Clássicos da literatura ganham sequências pelas mãos de escritores desconhecidos – Parte I

25 junho 2011
Sempre fui da opinião que as coisas boas não devem ser melhoradas. Por quê melhorar algo que já é grandioso? E para quê? Seria o mesmo que querer tocar as estrelas do céu. Você nunca vai conseguir. Mas infelizmente no meio editorial nem todos pensam assim e tentam inutilmente atingir o inatingível. Tudo culpa do dinheiro, avareza, mesquinhez e sovinice de filhos, filhas, viúvas, netos e editores de escritores famosos que já partiram dessa para melhor.
A ânsia de faturar nas custas do morto é tão grande que eles chegam ao ponto de contratar escritores inexpressivos e que, muitas vezes, mal sabem compor um enredo adequado, para dar sequencia nas histórias de personagens míticos, sagrados e que já cumpriram o seu papel na literatura desfrutando agora de uma merecida aposentadoria.
Como explicar a atitude dos herdeiros de Ian Fleming, criador do mais famoso agente secreto do mundo, em concordar que autores sem nenhuma expressão escrevam novas histórias de James Bond? Como explicar a atitude da viúva de Sidney Sheldon em aceitar que uma jovem escritora, autora de apenas um livro – sem nenhuma expressão – levasse adiante a marca “Sheldon”, respeitada em todo o mundo?
E quanto aos parentes do grande Arthur Conan Doyle, que após 96 anos decidiram ressuscitar Sherlock Holmes, entregando a alma do lendário personagem para o autor do livro infanto-juvenil  “As Aventuras de Alex Rider”?
Tenho a convicção de que todas essas obras estariam melhores se continuassem inalteradas, do jeito que os seus criadores a deixaram. A impressão que fica, pelo menos para mim, é a de um intruso que resolveu se apossar de uma jóia de valor inestimável que não lhe pertence. Mas como no mundo capitalista em que vivemos, quem dita as regras – infelizmente – é o dinheiro, muitos herdeiros de escritores famosos acharam melhor faturar alguns dólares a mais, nem que para isso tivessem de banalizar as obras primas criadas por seus familiares.
Após ver o retorno às páginas de personagens carismáticos – alguns deles verdadeiras lendas – resolvi abrir esse post sobre o assunto. Juro que no início fiquei eufórico ao saber que esses heróis do passado haviam resolvido deixar a sua aposentadoria e voltar a dar as caras em romances escritos por novos autores. Mas depois que “li alguns poucos  retornos”, a decepção colocou um ponto final em todas as minhas expectativas. Fiquei com pena desses heróis e até mesmo dos vilões que, em décadas passadas, foram responsáveis por momentos mágicos em minha vida. Momentos que só a leitura de um livro escrito por um verdadeiro gênio seria capaz de proporcionar. Sinceramente deu muita pena desses retornos, sequencias, remakes ou o escambau à quatro. Tudo culpa de herdeiros e editores sedentos em ganhar cada vez mais dinheiro.
Desculpe o desabafo, mas é duro ver o assassinato de uma obra de arte literária por conta de uma sequencia mal feita.
Enumerei alguns retornos de personagens conhecidos e sequencias de histórias famosas escritas por outras mãos diferentes das originais. Li algumas e me decepcionei... e muito; por isso, sinceramente, estou com um baita medo de encarar as outras que ainda não li. Sei lá, a decepção pode ser muito grande. Então, vamos às obras...
Sindey Sheldon
“A Senhora do Jogo” é a sequência de “O Reverso da Medalha” do escritor Sidney Sheldon que chegou a considerar essa obra um dos maiores tesouros de sua autoria, se não o maior. É estranho, aliás muito estranho, que a viúva de Sheldon e uma de suas filhas, mesmo sabendo da importância dessa obra na vida do autor concordassem em entregar a responsabilidade de um novo capítulo da saga da família Blakwell para uma ilustre desconhecida.
Tilly Bagshawe foi escolhida para dar sequência ao legado de Sheldon, após enviar ao escritor, em 2005, um exemplar de seu primeiro romance “Adorada”. Sheldon respondeu com uma carta elogiosa e só. Dois anos depois, ele morreria aos 89 anos. Consta que nesse espaço de tempo, ou seja, de 2005 a 2007 não houve mais nenhum contato entre o veterano escritor e Bagshawe. Então, após a sua morte, Alexandra, a viúva do escritor teria decidido contratar a jovem para tocar o legado do marido. 
Tilly Bagshawe, a sucessora de Sheldon
Não sou escritor ou autor de romances, mas acho uma temeridade dar a uma jovem que escreveu apenas um livro, a responsabilidade de elaborar a continuação de um dos maiores sucessos literários de toda a carreira de Sidney Sheldon.
Li "A Senhora do Jogo" e não gostei.  “Muito sexo e pouco enredo” é assim que defino a continuidade de “O Reverso da Medalha”, um romance que encantou gerações. Uma pena...
Ian Fleming
O agente secreto à serviço de Sua Majestade que ficou imortalizado por Ian Fleming, foi mais forte do que os quatro açougueiros que o recriaram em novos romances. Eles tentaram de todas as formas arrebentá-lo em suas histórias mal escritas e enfadonhas, mas 007 apesar de alguns arranhões conseguiu sair com vida. E o responsável por essa sobrevivência foi Ian Fleming que conseguiu imortalizá-lo em seus 14 livros escritos durante toda a sua vida.
Para ser sincero, não escapou nem mesmo Sebastian Faulks, que não chega ser um açougueiro como os demais, mas também não acrescentou nada de extraordinário nas histórias de James Bond.  E olha que Faulks tinha a obrigação de “fazer bonito”, já que foi convidado para escrever a história que marcou os 100 anos do nascimento de Fleming. Apesar do escritor não trucidar 007, o livro “A Essência do Mal” não chega aos pés de nenhuma das 14 obras sobre o agente secreto escritas por Ian Fleming.
Sebastian Faulks e o livro "A Essencia do Mal"

