O Bazar dos Sonhos Ruins

16 julho 2017
Logo na introdução do livro, Stephen King se apresenta como o dono de um bazar que vende histórias de terror bem peculiares como mercadorias. Porque peculiares? É que elas, às vezes, tem dentes e podem morder ferindo o leitor. E de que maneira um conto de terror pode ferir? Simples. Quando ele incomoda, impedindo o leitor de levantar da cama durante a noite para ir ao banheiro. O pavor, após ler algumas páginas, é tão grande que a ‘vítima’ chega a ter receio de colocar os pés no chão, temendo de ter alguém ou alguma coisa escondido debaixo da cama, pronto para dar o bote. Este é o tipo de história que tem dentes.
Mas em “O Bazar dos Sonhos Ruins”, faltam dentes para a maioria dos contos. Cara, não acredito que estou falando escrevendo isso, porque sou um fã extremado de King. Tenho quase todos os seus livros, além disso, um punhado de posts desse blog faz referencia ao autor, mesmo quando o assunto não tem nada à ver com Mr. King. É sério; eu o considero um mestre do gênero, mas ao escrever esse post prefiro optar pela sinceridade e deixar o meu ‘lado-fã’ um pouco esquecido.
Dos 20 contos que compõem o livro gostei da metade, mas dessa metade, eu dispenso três que não tem elementos de terror em suas tramas, pelo menos para mim. Portanto, apesar de bons, eles não mereciam fazer parte da coletânea. São eles: “Batman e Robin tem uma discussão”, “Herman Wouk ainda está vivo” e “Fogos de artifícios e bebedeiras”. Inclusive, me diverti muito com esse último. Dei boas risadas. A disputa entre duas famílias para saber quem é capaz de soltar os fogos de artifício mais poderosos durante os finais de ano é gostosamente hilária. Achei o máximo, mas... a história não tem dentes.
No outro extremo, encontra-se “Batman e Robin” tem uma discussão” que aborda o relacionamento de um filho com o seu pai que se encontra num asilo. No final, o velho que está com Alzheimer – vive trocando poucos momentos de lucidez com muitos momentos de esquecimento – acaba salvando a vida do filho de maneira inusitada. Emocionei-me muito com a história, mas... novamente faltam os dentes.
E finalmente, um outro conto  com muita qualidade, mas que não pode ser enquadrado no gênero terror é “Herman Wouk” ainda está vivo”. Nele, King relata a rotina de vida de um casal de poetas idosos que vive em harmonia e muito feliz, contrastando com duas amigas frustradas, com problemas na vida sentimental e também no trabalho. A vida dessas quatro pessoas se cruza de maneira trágica durante  uma viagem. Apesar da narrativa forte e tensa, principalmente no final do conto, faltou a palavrinha mágica chamada terror.
Eliminando esses três, sobraram sete contos muito bons que fazem jus ao gênero. Estes sim, com dentes. “Milha 81”, “Duna”, “Ur”, “Indisposta”, “Obituários”, “O Pequeno deus verde da agonia” e “Garotinho malvado”, de fato assustam, mas os dois últimos ‘arrebentam’ e lembram o King do  arrepiante “Tripulação de Esqueletos”, que eu considero o melhor livro de contos de terror  já escrito pelo autor.
O garotinho malvado do conto homônimo arrepia todos os cabelinhos do corpo. E olha, que eu disse todos os cabelinhos, até os mais secretos. O pestinha que usa um boné com uma hélice pode ser considerado a essência da própria maldade;  mas apesar do autor, durante toda a narrativa, não atribuir ao personagem características sobrenaturais, no final da história, o leitor fica na dúvida se ele é desse mundo ou não. Pelo menos, eu fiquei.
Outro conto que dá calafrios é “O pequeno deus verde da agonia”. Nele, nós temos a volta do velho King das histórias sobrenaturais – prefiro o King do sobrenatural ao o King do terror psicológico. Nesta história, uma enfermeira incrédula que cuida de um paciente que sofre dores atrozes por todo o corpo, após ter sofrido um grave acidente, muda as suas convicções depois de presenciar um estranho exorcismo praticado por um religioso que insiste em dizer que a dor é um demônio que está escondido no corpo do pobre homem. Caraca, esse conto me assustou e muito!
“Ur” – os fãs da série ‘A Torre Negra’ irão gostar -, “Milha 81”, “Duna”, “Indisposta” e “Obituários”, apesar de não assustarem tanto, também são bons. “Obituários” lembra muito aquelas histórias da antológica série de TV “Além da Imaginação”. Quanto a “Indisposta”, com a aproximação do final do conto, o queixo do leitor vai caindo aos poucos.
No tocante a “Premium Harmony”, “Uma morte”, “Igreja de ossos”, “Moralidade”, “Vida após a morte”, “Mister Delícia”,”Tommy”, “Aquele ônibus é do outro mundo”, “Trovão de Verão” e “Blockade Billy”, melhor esquecer. Este último, para aqueles que não gostam ou desconhecem completamente as regras do beisebol, decerto será um tormento.
Na minha opinião, acredito que será difícil surgir um livro de contos tão bom quanto “Tripulação de Esqueletos”. Este sim, tem dentes e também garras.

Inté!

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