Há momentos que marcam a nossa vida de uma tal maneira que
não conseguimos nos livrar dele de jeito nenhum. A lembrança desse algo a mais que
um dia rolou em nossa infância, adolescência ou pré adolescência passa a nos
perseguir como um fantasma. Está bem, vou ser menos tétrico: passa a nos
perseguir como um perfume poderoso. Do tipo... deixe-me ver... Toque de Amor da
Avon ou um óleozinho marrom escuro que no momento em que abríamos o vidro, tudo
em nossa volta virava um verdadeiro pandemônio, com todo mundo correndo atrás
de abrigo; se não me engano, o nome da fragância era Patchouli. Ah! Tem ainda o
Sherazade da Chrystian Grey, um verdadeiro “ rasga mortalha”. Ihh, “pode pará”!
Acho que acabei me empolgando com essas fragâncias ‘deliciosas’ (rs).
Mas vamos retomar o assunto. Pois bem, uma lembrança que
grudou em mim como se fosse um desses perfumes terribiles, foi a capa de uma
das revistas da série Kripta publicada na década de 70. A capa trazia um Papai
Noel com cara de louco segurando um machado todo ensangüentado, enquanto saía da
chaminé da lareira de uma casa. Em segundo plano, víamos o corpo de uma mulher,
aparentemente, morta estirado no chão da sala. Cara, pode acreditar! Foi a
partir dessa foto que fiquei com ojeriza de Papais Noel. Inclusive, lembro de
um vexame danado que causei, quando ainda era um pré-adolescente e dei um uivo
de medo – quando digo uivo é uivo, de fato, e não grito – no momento em que um
Papai Noel baixo e meio ‘cacunda’ de uma loja de brinquedo, acho que a Tilibra,
bateu em minhas costas e perguntou se eu queria um pirulito. Quando me virei e
deparei com aquela figura dantesca – para não falar grotesca - de dentes
amarelados, olhar estranho, nariz adunco, orelhas pequenas e ainda por cima
cacunda, só me restou escancarar a minha boca cheia de dentes e soltar a
garganta:
UUUUUUUUUUiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii!!! Paguei um hiper mico quando meu
amigos presenciaram a cena e caíram na gargalhada. Fazer o que né? Só fui
perder o trauma de Papai-Noel algum tempo depois.
Tudo bem, que alguns de vocês que estejam lendo esse post
considerem a minha amada e saudosa mãe um pouco relapsa em termos de, digamos,
‘controle literário’ nos meus 10, 12 ou 15 anos. Respeito a opinião daqueles
que pensam dessa maneira, mas não concordo. Sou grato por ela não ter
estabelecido um controle do tipo censura: - “olha, você está proibido de ler
isso ou aquilo se não vai apanhar”. Ela nunca agiu dessa forma, com exceção é
claro daquelas revistinhas de sacanagens das brabas. Se ela me visse com uma
dessas, o caldo engrossava. E toma palmadas e mais palmadas. No mais,
independência total! Iahuuu! Cara, o que eu via pela frente ia devorando e
devorando. Era um verdadeiro ‘comedor de livros’. Graças a essa liberdade
literária, não encontrei dificuldades no exercício de minha profissão que, hoje
é o meu ganha pão. Quanto aos pequenos traumas de Papais-Noel... eles passam
(rsss).
Foi numa dessas comilanças literárias que me deparei com
aquelas famosas revistinhas de terror com capas de arrepiar – no sentido literal
da palavra – e com textos simples ou até mesmo simplórios, mas que me prendiam
como uma teia de aranha. Acredito que foi por causa de Kripta, Calafrio,
Histórias Fantásticas e Sexta-feira 13 que passei a ganhar gosto por esse tipo
de gênero literário.
Ah, também não posso esquecer de três “monstruosidades”
publicadas pela Editora La Selva: O Terror Negro, Sobrenatural e Contos de
Terror. Putz! Que medo cara! Taí três revistinhas sinistras; tanto na capa
quanto nas histórias curtas e impressionantes. Me recordo que “roubava” essas
revistas publicadas pela La Selva do armário do meu irmão mais velho; o mesmo
que colecionava os livros de bolso da Brigitte Montfort. Tinha um esquema
infalível: esperava que ele saísse para as noitadas, ia até o seu armário,
pegava as revistinhas lia e depois devolvia, colocando-as no mesmo lugar.
