Além da Carne: Contos Insanos

17 novembro 2013


Cara, acabei de ler a coletânea de contos do livro “Além da Carne” do César Bravo e estou rolando de rir. Rolando não; estou me borrando de gargalhar, cacarejar, zurrar e muitas outras coisas. E tudo isso por culpa do conto “A expressão da desgraça”. Man! Man! Man! Adorei a história! Incrivelmente fantástica. Não poderia deixar de iniciar o post fazendo esse registro. Que contaço!
Somente para situar os leitores, “Além da Carne – Contos Insanos” é mais um livro de histórias curtas de terror do escritor brasileiro e taubatense, César Bravo. Ao contrário de “Calafrios da Noite”, este outro livro do Bravo pode ser classificado com gore, ou seja, terrorzão pesado da moléstia. Daqueles que para encarar é preciso ter muito peito por causa do enredo pesado e sanguinolento. E aqui vale um esclarecimento para aquelas pessoas que por falta de conhecimento malham esse tipo de literatura, chegando a confundir gore com má qualidade. Nada a ver. Na realidade, este termo é utilizado para definir livros e filmes onde a escatologia é descarregada em abundância com órgãos expostos, sangue, mutações bizarras e por aí afora. Um gênero que se bem explorado passa a ser respeitado e até mesmo cultuado. Foi assim que aconteceu com os filmes Evil Dead que no Brasil foi lançado com o nome de “Uma Noite Aluciante”; “Hellraiser”, “Enigma do Outro Mundo” e “A Volta dos Mortos Vivos”. Quanto aos livros, bem... antes de criticar o estilo gore, seria bom você pesquisar um pouquinho sobre a vida de Howard Phillips Lovecraft ou simplesmente Lovecraft. O cara que ficou conhecido como o pai do gore influenciou diretamente grandes mestres da literatura de terror contemporâneo, entre eles a fera Stephen King.
Achei importante fazer esse esclarecimento porque muitas pessoas insistem em criticar injustamente esse gênero de literatura, taxando-o do mais puro mau gosto. Não ser fã do gênero é um direito de qualquer leitor, mas taxá-lo de porcaria ou lixo, já é uma grande injustiça.
“Além da Carne – Contos Insanos” com as suas seis histórias é a essência do gore. As histórias não só assustam como também incomodam. E o que é ficar incomodado nesse caso? Simples. É se lembrar de determinada cena 10, 20, 30 ou 40 anos depois. Foi assim com aquela tomada de câmera horripilante do filme “O Anticristo”, quando uma mulher possuída pelo demônio, toda encarquilhada e presa numa cadeira de rodas, conseguiu destravar as rodas do seu meio de locomoção e seguir sorrateiramente e traiçoeiramente atrás de um padre que fazia o exorcismo. Quando ele olha para trás dá de cara com aquele ser demoníaco. Arghhhh!! Quero me esquecer disso ou melhor... tentar esquecer, mas não consigo. Os contos de “Além da Carne” incomodam dessa maneira.  
Mas pêra aí mêo! Tem alguma coisa errada nesse angu! Você que lê esse post, deve estar qauestionando: “Pô! Logo no início do texto, o cara diz que nunca riu tanto em sua vida após ter lido um conto de “Além da Carne”, mas agora, ele diz que o livro é tão assustador que chega a incomodar?!!
Pois é galera, mas é aí que entra o dedo do autor. Escrever uma obra gore não significa despejar no papel apenas sangue, orgãos expostos, dor e violência. Se fosse assim, não haveria ser humano normal na face da terra que conseguiria ler tal livro. Nem mesmo o Freddy Krueger ou o Jason Voorhees  nos seus melhores dias de cristão. Em tudo que fazemos ou executamos, há a necessidade de manter o equilíbrio. Porque “Uma Noite Alucinante” se tornou uma produção Cult da sétima arte? Simples: Sam Raimi juntou escatologia – das ‘brabas’ – e humor e depois jogou num liquidificador, misturando tudo! Resultado: o bolo perfeito. Os próprios contos de Lovecraft, por mais pesados que sejam, sempre tem uma pontinha de humor negro.
Acredito que Bravo foi esperto o suficiente para pescar o “tal lance”
e com isso escreveu na medida um livro que assusta, incomoda, mas também diverte. Uma obra gore com todas as letras maiúsculas. Captcha? Pois é, por isso, ri muito em alguns trechos da obra, mas também fiquei incomodado com outras passagens.
E como vocês já devem ter pescado, o conto que mais me agradou foi “A Expressão da Desgraça”, o penúltimo do livro. A história gira em torno de um quadro maldito pintado por um cigano no ano de ‘mil e oitocentos e lá vai fumaça’. A obra é tão demoníaca que por mais de dois séculos ficou com a sua tela coberta para que ninguém a visse. Reza a lenda que o curioso que decidisse descobrir a tela para ver o que o tal cigano havia pintado, sofreria conseqüências terríveis em sua vida; não só ele, como também os seus familiares. Aliás, foi isso que aconteceu com uma mulher que após ver o quadro ficou com a sua vida completamente desgraçada.
Ocorre que na mesma cidade onde se encontra o quadro maldito, há também um grupo de garotos que só vive aprontando. Cara! Como esses meninos me fizeram lembrar da minha infância! Eles vivem lançando desafios uns  para os outros e aqueles que deixarem de cumpri-los, são obrigados  a deixar a tchurma. Exclusão das brabas. O que não deixa de ser um baita castigo.