Os herdeiros de  Fleming foram muito egoístas e só pensaram em faturar cada vez mais em cima do filão 007. Eles não pensaram duas vezes em entregar o destino do renomado agente secreto nas mãos de escritores nada competentes. O que importava era money e mais money. E como já disse, 007 só não caiu no esquecimento, em termos literários, porque o personagem original já havia se transformado num mito, graças à pena e ao tinteiro de seu pai Ian Fleming. Mas mesmo assim, saiu com alguns arranhões.
Kingsley Amis, Christopher Wood, John Gardner e Raymond Benson foram os quatro açougueiros autorizados pelos herdeiros a darem sequência ao reino de Bond, excetuando Sebastian Faulks que surgiria somente em 2008.
Vale lembrar que antes de a Fundação Ian Fleming ter contratado Faulks, há quase três anos, para escrever “A Essência do Mal”,o escritor ao serviço de James Bond era Raymond Benson, que, nomeadamente, assinou “Morre Noutro Dia”, uma edição das Publicações Europa-América. Ainda de Benson temos outros desastres: “O Mundo Não Chega”, “O Amanhã Nunca Morre”, “Os Factos da Morte” e “Nome de Código: Filhos do Apocalipse”. Quanto ao título “O Amanhã Nunca Morre” é uma novelização do filme do mesmo nome que passou nos cinemas em 1997 com Pierce Brosnan no papel do agente secreto.
Novelização do filme 007 Contra Goldeneye,
escrita por John Gardner
John Gardner é outro dos autores que arriscou dar continuidade nas aventuras de James Bond, também pela editora Europa-América. O pecado cometido por Gardner foi muito pior porque ele simplesmente optou por “pegar” a história que passava nos cinemas e chupá-la para as páginas de um livro, com algumas pequenas alterações. Nesta triste categoria posso citar: “Goldeneye”.
Tudo indica que o filão 007 continua rendendo muito dinheiro para os herdeiros de Ian Fleming, porque eles concordaram que um novo escritor entrasse também para a “família”. Trata-se de Jeffery Deaver que em breve estará lançando o seu livro “Carta Branca” que mostra um 007 inteiramente renovado, mais consciente e que pensa duas vezes antes de puxar o gatilho. A maior novidade, entretanto, é que Deaver decidiu retirar Bond dos anos 50 e inseri-lo em nossa realidade, enfrentando as dúvidas e os problemas desse milênio. Só peço à Deus, que Jeffery Deaver tenha mais competência do que os seus antecessores.
Arthur Conan Doyle
Por acaso, você que lê este post já teve algum contato com o personagem Alex Rider? Não, não. Não estou me referindo ao Alex Rider que passou discretamente nos cinemas, estou mencionando aquele dos livros. É importante fazer essa distinção porque o Alex do cinema que foi  baseado no Alex do livro se tornou um grande desastre. Já o personagem da obra literária sobreviveu e conseguiu até mesmo aglutinar uma grande legião de “fãs leitores”.
Eu tive oportunidade de ler “Alex Rider Contra Stombreaker” e confesso que não fiquei muito animado para continuar lendo os outros dois livros que foram lançados no Brasil: “Alex Rider Desvenda Point Blanc” e “Alex Rider Mergulha na Ilha do Esqueleto”. Por isso, torno a confessar, que tenho minhas dúvidas se Anthony Horowitz, o criador do super-espião juvenil, seria o escritor ideal para suceder Conan Doyle, uma verdadeira lenda da literatura mundial.