Gozado, depois de tantos anos, acho que o meu irmão sempre soube que eu fazia
isso, mas nunca me falou nada. Talvez, por achar cômico eu bancar um
“metralhinha” de araque.
Nessas “furtadas noturnicas”, uma história que impressionou
muito trazia na capa um cara mortinho, caído no chão, enquanto a sua alma
abandonava o corpo. A fisionomia da alma penada era medonha e ao mesmo tempo
sofredora Brrrrr.
Se fosse eleger as três capas mais arrepiantes das revistas
de terror que marcaram a minha infância/adolescência, a lista seria essa: 1º
lugar: o Papai Noel assassino saindo da chaminé com um machado ensangüentado
nas mãos (Kripta), O sujeito estendido no chão com a sua alma abandonando o
corpo com uma expressão sinistra no rosto (O Terror Negro) e um duende
demoníaco meio acinzentado arrancando os olhos de uma mulher com a intenção
de... de... Ok, sei que vai soar meio trash, mas lá vai: ‘com a intenção de
devorá-los’ (Sobrenatural). Ecaaaaa....
Ainda faço questão de guardar essas revistas, à exemplo de
algumas outras da Brigitte Montfort, afinal de contas, elas fizeram parte de um
momento marcante de minha ‘vida literária’. OK, para os curiosos que estão afim
de saber os nomes dessas três histórias, anotem aí: “Feliz Natal”, “Tramas do
Mal” e “O Comedor de Olhos”.
Pois é pessoal, hoje, depois de tantos anos, bateu uma
saudade incrível da época em que lia e me borrava todo com os Calafrios da
vida; saudade que aumentou no exato momento em que abri o velho armário de meu
irmão, que hoje encontra-se em minha casa, e dei de cara com algumas das tais
publicações. Então resolvi escrever esse post como uma forma de desabafo, mas
um desabafo.... hummmm, como poderia dizer.... Sei lá, talvez um desabafo
bom ou um desabafo positivo. Queria
colocar prá fora esse sentimento gostoso, essa saudades especial que estou
sentindo de décadas atrás.
Mas como não quero fazer desse post apenas um canal de
desabafo; vou falar escrever também algumas curiosidades sobre as tais
revistinhas e suas editoras para que os quarentões ou cinqüentões como eu,
possam reviver esses áureos tempos das saudosas publicações de terror que
tiraram o sono de tanta gente.
A editora “La Selva”, empresa de imigrantes italianos, pode
ser considerada a pioneira do gênero – pelo menos no Brasil. Ela foi
responsável pela publicação das revistas “O Terror Negro”, “Frankenstein”,
“Contos de Terror”, “Sobrenatural”, “Histórias de Terror”, “Almanaque de
Terror” e “Pavor e Terror” que se tornaram uma verdadeira coqueluche em nosso
país. Fundada em 1940, funcionava no início como distribuidora de revista;
depois de alguns anos se transformaria em editora. Em 1950, ou seja, 10 anos
após a sua fundação, surgiria o seu maior sucesso: “O Terror Negro”, revista
considerada a desbravadora do gênero terror no Brasil. Ela entraria para a
história batendo o recorde de 200 números publicados, além de 18 anos de
circulação ininterrupta. “O Terror Negro” seria o passaporte de entrada para
outros títulos, também famosos, da La Selva como “Frankenstein” e “Sobrenatural”.
A editora pararia com as suas publicações em 1968, mas deixaria o caminho
preparado para outras editoras que passaram a acreditar e investir no gênero
terror.