Prestem atenção no trecho em que um dos pestinhas recebe como missão: roubar a calcinha da menina mais gostosa da cidade. H-i-l-á-r-i-o. Rolei de rir! Para cumprir o desafio é montado uma verdadeira ‘operação de guerra’ para que o pobre coitado possa invadir a casa da garota sem que a sua mãe e o ‘Zarabatana’ percebam. ‘Zarabatana’ é o nome do cão de guarda da propriedade. O momento em que o garoto entra no banheiro e começa  fuçar no cesto de roupas sujas à procura do souvenir, mas acaba encontrando outra coisa bem diferente, é deliciosamente engraçada. Outro trecho hilário é o plano para prender o terrível Zarabatana no canil. My God!! Ri muito.
Acho que o Bravo escreveu esses trechos cômicos no conto para preparar o coração dos leitores para o que viria depois. Tensão, medo e tragédia no melhor estilo gore. O momento em que um dos garotos juntamente com o seu amigo inseparável é desafiado a invadir a casa onde está o quadro é arrepiante. A sua missão é bater uma foto do quadro, coberto, é claro. Acontece que a curiosidade fala mais alto. Entonce...
O final do conto lembra muito “A Coisa” de Stephen King, quando um dos personagens já adulto, decide voltar para a pequena cidade onde nasceu para evitar que o quadro amaldiçoado faça uma nova vítima. Creio que esse conto daria uma sequência ‘da hora’.
Quanto aos outros contos, também são muito bons e assustadores. “A Cor da Tinta” que abre o livro é ‘trucão’. O leitor tem que ter nervos de aço e estômago de titânio para concluir a leitura. Um casal de ciganos decide evocar o “coisa ruim” e trazê-lo, em pessoa, para a nossa dimensão através de um portal. A intenção do cigano é subjugar o próprio pai da mentira e torná-lo um escravo seu. Para isso, decide trapacear ou pelo menos tentar. Conto pesadão ao extremo com trechos escatológicos em abundância. O final é surpreendente.
Na sequência, Bravo brinda os seus leitores com outro enredo que tem por base maldições ciganas. E como já disse na Fan Page do Livros e Opinião, histórias que envolvem maldições ciganas não é para serem lidas por leitores fracos. O sujeito que decidir encarar a história tem que ser ‘hombre’ até a última gota. Por falar nisso, será que você que não tremeu nem um pouquinho ao ler “A Maldição do Cigano” de Stephen King ou então ao assistir “Arraste-me para o inferno”, de Sam, Raimi? “Pagamento Cigano” é o conto mais comprido de “Além da Carne”, ocupando boa parte do livro. Nele, um técnico de informática pobretão que só tem clientes miseráveis, além de uma esposa mais ‘feia do que a morte’ e um menino de 10 anos com limitações mentais, vê a sua vida mudar após atender uma velha cigana que está com problemas em seu velho computador. O cara, então, decide dar o golpe e superfaturar o seu serviço, cobrando um valor bem acima do normal. Como a cigana não tem dinheiro suficiente, ela decide pagar de uma outra forma, propondo algo irrecusável para o ganancioso técnico de informática. Algo que no início muda a sua vida para melhor, levando-o ao paraíso, mas depois...
Em “O Melhor do Contrato”, Lucrécia, uma garçonete sem sorte, presencia em seu emprego noturno a conversa de três homens misteriosos de terno caro e sorriso fácil. Mas a empresa que representam não vende ou negocia nada que ela já tenha visto. Quando um dos homens descobre que Lucrécia está agachada atrás do balcão ouvindo a conversa, decide lhe oferecer um contrato do tipo: ou aceita ou...
Arma carregada, bullying e chacina. A impressão que tenho é que Bravo bebeu – mesmo que à distância – na fonte de “Fúria” (Rage) de King, mesmo que este não aborde o tema bullying. No conto “A Fera”, Sérginho é hostilizado ao extremo - na escola onde estuda - por um grupo de garotos metidos a valentões. Um deles o obriga a fazer coisas impensáveis e que humilharia um animal. O sofrimento prossegue até que Serginho decide pegar a sua “fera” e dar o troco, despachando balas para todos os lados. Final surpresa.
Bem, com relação “A Expressão da Desgraça”, já dei a minha opinião. Sobrou “Justa Causa”, o conto mais curto do livro, que tem uma relação direta com “O Melhor do Contrato” e “A Fera”, mostrando o monólogo de um dos três trabalhadores misteriosos de terno e gravata que grampearam a Lucrécia.
Só quero dar um toque para o autor que fique atento com relação a falta de algumas vírgulas, acentos e palavras comidas. Nada que comprometa o texto. Sei o quanto é difícil esquentar os neurônios para escrever uma matéria ou um post e depois, ainda por cima, revisá-lo. Sempre acaba escapando algum errinho ou errão (rs). Isto já não acontece nas grandes editoras que tem um batalhão de revisores para ficar concertando os erros dos grandes autores e que cá entre nós, devem ser muitos.
E por falar em grandes editoras, torço para que o Bravo publique o seu primeiro livro numa delas (até agora ele só lançou versões digitais de suas obras), pois talento para isso ele tem.  Falta apenas ser descoberto.
Fui!

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