Detetive imortalizado por Conan Doyle

Mas pelo “andar da carruagem” os herdeiros de Conan Doyle devem ter adorado as aventuras de Alex Rider, já que escolheram Horowitz para escrever um romance longo sobre Sherlock Holmes que será publicado pela editora Orion no mês de setembro. Ainda não foram revelados detalhes do livro, nem sequer o título.
Um dado interessante é que Holmes e seu assistente, Dr. Watson, apesar de terem sido vistos em inúmeros filmes e peças de teatro, esta é a primeira vez que os herdeiros de Conan Doyle aprovam oficialmente uma nova história sobre o famoso detetive de Baker Street desde que o último romance foi publicado, em 1915. Tomara que  Anthony Horowitz não faça feio.
Antoine de Saint-Exupéry
“O Pequeno Príncipe” é reconhecido em todo o mundo como uma obra antológica porque marcou várias gerações. Vejam bem; eu escrevi “várias gerações” e não “uma geração”. Isto significa que mães, filhos, avós, netos, bisnetos e por aí afora leram o livro e se emocionaram, passando a indicá-los para outras pessoas através dos anos.
A história de um aviador que após uma pane em seu avião, é obrigado a aterrissar num deserto, encontrando por lá um garotinho de uma outra galáxia que resolveu conhecer o universo para tirar as suas conclusões sobre a humanidade, marcou época. O garotinho passa, então, a contar suas aventuras. O principezinho é de um planeta pequenino, aliás um asteróide. Por meio das estórias ele vai mostrando os diversos tipos de pessoas que conheceu em suas viagens e como se relacionou com esses “novos” amigos. Neste seu deslocamento pelo universo, o pequeno príncipe  conhece um ser que vive na solidão e acaba se apaixonando por ele; um outro que julga ser o mais perfeito dos seres do universo; além de outros, outros e outros, todos eles interessantes.

