Quando soube que o escritor e jornalista Leandro Narloch
havia lançado mais um livro, sem pestanejar, sacrifiquei o meu horário de
almoço para escrever esse post. Galera, o cara merece mais do que isto. Ele
escreve demais. Cavuca demais. Desmascara demais. Quem leu os vários ‘Guias Politicamente
Incorretos’ lançados por ele, sabe do que estou falando. Narloch abandona a
praia segura dos historiadores e professores de História em geral para ir à
fundo na busca de informações inéditas sobre determinados fatos relacionados ao
nosso País.
Costumo comparar o seu trabalho ao lado submerso de
um iceberg que não conseguimos ver. No momento em que arriscamos a abandonar a
ponta da montanha de gelo para vermos o seu lado oculto, o susto é grande porque
a outra ponta – a submersa - é quase vinte vezes maior. As revelações feitas pelo
jornalista em seus livros são tão surpreendentes quanto esse lado camuflado de
um iceberg.
Depois dos Guias Politicamente Incorretos da
História do Brasil, da América Latina, do Mundo e da Economia Brasileira, eis
que o ‘inquieto’ jornalista e escritor decidiu escarafunchar na história da
escravidão brasileira que foi abolida oficialmente há quase 130 anos atrás.
O livro “Escravos: a vida e o cotidiano de 28
brasileiros esquecidos pela história”, novamente chega para estraçalhar
determinados paradigmas relacionados a esse período que é considerado uma
ferida na história do Brasil. Em sua obra, lançada há poucos dias, Narloch
manda para os ares aquela versão marxista da escravidão que aprendemos nas
escolas e que envolvia a luta entre opressor e oprimido. O autor mostra o
período da escravidão no Brasil de uma maneira que a maioria de nós jamais viu.
Um dos exemplos simbólicos da complexidade do regime
escravagista em nosso País, contidos em seu livro diz respeito a Joanna
Batista, uma mulher livre de Belém que se vendeu como escrava. Segundo
pesquisas realizadas por Narloch, ela se vendeu por 80 mil réis, sendo 40 mil
réis em jóias e à vista e 40 mil à prazo. Ela teria se comprometido a passar um
recibo de quitação de si própria quando o dono pagasse. Mas por que, Joanna
havia decidido se vender como escrava? Uma
resposta tradicional é que ela era tão pobre, estava tão miserável, que precisou
de alguma casa. De algum lugar que pelo menos tivesse abrigo, roupa e comida
para ela.
Mas de acordo com uma historiadora americana, citada
pelo autor, chegou-se a uma outra conclusão: anos atrás, naquela época, era
muito comum ter remoção de população. O governador falava: “Olha, essas pessoas
estão aí, esses vagabundos, sem fazer nada. Então vamos levá-los para o
trabalho forçado assalariado para alguma região de fronteira”. Esses
deslocamentos eram muito comuns na história. Como todo mundo preferia morar na
cidade do que na floresta, talvez a Joanna Batista tenha se vendido como
escrava para preservar sua liberdade diante do estado.
Leandro Narloch |
O autor explicita também que se os ‘patrões’ quisessem explorar ao máximo o trabalho de um escravo,
valia a pena não incitá-lo à revolta. Esta atitude evitaria que ele fugisse e o
seu dono não gastasse muito dinheiro
para capturá-lo depois. Por isso mesmo, pensando no próprio bolso, os senhores
tentavam não pegar muito pesado com os escravos. "A gente tem que pensar "escravo" como uma propriedade. A gente tem um carro. Você vai arregaçar o seu carro, colocar uma gasolina ruim, quebrar o seu carro na parede? Claro que não. Justamente por pensar em si próprio, você vai tentar cuidar de seu carro. Mas as pessoas não são 100% racionais. Conheço muita gente, por exemplo, que trata o próprio carro da pior forma possível. E isso também era muito comum na escravidão. Então, nós temos aí dois cenários. O senhor que castiga muitos escravos, e os escravos que em vingança retaliam, onde se forma uma tragédia dos comuns: os dois lados saem perdendo. E o contrário também: o senhor era um pouco generoso e isso causava uma lealdade no escravo", explica o autor.
Tudo bem que Narloch não seja um
historiador de formação, mas o livro está muito bem embasado em pesquisas
sérias e na obra dos principais nomes de nossa historiografia moderna, como
Katia de Queirós Mattoso, Sandra Lauderdale Graham, João José Reis, entre
outros.
Enfim, vale a pena ser lido para
quebrar, pelo menos um pouco, a visão estereotipada do que teria sido a
escravidão.
Inté!
Detalhes
Técnicos
Título:
Achados e Perdidos da História – Escravos
Subtítulo:
A Vida e o Cotidiano de 28 Brasileiros Esquecidos pela História.
Autor:
Leandro Narloch
Editora:
Estação Brasil
Edição:
1
Ano:
2017-11-27
Especificação
B rochura
Páginas:
208
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