de idéias deve ser respeitada. E no meu caso, as expectativas com relação ao livro de Cronin foram frustradas.

2 comentários

  1. Respostas
    1. Sei não, Marcelo...
      Acho que será uma das poucas sagas que não darei sequencia na leitura.
      Abcs!

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