Tudo em excesso faz mal ou como costuma
dizer o Kid Tourão: “Até muita água mata, nem que seja para morrer afogado”. Esta máxima também se encaixa na literatura,
mais especificamente ao escritor que pretende escrever uma obra. Há autores que
exageram nas descrições em seus romances; mas exageram, de fato. Enche o saco do
mais paciente dos leitores. E na realidade, quem mergulha no mundo mágico da
leitura quer se envolver na trama dos personagens, amar, sofrer e lutar com
eles. Não importa o gênero: romance, ação, terror, suspense e etc… No meu caso,
quando a leitura começa a descambar para a descrição de lugares, paisagens ou
então a exploração da genealogia dos principais personagens, desde o “tataravô
do seu tataravô”, a leitura mela. E quando mela é difícil recuperar o fio. Nestas
horas costumo dizer que dei uma ‘brochada literária’.
Acredito que as tão malfadadas descrições foram o
maior defeito de “A Passagem”, de Justin Cronin; livro que foi tratado na época
de seu lançamento como o pop-star da hora e que por algum fenômeno que só
contexto editorial explica, vendeu
horrores dos horrores aqui, na terrinha, e também nos states. Como isso
ocorreu? Não me pergunte. O livro vendeu tanto que até ganhou uma sequência
chamada “Os Doze”.
Comprei “A Passagem” estimulado pelos comentários de
leitores e resenhas favoráveis de blogs. Não pensei duas vezes, fiz uma compra
relâmpago e comecei a ler. “Preciso encarar essa história com urgência, deve
ser espetacular!”. Exclamei. O meu estado de ânimo tinha uma explicação, pois
havia acabado de ler a “Trilogia da Escuridão” do Guillermo Del Toro e Chuck
Hogan, uma outra obra ‘vampiresca’ que havia adorado. Então, aproveitei o trem
e continuei no vagão. Resultado: arrependimento total. Posso dizer escrever
com certeza que “A Passagem” foi o livro que mais consumiu o meu tempo de
leitor. Talvez uns três meses. Cara, não tinha jeito, a leitura não fluía...
travava toda hora. Culpa do maldito festival de descrições.
O romance de Cronin é dividido em duas partes: uma
antes do caos e a outra depois da invasão do mundo pelos vampiros ou virais. A
diferença de tempo entre os dois períodos é de aproximadamente 100 anos. Na primeira parte da história, conhecemos
o trabalho de um grupo de cientistas liderados pelo Dr. Jonas Lear que testa –
com fins beneméritos (aliás toda encrenca começa assim, não é?) – um vírus com
o poder de livrar a humanidade de muitas doenças incuráveis, aumentando a
expectativa de vida das pessoas. Bem galera, tudo seria uma festa se o Exército
dos Estados Unidos não metesse o bedelho, passando a financiar toda a pesquisa.
E os milicos não entram nessa com a nobre intenção de curar doenças, ajudando os
pobres e moribundos. Na realidade, o verdadeiro objetivo dos militares é usar esse
vírus para fins bélicos, criando uma raça de super-seres à serviço do Tio Sam,
mas a experiência acaba fugindo do controle. As cobaias utilizadas nos
experimentos – prisioneiros a caminho do corredor da morte – conseguem escapar do
laboratório e iniciaram uma terrível carnificina, alimentando-se de qualquer
ser com sangue nas veias e espalhando por todo o continente o vírus inoculado nelas.
Resultado da lambança: um em cada 10 habitantes pode ter sido infectado.
Os outros nove se tornaram presas desses virais, criaturas animalescas
extremamente ágeis e fortes – com as mesmas características dos vampiros - cujos únicos pontos fracos parecem ser a
hipersensibilidade à luz e uma pequena área frágil próxima ao esterno.
Já na segunda parte do livro, damos esse ‘pulo’ de um século na história
e vamos parar numa fortificação – conhecida por Colônia
- construída nas montanhas, cercada de muralhas de concreto e holofotes
superpotentes, onde uma comunidade tenta sobreviver aos constantes ataques noturnos
dos virais que dominaram os quatro cantos do planeta. Mas a precária estrutura
que protege essa comunidade está com os dias contados: as baterias que
alimentam as luzes começam a falhar e uma invasão dos virais é iminente.
