Logo na introdução do livro, Stephen King se
apresenta como o dono de um bazar que vende histórias de terror bem peculiares como
mercadorias. Porque peculiares? É que elas, às vezes, tem dentes e podem morder
ferindo o leitor. E de que maneira um conto de terror pode ferir? Simples.
Quando ele incomoda, impedindo o leitor de levantar da cama durante a noite
para ir ao banheiro. O pavor, após ler algumas páginas, é tão grande que a ‘vítima’
chega a ter receio de colocar os pés no chão, temendo de ter alguém ou alguma
coisa escondido debaixo da cama, pronto para dar o bote. Este é o tipo de
história que tem dentes.
Mas em “O Bazar dos Sonhos Ruins”, faltam dentes
para a maioria dos contos. Cara, não acredito que estou falando
escrevendo isso, porque sou um fã extremado de King. Tenho quase todos os seus
livros, além disso, um punhado de posts desse blog faz referencia ao autor,
mesmo quando o assunto não tem nada à ver com Mr. King. É sério; eu o considero
um mestre do gênero, mas ao escrever esse post prefiro optar pela sinceridade e
deixar o meu ‘lado-fã’ um pouco esquecido.
Dos 20 contos que compõem o livro gostei da metade,
mas dessa metade, eu dispenso três que não tem elementos de terror em suas
tramas, pelo menos para mim. Portanto, apesar de bons, eles não mereciam fazer
parte da coletânea. São eles: “Batman e Robin tem uma discussão”, “Herman Wouk
ainda está vivo” e “Fogos de artifícios e bebedeiras”. Inclusive, me diverti
muito com esse último. Dei boas risadas. A disputa entre duas famílias para
saber quem é capaz de soltar os fogos de artifício mais poderosos durante os
finais de ano é gostosamente hilária. Achei o máximo, mas... a história não tem
dentes.
No outro extremo, encontra-se “Batman e Robin” tem
uma discussão” que aborda o relacionamento de um filho com o seu pai que se
encontra num asilo. No final, o velho que está com Alzheimer – vive trocando poucos
momentos de lucidez com muitos momentos de esquecimento – acaba salvando a vida
do filho de maneira inusitada. Emocionei-me muito com a história, mas...
novamente faltam os dentes.
E finalmente, um outro conto com muita qualidade, mas que não pode ser
enquadrado no gênero terror é “Herman Wouk” ainda está vivo”. Nele, King relata
a rotina de vida de um casal de poetas idosos que vive em harmonia e muito
feliz, contrastando com duas amigas frustradas, com problemas na vida
sentimental e também no trabalho. A vida dessas quatro pessoas se cruza de
maneira trágica durante uma viagem.
Apesar da narrativa forte e tensa, principalmente no final do conto, faltou a
palavrinha mágica chamada terror.
Eliminando esses três, sobraram sete contos muito
bons que fazem jus ao gênero. Estes sim, com dentes. “Milha 81”, “Duna”, “Ur”, “Indisposta”,
“Obituários”, “O Pequeno deus verde da agonia” e “Garotinho malvado”, de fato
assustam, mas os dois últimos ‘arrebentam’ e lembram o King do arrepiante “Tripulação de Esqueletos”, que eu
considero o melhor livro de contos de terror já escrito pelo autor.
O garotinho malvado do conto homônimo arrepia todos
os cabelinhos do corpo. E olha, que eu disse todos os cabelinhos, até os mais secretos.
O pestinha que usa um boné com uma hélice pode ser considerado a essência da
própria maldade; mas apesar do autor,
durante toda a narrativa, não atribuir ao personagem características
sobrenaturais, no final da história, o leitor fica na dúvida se ele é desse
mundo ou não. Pelo menos, eu fiquei.
Outro conto que dá calafrios é “O pequeno deus verde
da agonia”. Nele, nós temos a volta do velho King das histórias sobrenaturais –
prefiro o King do sobrenatural ao o King do terror psicológico. Nesta história,
uma enfermeira incrédula que cuida de um paciente que sofre dores atrozes por
todo o corpo, após ter sofrido um grave acidente, muda as suas convicções depois
de presenciar um estranho exorcismo praticado por um religioso que insiste em dizer
que a dor é um demônio que está escondido no corpo do pobre homem. Caraca, esse
conto me assustou e muito!
“Ur” – os fãs da série ‘A Torre Negra’ irão gostar
-, “Milha 81”, “Duna”, “Indisposta” e “Obituários”, apesar de não assustarem
tanto, também são bons. “Obituários” lembra muito aquelas histórias da
antológica série de TV “Além da Imaginação”. Quanto a “Indisposta”, com a
aproximação do final do conto, o queixo do leitor vai caindo aos poucos.
No tocante a “Premium Harmony”, “Uma morte”, “Igreja
de ossos”, “Moralidade”, “Vida após a morte”, “Mister Delícia”,”Tommy”, “Aquele
ônibus é do outro mundo”, “Trovão de Verão” e “Blockade Billy”, melhor
esquecer. Este último, para aqueles que não gostam ou desconhecem completamente
as regras do beisebol, decerto será um tormento.
Na minha opinião, acredito que será difícil surgir
um livro de contos tão bom quanto “Tripulação de Esqueletos”. Este sim, tem
dentes e também garras.
Inté!
Postar um comentário