Capa do livro O Pequeno Príncipe

O escritor Antoine de Saint-Exupéry criou, com certeza, um dos livros mais influentes de todos os tempos. Muitos considerarem “O Pequeno Príncipe” uma obra simplória feita para pessoas de inteligência curta; mas na realidade, a cada página que lemos aprendemos uma lição de vida. Vou mais além, vejo como filosófica a obra de Antoine de Saint-Exupéry.
Agora, podem sentar porque a revelação que farei será muito dolorosa. Os herdeiros de Saint-Exupéry deram o aval para que um escritor argentino ultra-desconhecido, chamado Alejandro Guillermo Roemmers escrevesse a sequencia de “O Pequeno Príncipe”. O livro vai se chamar “O Retorno do Jovem Príncipe”. Caraca! Espera um pouquinho?! Sem querer menosprezar, você conhece ou já ouviu falar alguma vez de Alejandro Guillermo Roemmers? Eu tentei pesquisar em vários sites de busca e não encontrei nenhuma referência sobre o escritor, pelo menos, nas páginas em português.
A minha maior curiosidade é saber como os herdeiros de Antoine de Saint-Exupéry conheceram esse escritor. E mais. O que os levou a Guillermo Roemmers.
Os direitos de publicação de “O Retorno do Jovem Príncipe”  no Brasil foram comprados no início do ano pelo selo Fontanar, da Objetiva. A editora, contudo, vem guardando à sete chaves os detalhes sobre o livro que ainda não tem data definida de lançamento.
Mário Puzo
O escritor Mário Puzo, autor de “O Poderoso Chefão” teve uma idéia feliz e outra infeliz. A feliz: não aceitar em hipótese alguma escrever uma continuação de sua obra-prima. A infeliz: abrir mão de sua obra, tão logo morresse, dando permissão para que os seus familiares, se assim o desejassem, contratar alguém para escrever uma continuação. Cara! Até hoje estou tentando entender o que levou Puzo a dar um fora desses! “O Poderoso Chefão” é uma obra completa e que não merecia ser mexida nem mesmo por Mário Puzo, quanto menos por um estranho. Então, num triste dia, após a morte do escritor norte-americano, o seu editor Jonathan Karp, que vinha tentando convencê-lo há anos por uma continuação de “O Poderoso Chefão”, juntamente com Tony Puzo, filho mais velho do autor entraram em contato com alguns escritores, solicitando propostas.

Mark Minegardner

Tiveram a “brilhante” idéia de promover um tipo de concurso público para escritores novos e desconhecidos, visando escolher o melhor deles para dar sequência ao legado de Mário Puzo. E assim surgiu Mark Winegardner, que venceu o processo seletivo.
Meu amigo! Pode acreditar! O herdeiro Tony Puzo juntamente com o editor Jonathan Karp deram a continuação da obra prima “O Poderoso Chefão” nas mãos de um desconhecido que venceu um concurso do qual participaram outros escritores menos conhecidos ainda.
O resultado dessa lambança foi a publicação de “A Volta do Poderoso Chefão”, livro lançado em 2004. Winegardner lançaria ainda, dois anos depois, “A Vingança do Poderoso Chefão”.
No próximo post voltarei com a sequencia desse assunto. Você não imagina quantos outros clássicos famosos foram escritos por autores completamente desconhecidos. Culpa dos herdeiros do espólio do morto. Até já!

2 comentários

  1. Muito curiosa a postagem. Por mais que gostemos dos autores, acho que esse lance de dar sequência às usas obras é apenas uma ilusão de ótica. Sem falar que ás vezes ressuscitar personagens pode ser mexer num vespeiro. A Tilly escreveu a sequência de Se Houver Amanhã, e estou com medo do que ela fez com Tracy Whittney. Tem um post no meu blog sobre o livro,s e quiser conferir.

    http://porquelivronuncaenguica.blogspot.com.br/2014/07/chasing-tomorrow-tilly-bagshawea-traz.html

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  2. Neste caso, um dos poucos autores que acabou dando certo, foi Richard Preston. Após a morte de Michael Crichton, ele continuou escrevendo o enredo de "Micro" que se transformaria num grande sucesso de publico e crítica.

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