Não se sabe o que aconteceu ao resto do mundo: a
comunicação foi cortada, não há governo e o Exército nunca cumpriu a promessa
de voltar. Provavelmente estão todos mortos. Mas a chegada de uma misteriosa
andarilha traz novas expectativas: ao que tudo indica, ela tem as mesmas
habilidades dos virais, mas não sua necessidade de sangue. Agarrando-se a essa
esperança, um grupo parte da Colônia para buscar mais sobreviventes – e a
verdade fora dos muros.
Taí. Em resumo, essa é a essência do contexto de “A Passagem”. Daria uma
boa ótima história não é mesmo? Que fique bem claro, daria... se não fossem as ‘maledetas’
das descrições, além do corte abrupto na passagem temporal entre os dois
períodos da história, sem contar um toque
de X-Men no final!
O que vocês acham disso: “Peter jogava paciência com um baralho em que
faltavam três cartas e folheava livros que havia encontrado numa caixa no
depósito. Um conjunto de títulos variados: A Fantástica Fábrica de Chocolate,
História do Império Otomano, O forasteiro, de Zne Grey, clássicos do Velho
Oeste” e vai e vai e vai.... Pêra aí que tem mais: “Na contracapa de cada livro
havia um bolso de papelão, impresso com as palavras Propriedade da Biblioteca
Pública de Riverside County e, dentro dele, um cartão com listas de datas....”
Arghhhhh!!! Vou parar por aqui. Isto é apenas um pequeno exemplo do exagero de
descrições na obra. E é assim com lugares e personagens.
O maior problema dessas descrições é que elas quebram o ritmo da
leitura. Quando o suspense, clima amoroso ou o ‘pega prá capá’ está no auge da
história... pimba! O clima é quebrado com as tais descrições. Esta sequência
fragmentada foi a principal causa da minha leitura arrastada da obra.
Outro ‘lance’ que achei estranho foi o corte seco na passagem da
primeira para a segunda parte da história. O agente do FBI, Wolgast que é o
responsável pelo recrutamento das cobaias para a experiência financiada pelo
exército americano, é um sujeito hiper carismático que poderia ser melhor explorado,
bem como os seus fantasmas pessoais. O drama da sua separação; a dor de ver a
sua ex-mulher – pela qual ainda carrega um caminhão de tomates – convivendo com
outro homem, que por sua vez, o humilha toda vez que ele liga para a ex no meio
da noite; a perda de sua filha pequena e que por sinal acabou sendo a causa de
sua separação. Todos esses dramas pessoais foram podados com o fim da primeira
parte da história. Quando acontece a fuga dos virais, simplesmente, esse
relacionamento mal resolvido de Wolgast é esquecido e enterrado e assim, passamos
a acompanhar apenas a sua saga ao lado da pequena Amy (a garota que foi
infectada pelo vírus, mas estranhamente não se tornou uma viral sedenta de
sangue). Saga, que por sinal, dura pouquíssimo tempo. De repente, já acontece o
corte para a comunidade da Colônia, 100 anos adiante no enredo. Putz! Fiquei
fulo da vida. “O que aconteceu com Wolgast?”, “Cadê a sua esposa e como ela foi
contaminada?” e o relacionamento entre os dois? Caraca! Poderia ter sido
resolvido antes da podada. Então, repentinamente já nos vemos na Colônia,
convivendo com outros personagens, em um outro tempo.
Com relação ao “toque X-Men”, quase perto do final da história, Cronin
decide transformar uma personagem importante numa viral do bem, capaz de dar
saltos gigantescos, triturar qualquer um que cruze o seu caminho e pasmem...
voar!!!. Caramba! Cronin, menos né?!
Com certeza, muitos leitores estarão discordando da minha análise, mas
afinal vivemos num mundo democrático, onde a liberdade de idéias deve ser
respeitada. E no meu caso, as expectativas com relação ao livro de Cronin foram
frustradas.
2 comentários
Leia os Doze, afinal é uma trilogia...
ResponderExcluirSei não, Marcelo...
ExcluirAcho que será uma das poucas sagas que não darei sequencia na leitura.
Abcs!