Prova disso foi a Editora Bloch que em meados dos anos 70
esvaziou boa parte de seus cofres para comprar os direitos de publicação das
histórias de terror da Marvel Comics. Assim, Adolfo Bloch se tornaria o dono
das histórias de “O Motoqueiro Fantasma”, “A Tumba de Drácula”, “Lobisomem”, “A
Múmia Viva”, entre outras. A editora brasileira criaria um logotipo para
especificar a sua linha de revistas de terror. Surgiria assim o “Capitão
Mistério”. As revistinhas tinham em média 68 páginas, capas muito bem
trabalhadas e textos bem simples, mas amedrontadores. Vale lembrar que a Bloch
utilizava muito material das publicações da E.C Comics, mas também lançava histórias
de autores brasileiros que com o passar do tempo assumiram a linha de frente de
revistas como “Lobisomem” e “A Múmia Viva”.
Cara! Pelo que sei, as tais revistinhas de terror – de um
modo geral - foram consideradas uma verdadeira febre no Brasil na década de 70
e comecinho dos anos 80. Bem, pensando melhor, vamos esquecer os anos 80 porque
nesse período, as publicações do gênero já estavam perdendo o fôlego; mas
quanto aos anos 70, a ‘coisa’ bombou. Prá ser sincero, essa febre – que começou
no Brasil com a editora La Selva – teve o seu apogeu durante três décadas (50,
60 e 70) quando vendeu milhares e milhares de exemplares.
Durante esse período, além da La Selva e da Bloch, outras
editoras colaboraram para o sucesso desse tipo de literatura em nosso país. A
editora Vecchi com o seu “Spektro”; a RGE com a emblemática “Kripta” que chegou
a ter 60 edições; a Taika com “Histórias Satânicas e Drácula”; a D-Arte com “Calafrio”,
lançada já no início dos anos 80; a Noblet e a sua “Vampirella”; a Gráfica e
Editora Novo Mundo com as tenebrosas revistas “Noites de Terror” e por aí
afora.
Saudades, saudades e saudades desse tempo; esteja o
papai-Noel com machado ensangüentado nas mãos ou não...
Inté!
4 comentários
Gostei muito do teu blog. Fiquei horas lendo as resenhas e anotando os nomes dos livros para ler depois.
ResponderExcluirAn...Preciso de uma ajuda, talvez seja inconveniente pedir, mas é apenas um conselho. Preciso contar uma história de terror, para um projeto da faculdade. Uma matéria da faculdade que chama-se "contação de histórias" (entendeu agora porque eu tenho que contar a historia....kk), mas , enfim, o tempo proposto foi 'histórias de dar medo. Mas estou perdida em meio a tantos personagens que eu poderia contar... aah , esqueci de dizer, tem de ser caracterizado também no personagem, por isso a minha dúvida...
Então, algum conselho sobre qual história/conto/estória eu poderia contar?
Fico realmente agradecida se der algumas sugestões...
Obrigada desde já.
abraços.
Ola Change, como vai?
ExcluirSugiro vc centrar a sua escolha em livros de contos que, certamente, irão lhe oferecer uma grande miscelânea de histórias e personagens. Indico "Contos Fantásticos do Século XIX". Acredito que esse livro, cujas histórias foram selecionadas pelo Ítalo Calvino, irá lhe ajudar muito. É uma obra fácil de localizar....
Abcs e boa sorte em seu projeto...
Estava dando uma olhada em alguns posts antigos quando me deparei com este aqui. Cara, que demais! Um prato cheio para os colecionadores de quadrinhos, ainda mais para os que se interessam por quadrinhos antigos como eu.
ResponderExcluirApesar de não ter vivido a época, consigo perceber, pelas fantásticas capas, o que os leitores sentiam ao se depararem com as revistas nas bancas. Naquele tempo faziam quadrinhos mais originais e criativos, diferente de hoje, onde focam apenas em super-heróis que morrem e renascem dezenas de vezes.
Das "revistinhas" que você citou acho só faltou Mestres do Terror, outra sensacional.
Parabéns pelo post nostálgico e até a próxima!
Lembro que ainda criança ia até o 'armário secreto' de meu irmão é lia escondido essas revistinhas de terror. As histórias provocavam aquele calafrio 'gostoso'... De fato, nostálgicas! Quanto a "Mestres do Terror", muito bem lembrado por você. Elas fizeram sucesso no início dos anos 80.
ResponderExcluirGrde abraço!!